Viver a Vida (Vivre Sa Vie: Film en Douze Tableaux), 1962, 80 minutos, direção de Jean-Luc Godard.
Rodado em preto e branco, o filme é narrado em doze quadros. Como em outros filmes dirigidos por Godard, a câmera é uma observadora que acompanha Nana (Anna Karina) se embrenhando no mundo da prostituição. O filme assume, em muitas cenas, um tom documental, de observação.
O roteiro não tem intenção de explicar muito sobre Nana. Logo de cara, em uma tomada sensacional, quando ela e o homem com quem conversa em um balcão de bar são mostrados de costas, mas dá para ver o rosto de Nana no espelho ao fundo, sabemos que o homem é seu marido de quem está separada, que deixou o filho com ele e que precisa de dinheiro. Mas não nos mostra os motivos. São fatos que interessam ao espectador para compreender a decisão de Nana em se prostituir.
Nana é fria, não esboça sentimentos, salvo raras exceções, a saber, no cinema quando chora vendo A Paixão de Joana D'Arc, filme mudo de 1928 dirigido por Carl Theodor Dreyer, e quando dança alegremente Swing! Swing! Swing!, música de Michel Legrand, em um bar, em volta de mesas de sinuca, com a câmera girando 360º. Interessante notar que Anna Karina voltaria a dançar em um bar em uma cena icônica do filme Band À Part, também dirigido por Godard, lançado dois anos depois de Vivre Sa Vie.
Mesmo como prostituta, Nana não aparece nua em nenhum momento e também não vemos cenas de sexo entre ela e seus clientes (apenas há uma insinuação em uma passagem breve no quarto do hotel onde ela trabalhava como prostituta).
Godard faz várias citações durante o filme, como de costume. A começar pelos intertítulos que antecedem cada um dos 12 quadros, que nos remetem aos filmes mudos, que usavam deste expediente para mudar de cena. Também ele silencia, por duas vezes, diálogos, colocando legenda para sabermos o que estão conversando, outra referência aos filmes mudos, que também eram em preto e branco. Coloca uma cena impactante de A Paixão de Joana D'Arc de mais dois minutos, tentando fazer um paralelo entre o sofrimento de Joana D'Arc, magistralmente interpretada por Renée Jeanne Falconetti, e o sofrimento de Nana, que chora no mesmo instante em que a heroína também chora sabendo que morrerá na fogueira. Godard também cita Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, mostra um personagem lendo Obras Completas, de Edgar Allan Poe, e tem um ótimo diálogo entre Nana e um senhor na mesa do bar (Brice Parain), no qual são citados Platão e filósofos alemães, e ainda filosofam sobre o verdadeiro amor.
A trilha sonora, composta por Michel Legrand, é um caso à parte. Em algumas cenas, a música instrumental pontua o que está se passando com a personagem principal, mas é interrompida de forma abrupta, como se não conseguisse explicar o sentimento de Nana.
O título original - Vivre Sa Vie - pode ter duas conotações, pois pode ser lido como viva sua vida ou como viver como prostituta, já que, assim como no português, na época em que foi rodado o filme, prostituta também era chamada de mulher da vida.
Por fim, Viver a Vida tem um final trágico, marca de vários filmes de Godard. Esta lição de moral ao final é o que me incomoda, mas, mesmo assim, é um ótimo filme e deve ser visto e revisto por quem realmente ama o cinema.