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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

SOPRO

O Coletivo Irmãos Guimarães vem apresentando, nos últimos anos, um interessante trabalho calcado na obra de Samuel Beckett, especialmente naqueles textos bem curtinhos, quase sem palavras. Não foi diferente com o mais novo trabalho do Coletivo. Estreou na noite de quinta-feira, dia 18 de setembro, no Teatro Sesc Garagem, a montagem Sopro, uma livre adaptação das peças Passos e Ato sem palavras I do dramaturgo inglês Beckett. Para conseguir um ingresso, basta levar dois quilos de alimentos não perecíveis. Os ingressos começam a ser distribuídos uma hora antes do horário previsto para ter início o espetáculo. Cheguei uns cinquenta minutos antes. Na minha frente, apenas quatro pessoas, todas elas do meio teatral brasiliense. Os Irmãos Guimarães sempre gostam de encenar seus espetáculos em locais menores, com plateia reduzida. Ao entrar, o público se depara com apenas uma arquibancada no teatro, quando normalmente são usadas três delas. A arquibancada ficou cheia para ver Sopro.
Uma projeção indica a primeira peça a ser apresentada, baseada em Passos. Uma única atriz (Liliane Rovaris) em cena, caminhando em um tablado feito com madeiras claras destas que se usam para fazer caixotes. Ao fundo, uma porta entreaberta, deixando escapar um feixe de luz. A atriz caminha de um lado para o outro, contando seus passos, enquanto dialoga com sua mãe, que não aparece em cena. Apenas uma voz em off, de alguém que sofre, de alguém que espera alguma coisa. Uma idosa com cerca de noventa anos de idade. A iluminação dá o tom melancólico que a cena necessita. O ir e vir da atriz se torna rotineiro, mas ao mesmo tempo carregado de angústia. Ela fica contando passos até que para em um canto e despeja o texto na forma em que foi escrito, incluindo a menção de quem está falando a frase, se a mãe ou sua filha, em um diálogo de acerto de contas nunca terminado. A angústia e a melancolia da cena me remeteram à solidão, algo tão vivo nos dias corridos em que vivemos.
Em seguida, nova projeção, indicando a segunda parte de Sopro, quando há uma livre adaptação para Ato sem palavras I. No fundo do teatro, uma cena poética, mas carregada de angústia. Uma senhora com bengala, perto dos oitenta anos, tenta se virar sozinha em uma sala, com todas as dificuldades de arrumar a mesa para tomar um simples chá da tarde. Um retrato vivo das intempéries da vida, especialmente as vivenciadas pelos idosos. Para representar tais intempéries, os Irmãos Guimarães optaram por usar um potente ventilador cuja velocidade do vento vai aumentando, não deixando nada em pé sobre a mesa onde a senhora tenta tomar seu chá.
Mais uma vez os Irmãos Guimarães ousaram, não ficaram no óbvio, e trouxeram o tema da solidão para uma reflexão coletiva.
Neste Sopro, a sinergia entre atrizes e cenário é fundamental, pois este último tem um papel importantíssimo no espetáculo, tornando-o visivelmente impactante e angustiante. Na medida em que a velocidade do vento produzido pelo aparelho avançava, eu ficava a pensar se aquela senhora frágil no palco aguentaria ficar de pé até o final. Fiquei imaginando se ela também voasse como os objetos voaram em cena.
Ao sair, fui cumprimentar Fernando, um dos irmãos Guimarães, quando fiquei sabendo que a senhora era Yara De Cunto, importante nome nas artes cênicas do início de Brasília e que não pisava em um palco há 52 anos. Fiquei impressionado com a disposição daquela senhora em enfrentar o ventilador.
Saí com a certeza que ventos de ousadia continuam a soprar da cabeça dos Irmãos Guimarães.

FÉRIAS NA ESCANDINÁVIA - COPENHAGUE, DINAMARCA

Fotos de minhas férias na Escandinávia - Copenhague, Dinamarca:

https://www.flickr.com/photos/44452722@N03/sets/72157644873100618/

FÉRIAS NA ESCANDINÁVIA - BERGEN, NORUEGA

Fotos de minhas férias na Escandinávia - Bergen, Noruega:

https://www.flickr.com/photos/44452722@N03/sets/72157645285705374/

FÉRIAS NA ESCANDINÁVIA - FIORDES DA NORUEGA

Fotos de minhas férias passeando pelos fiordes noruegueses:

https://www.flickr.com/photos/44452722@N03/sets/72157646800750566/

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O REBU

Quando a Rede Globo anunciou uma releitura da novela O Rebu, escrita por Bráulio Pedroso, lançada em 1974, minha curiosidade foi aguçada. Tinha 11 anos quando a novela estreou. Meus pais não deixavam os filhos assistirem televisão após o Jornal Nacional. Tínhamos que ir deitar. Sempre custei para dormir. Assim, ficava na cama pensando em mil coisas, criando um zilhão de histórias. De vez em quando, deitava em sentido contrário na cama, o que me possibilitava ver, mesmo que de soslaio, o que se passava na TV. Era uma televisão preto e branco, bem pequena. Meu pai ficava até tarde assistindo a programação noturna, mas colocava o volume muito baixo, quase inaudível. Mesmo assim, eu conseguia captar alguma coisa e ficava tentando prestar atenção até o sono chegar. Lembro-me bem da cena inicial da novela O Rebu, com uma festa em uma mansão e um corpo aparecendo boiando na piscina. Esta imagem ficou muito tempo na minha memória, até porque eu era nadador na época, sendo a piscina uma extensão da minha casa. Mas não me lembro de mais nada, nem quem era o morto, ou o que tinha acontecido. Passados quarenta anos, eis que a Globo apresenta uma versão reduzida de O Rebu. Resolvi assistir o primeiro capítulo. Gostei do ritmo, da trilha sonora, do luxo e sofisticação da mansão onde se desenvolveu a trama. Quem me conhece sabe que quase nunca assisto televisão. Fico meses sem ligar o aparelho. Seria difícil seguir a trama dia a dia, mas graças à internet, hoje é possível assistir onde e quando quisermos vários programas da grade televisa. Consultei o site Gshow e confirmei que os capítulos de O Rebu seriam disponibilizados tão logo exibidos na TV aberta, mesmo para quem não é assinante do site, que é o meu caso. Nesta condição, os capítulos são divididos em várias cenas, algumas com cinco minutos de duração, outras com menos de um minuto, e com algumas inserções de propaganda entre elas. Mas para quem quer acompanhar, é apenas um trabalho a mais ficar clicando para rodar cada cena na tela de seu computador ou de seu tablet. Vi os trinta e cinco capítulos seguintes ao primeiro desta forma. Tinha dia que via três de uma vez, pois não tinha tido tempo de conferí-los antes. Não deixei de fazer nada do que planejado para seguir a novela.
A trama se passa em 24 horas, entre o início da noite de sábado, quando os convidados vão chegando para a festa na Mansão Mahler, até a noite de domingo, quando os mistérios são resolvidos. Muito flash back é utilizado para esclarecer fatos do enredo. A edição dos capítulos iniciais é frenética, especialmente quando focada na festa, com forte utilização das redes sociais pelos personagens, o que garantia uma ligação direta com o site interativo que a Globo montou para as pessoas tentarem descobrir quem era o assassino.
Para quem viu a primeira versão, muita coisa mudou. Enquanto na versão de 1974 o dono da mansão Mahler era vivido por Ziembinski e tinha um protegido, interpretado por Buza Ferraz, nesta releitura, Patrícia Pillar dá vida à poderosa Ângela Mahler, tendo como protegida Duda, vivida por Sophie Charlotte. Outra coisa que muda é que já no primeiro capítulo o público sabe quem morreu, no caso Bruno, vivido por Daniel de Oliveira, enquanto na versão anterior, a identidade do morto só foi revelada muito lá na frente na história, e era uma mulher. Temas atuais, como exploração de petróleo em mar profundo, delação premiada, corrupção, aparecem nesta nova leitura de O Rebu.
A novela acabou na sexta-feira, dia 12 de setembro, mas consegui ver os oito últimos capítulos somente neste domingo, 14 de setembro.
Como disse, gostei do início dinâmico, mas o frenesi dos capítulos iniciais deram lugar a uma parte arrastada, algo típico em novelas, com muito lero lero para desenvolver o enredo, deixando as resoluções de todas as tramas para os quatro capítulos finais, o que prejudicou parte delas.
O elenco feminino é muito bom, com excelentes interpretações de Patrícia Pillar, Sophie Charlotte, Cássia Kiss Magro, Dira Paes, Mariana Lima, Vera Holtz e Camila Morgado. Estas duas últimas estão fantásticas como mãe e filha, duas socialites fogosas. Já o elenco masculino tem diferenças gritantes de interpretação, mas os escalados para personagens-chaves, caso de Tony Ramos e Daniel de Oliveira, estão muito bem. O mesmo não posso dizer de Marcos Palmeira, como Delegado Pedroso, fazendo sempre o papel dele mesmo. Jesuíta Barbosa, o ladrão Alain, é uma boa surpresa.
Como qualquer novela, as tramas paralelas dão sustentação para que a novela se desenvolva. E como sempre, algumas tramas são muito chatas, como é o caso do atormentado jornalista Oswaldo Pamplona, vivido por Júlio Andrade.
Enfim, apesar do meio arrastado, gostei de acompanhar a novela O Rebu. Embora não explícito, era perceptível o clima de homossexualidade que rolava entre Ângela Mahler e sua protegida Duda em alguns momentos. E terminar como começou foi sensacional: uma morte no primeiro capítulo e outra no último, envolvendo personagens centrais da trama.

domingo, 14 de setembro de 2014

ÉDIPO

Nunca imaginei a peça Édipo Rei, escrita por Sófocles, ser encenada como uma comédia. Vi algumas montagens, boas e ruins, mas sempre na linha do drama grego. Eis que entra em cartaz no Teatro da Caixa Cultural de Brasília a montagem Édipo da Companhia do Chapitô, trupe portuguesa com quase duas décadas de existência. Releitura no estilo comédia, na qual Édipo, embora rei, é um rejeitado, um coitadinho. Fui conferir o espetáculo na noite de domingo, sessão das 19 horas. O teatro não ficou cheio, mas recebeu um bom público. Pelo ingresso, paguei R$ 10,00 (meia entrada - doador de um brinquedo).
Quando as luzes se apagaram e a cortina se abriu, apresentou-se um palco completamente nu, sem cenário e com iluminação fixa. Apenas três atores em cena: Jorge Cruz, Marta Cerqueira e Tiago Viegas. Não há figurinos de época, nem mesmo figurinos atualizados. Os atores usam a mesma roupa do dia a dia que todos nós usamos.
História clássica do teatro, sem cenário, sem figurino? Foi a pergunta que me fiz bem no início da peça. Com três minutos de encenação, meus temores se foram. Os atores se bastam e garantem o excelente espetáculo. O trabalho de corpo dos três é sensacional, até mesmo nas expressões mais toscas, próprias de comédias no estilo pastelão. Eles se revezam para interpretar todas as personagens da história escrita por Sófocles. E brincam com esta situação ao longo da encenação.
A história é a que conhecemos: em uma consulta ao oráculo, Jocasta e Laio descobrem que o filho deles, Édipo, matará o pai e se casará com a mãe. Eles abandonam o filho em uma montanha para que ele morra por lá, mas Édipo sobrevive, cresce em outra cidade, e, ao voltar para a sua terra natal, mata Laio no meio do caminho, desvenda o indecifrável enigma da Esfinge e se casa com a rainha Jocasta. Sem saber nada do real grau de parentesco que tinha com estas pessoas. A profecia foi cumprida.
O que é diferente é a forma como a Companhia do Chapitô encena esta tragédia grega. Da maneira mais cômica possível, mas sem perder a face dramática da história. Algumas adaptações que eles fizeram ao texto deixam a história com uma cara de atualidade. O enigma da Esfinge tem relação com a teoria da relatividade de Albert Einstein. O caminho para Tebas é indicado como se Édipo estivesse em Brasília. Os atores utilizam expressões bem brasileiras, como "arre égua" e "vixe Maria", aproximando o texto do público.
Ri muito enquanto assistia esta versão portuguesa dirigida por John Mowat e José Carlos Garcia, especialmente com as dúvidas que surgem quando Édipo descobre que Jocasta, sua mulher, é sua mãe. As perguntas que Jocasta, Édipo e Creonte fazem são de rolar de rir. Seriam os filhos de Édipo e Jocasta também netos de Jocasta e irmãos de Édipo? E outras tantas são feitas, deixando a plateia rindo sem parar. 
Destaco quatro cenas nas quais o trabalho de corpo da trupe valeu a minha presença no teatro na noite de domingo, a saber o nascimento de Édipo; a consulta que ele faz ao oráculo; o confronto do mesmo Édipo com a Esfinge; e a tortura que a pastora sofre para confessar o que tinha feito com o filho de Jocasta e Laio. O contorcionismo de Marta Cerqueira como a pastora sendo torturada é tão impressionante, como se fosse uma artista do Circo Imperial da China ou do Cirque du Soleil, que o público não resistiu e aplaudiu em cena aberta.
Ao final, longos minutos de ovação, com muitas palmas e gritos de bravo ecoando da plateia.
A Companhia do Chapitô fez uma ótima releitura da tragédia Édipo Rei. Gostei muito do que vi.

sábado, 13 de setembro de 2014

CONFRARIA VINUS VIVUS - 90ª REUNIÃO

Confraria Vinus Vivus se reuniu mais uma vez no último dia 11 de setembro, em seu 90º encontro, para degustar vinhos biodinâmicos. Jarbas não pode estar presente, cedendo lugar para a convidada Liz. Tivemos a presença de Eugênio como convidado. Eis os vinhos da noite.

Vinho 1 – La Rincette


Safra: 2011.
Álcool: 12,5%.
Casta: gamay.
Produtor: G. Descombes.
Região: Beaujolais, França.
Cor: casca de cebola.
Aromas: sutil, tâmara, lácteo, capim santo, folha de limão, casca de laranja.
Boca: amargo, amanteigado, untuosidade no centro da boca, acidez baixa, amargor bem presente, refrescante, bem agradável de se beber.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 139,00.
Observação: vinho rosé. Vin de France (ex vin de table). Dentre os dois vinhos rosé da noite, foi o preferido por Vera, Cláudia e Keller.

Vinho 2 – Bourgueil Rosé d’Équinoxe


Safra: 2012.
Álcool: 13%.
Casta: cabernet franc.
Produtor: Y. Amirault.
Região: Bourgueil, Loire, França.
Cor: pêssego.
Aromas: lácteo, romã, maçã.
Boca: gás carbônico na língua (pinica a ponta da língua), maçã, acidez presente, salivação abundante, refrescante.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 179,00.
Observação: vinho rosé . Dentre os dois vinhos rosé, foi o campeão da noite, sendo o vinho rosé preferido de Marcos, Leo S., Eugênio, Bruno, Fernanda, LeoL., Abílio e Liz.

Vinho 3 – Cuvée Gigi


Safra: 2011.
Álcool: 11,5%.
Casta: 100% gamay.
Produtor: G. Descombes.
Região: Beaujolais, França.
Cor: rubi claro.
Aromas: estábulo, geleia de morango, doce de banana, peixe.
Boca: morango, acidez alta, leve amargor no final, seca totalmente o céu da boca e a língua, cravo, Biotônico Fontoura.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 139,00.

Vinho 4 – Morgon


Safra: 2012.
Álcool: 12,5%.
Casta: gamay.
Produtor: G. Descombes.
Região: Morgon, Vermont, França.
Cor: rubi médio, com leve toque violáceo.
Aromas: esgoto, podre, violeta, amêndoas, amaretto, geleia de frutas.
Boca: boa acidez, taninos potentes, mas não incomodam. Por ser um gamay, tem muito corpo (por causa do solo, mais xistoso).
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 199,00.

Vinho 5 – Marsannay em Ouzeloy


Safra: 2011.
Álcool: 13%.
Casta: 100% pinot noir.
Produtor: René Bouvier.
Região: Marsannay, França.
Cor: rubi claro.
Aromas: herbáceo, folha verde, erva mate, tererê, sálvia, pimenta rosa.
Boca: deixa um amargor, tomate seco adocicado.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 279,00.
Observação: o campeão da noite, sendo o vinho tinto preferido de Vera, Marcos, Leo S., Cláudia, Eugênio, Keller, Bruno, Leo L., Abílio e Liz.

Vinho 6 – Bourgueil Le Grand Clos


Safra: 2011.
Álcool: 12,5%.
Casta: 100% cabernet franc.
Produtor: Y. Amirault.
Região: Bourgueil, Loire, França.
Cor: rubi intenso.
Aromas: herbáceo, cogumelo, pimenta, bosque molhado, grama cortada, relva.
Boca: seca a boca, perde, some na boca, parece água, pesado, rugoso, verde.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 199,00.
Estágio: 24 meses em barricas de carvalho. 4 semanas de maceração.
Observação: videiras com 45 anos de idade em média. Ficou no decanter desde às 13 horas, sendo degustado por volta de 22 horas.

Vinho 7  – La Source


Safra: 2012.
Álcool: 12,5%.
Casta: 100% cabernet franc.
Produtor: Y. Amirault.
Região: Bourgueil, Loire, França.
Cor: rubi.
Aromas: estábulo, esterco de cabrito, grama, cereja, framboesa madura.
Boca: muito ácido, seca a boca.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 179,00.
Estágio: não passa por barrica.
Observação: foi o preferido da noite por Fernanda.

Vinho 8 – Le Chapitre


Safra: 2011.
Álcool: 12,5%.
Casta: 100% pinot noir.
Produtor: René Bouvier.
Região: Bourgogne, França.
Cor: rubi.
Aromas: herbáceo, relva, folha verde.
Boca: potente.
Importador: Casa Flora.
Valor: R$ 199,00.

Após a degustação, foi servido o jantar, com os seguintes pratos: farofa de cuscuz, baião de dois, carne de sol acebolada e abóbora moranga cozida.


Para a harmonização, utilizamos os vinhos da degustação e ainda:

Alsace Domaine Barmès Buecher – elaborado com a casta pinot d’alsace, produzido na região de Alsace, França, com 15% de álcool, safra 2005. Potente vinho branco que combinou muito bem com a carne de sol. Alguns confrades o chamaram de branco com alma de tinto.

vinho

gastronomia

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

(DES) ESPERAR

Chegou o fim de semana e lá fui eu novamente para o teatro. Mais uma peça de Brasília. Conferi a montagem da Andaime Cia de Teatro que voltou em cartaz no Teatro Funarte Plínio Marcos, dentro da programação da Ocupação Funarte. Comprei ingresso na hora. Inteira a R$ 20,00. As cadeiras foram colocadas no palco. O público, antes de entrar, foi avisado que apenas a primeira fileira da plateia poderia ser utilizada além das cadeiras do palco, o que formou um quadrado em torno do local onde as quatro atrizes encenaram (Des) Esperar. No elenco estão Ana Luisa Bellacosta, Kamala Ramers, Patrícia Del Rey e Tatiana Bittar, esta última também assina a direção.
A peça é uma livre adaptação de Esperando Godot, de Samuel Beckett. Quatro mulheres estão juntas esperando alguém ou alguma coisa. Neste esperar, elas se completam, não conseguindo mais se separarem. Ficam dependentes e interdependentes. E elas estão juntas dia após dia a espera daquela que não comparece. Neste tempo, memórias de cada uma delas vem à tona, rendendo momentos descontraídos e bem humorados ao espetáculo. Cada uma tem um talento e as outras, para passar o tempo, pedem para que tal dom seja revivido, seja novamente mostrado. E assim a vida passa, dia após dia, em uma rotina sem fim. A espera leva ao desespero, que conseguem vencer para novamente esperar.
Nitidamente há improvisos ao longo do espetáculo. Um barulho de uma moto que passa na rua ou vozes de crianças do lado de fora do teatro são suficientes para entrar algo no texto. Isto torna única cada encenação.
A movimentação das atrizes em cena é um ponto de destaque da peça. Utilizam todo o espaço cênico para marcar uma passagem do tempo, seja para trás, seja para frente, e, quando estão na eterna espera, ficam confinadas em um quadrado de luz no centro do tablado. E a passagem do tempo também é poeticamente marcada por uma areia que jorra no palco, como se fosse uma ampulheta.
Para completar, a trilha sonora é executada ao vivo por dois instrumentistas.
A espera continua.
Vale o ingresso.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

FABIANA COZZA - SAMBA DE BAMBA

Desde março acontece na Caixa Cultural de Brasília, uma vez por mês, um show do projeto Samba de Bamba. A ideia é levar ao palco do Teatro da Caixa um sambista da nova geração para apresentar seu trabalho ao público da cidade. Por vários motivos não consegui ir em nenhum dos shows realizados de março a agosto. Para setembro, comprei ingresso para ver a paulistana Fabiana Cozza, intérprete de sambas que já tinha visto anteriormente em show no CCBB.
Terça-feira, 09 de setembro, 20 horas. Com ingressos esgotados, formou-se uma fila em frente à bilheteria. Era a turma que aguardava as desistências daqueles que receberam convites e que não foram trocar pelo ingresso. O teatro estava bem cheio, mas como ficaram algumas cadeiras vazias, conclui que todos da fila conseguiram entrar. O show começou com apenas dez minutos de atraso. A cantora entoou os primeiros versos ainda com as cortinas fechadas. No palco, cinco músicos acompanhavam Cozza em show baseado em seu mais recente trabalho, Canto Sagrado, todo ele dedicado à cantora Clara Nunes.
E foi justamente esta homenagem à sambista mineira que me fez ficar com um pé atrás em relação ao que ia ver na Caixa Cultural, pois depois que ouvi e vi Mariene de Castro prestar tributo à Clara Nunes em seu show Ser de Luz, fiquei tão tocado com sua interpretação que achava difícil alguém superá-la. Fabiana Cozza não superou, mas chegou bem perto disto. O show é completamente diferente, embora algumas canções sejam as mesmas. Cozza iniciou contida, cantando à capela, centrada no palco, em uma espécie de reverência à homenageada, mas ao longo do show, sua performance em cena, fato comum na sambista, foi ganhando corpo, dando novas roupagens às músicas eternizadas por Clara Nunes.
O show me fisgou a partir da canção O Mar Serenou (Candeia). Vieram outras ótimas performances e belas interpretações de Fabiana Cozza para Meu Sapato Já Furou, Lama, Feira de Mangaio, Candongueiro, Conto de Areia, entre outras. O público correspondia acompanhando o ritmo com palmas e sambando com a "cabeça". Ouviu-se um grito aqui e ali de "poderosa!", "luxuosíssima! ou "maravilhosa".
Ao final, ela agradeceu a presença do público, fez algumas brincadeiras com a seca de Brasília (durante o show ela pára várias vezes para beber água) e disse que estaria no hall do teatro para fotos, autógrafos (CD e DVD vendidos na saída do show) e bate papo com quem quisesse esperá-la.
Ainda sob o impacto do samba, eu, Karina e Allan resolvemos ir para o Outro Calaf, onde toda terça-feira o grupo Adora Roda faz uma apresentação ao vivo cantando sambas do vasto repertório nacional.
Terça-feira foi dia de sambar.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

LUCY

Estava de bobeira no domingo à noite, sem ideia do que fazer, quando abri o jornal e dei de cara com a propaganda do novo filme de Luc Besson. Decidi ir conferir no Espaço Itaú de Cinema no CasaPark Shopping o filme Lucy, estrelado por Scarlett Johansson e Morgan Freeman.
Besson voltou à forma que mais gosto dele. Mistura muita ação, com elementos bem excessivos, e uma ficção científica sensacional. Lucy é uma garota que está em Taipei, quando se vê envolvida com uma máfia de traficantes de drogas liderada por um sanguinário sulcoreano. Ela é forçada a ser mula para transportar uma nova e poderosa droga para a Europa, mas as coisas não saem como planejadas pela máfia. A droga se espalha no organismo de Lucy e ela passa a usar, progressivamente, a capacidade de seu cérebro em níveis muito superiores ao que o ser humano utiliza. Paralelamente às cenas de Lucy, o Professor Norman, interpretado por Morgan Freeman, apresenta sua teoria justamente sobre o que o homem seria capaz de fazer se conseguisse aumentar o percentual de utilização de seu cérebro. Obviamente que a vida dos dois vai se cruzar em Paris.
Besson se reinventa, fazendo referências nítidas a alguns seus filmes, tais como Nikita - Criada para Matar (1990), O Quinto Elemento (1997), e Táxi - Velocidade nas Ruas (1998). Até mesmo o figurino utilizado por Johansson tem inspiração ao figurino usado por Anne Parillaud em Nikita. Além de beber na fonte de seus próprios filmes, ele ainda traz referências a 2001 Uma Odisseia no Espaço (Lucy, a primeira mulher bebendo água em um cristalino rio e a relação de Lucy com os computadores), aos filmes de lutas marciais produzidos em Hong Kong (a posição de luta da gangue sulcoreana ao enfrentar Lucy em Paris), além de pitadas do universo das artes plásticas, como a releitura para A Criação de Adão, a clássica obra de Michelangelo no teto da Capela Sistina no Vaticano, quando Lucy (a primeira mulher) e Lucy (Johansson) repetem a pose do encontro dos dedos indicadores.
O roteiro, também de autoria de Besson, é muito bem construído, linear, sem cansar o público. E Scarlett Johansson, mesmo sem aparecer nua durante toda a projeção, continua esbanjando sensualidade.
Gostei muito do que vi.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

EU SOU SUA

Noite de sábado, 20 horas, Cine Brasília. Sessão de encerramento do III Festival Internacional de Cinema de Brasília - III BIFF. O cinema estava bem cheio, mas não lotou, embora a organização tenha distribuído convites para quem comprou ingressos para a Mostra Competitiva nas noites de quarta, quinta e sexta-feiras. Com um pequeno atraso, a cerimônia foi bem informal, rápida e não cansou quem estava esperando a projeção do filme vencedor da Mostra Competitiva. Foram apenas cinco prêmios:
01) Melhor atriz: Amrita Acharia, por sua interpretação no filme norueguês Eu Sou Sua (I Am Yours).
02) Melhor ator: Armando Valdés Freire, por sua interpretação no filme cubano Conducta.
03) Melhor roteiro: Ernesto Daranas, filme cubano Conducta.
04) Melhor direção: Joana Kos-Krauze e Krzysztof Krauze, pelo filme polonês A História de Papusza.
05) Melhor filme: Eu Sou Sua.
Cada um dos agraciados recebeu o montante de U$ 10 mil e um troféu.
Como o filme vencedor eu ainda não tinha visto, fiquei na sala de projeção para conferir esta produção norueguesa de 2013, com 96 minutos de duração, cuja direção coube a Iram Haq.
Eu Sou Sua (Jeg er Din) é a história de Mina (Amrita Acharia), uma norueguesa com ascendência paquistanesa, jovem, mãe solteira, que não consegue viver com um único namorado, até que conhece na capital norueguesa Jesper, um cineasta e roteirista sueco. Os dois se apaixonam e ela se muda para Estocolmo para viver com ele. No entanto, a presença do menino Felix, filho de Mina, vai incomodando o sueco até ele não aguentar mais e pedir um tempo a ela, que, por sua vez, retorna para Oslo. Para piorar sua situação, ela tem sérios conflitos com os pais em mais um filme que aborda a questão do respeito às tradições em contraponto à sociedade moderna, cada vez mais individualista, e exigindo soluções imediatas para todos os problemas. Ainda há uma conturbada relação dela com o pai de seu filho. Mina vira refém de sua opção de vida, mas não consegue se impor perante a dominadora mãe, perante o pai do menino, perante o namorado sueco, perante à comunidade paquistanesa em Oslo. Ela sente que tem de ser de todos, mas não é sequer dona de si mesma. Diferente do que ocorreu em outras sessões do festival, ao terminar o filme, enquanto passavam os créditos, ninguém aplaudiu a película. Todo mundo foi levantando e deixando a sala de projeção. Eu achei o filme mediano. Não me fisgou.

domingo, 7 de setembro de 2014

VINO PARA ROBAR

Vino para Robar, uma produção argentina de 2013, foi mais um filme da Mostra Competitiva do III Festival Internacional de Cinema de Brasília - III BIFF que consegui ver no Cine Brasília. Dirigido por Ariel Winograd, o filme tem no elenco Daniel Hendler (Sebastian) e Valeria Bertuccelli (Natalia).
É uma deliciosa comédia sobre ladrões de obras de arte que passam a perna um no outro até se virem envolvidos em um mesmo problema, tendo que trabalhar em conjunto para roubar uma única garrafa de um vinho tinto elaborado com a casta malbec em Bordeaux, safra 1845, que está guardada no cofre de um banco em Mendoza, Argentina.
As reviravoltas que o roteiro apresenta conferem ao filme uma dinâmica especial, com claras referências a filmes de ação com toques de comédia do cinema produzido em Hollywood, mas com características bem latinas. Mas o melhor de tudo são as críticas veladas aos chamados "enochatos". Tais críticas vem das atitudes do casal central da trama. Há uma cena ótima no qual o pai de Natalia, um produtor de vinhos de Mendoza, entrega uma taça com um de seus vinhos para Sebastian, perguntando-o o aroma que ele sente. Ele leva a taça perto de seu nariz e responde com a maior cara de entendido: aroma de vinho! A cena final, que não contarei aqui, também é uma alusão às atitudes dos tais enochatos.
A escolha dos atores para o casal de protagonistas é perfeita. Tanto Hendler quanto Bertuccelli transmitem ao público o ar de cafajestes de seus personagens de forma segura, leve e humorada.
Não é filme para ganhar prêmios em uma mostra tão repleta de roteiros densos, de reflexões profundas sobre tradições e sobre comportamentos, mas cumpre a função de entreter e muito bem. Como escrevi no início, achei a comédia deliciosa. Ri bastante. Gostei.

sábado, 6 de setembro de 2014

(M) EU CAIO - MAIS UMA DE AMOR

Já escrevi aqui que cada vez mais gosto das peças produzidas em Brasília. E na noite de sexta-feira, dia 05 de setembro, esta afirmação mais uma vez se confirmou. Em todas as vezes que o monólogo (M) Eu Caio - Mais Uma de Amor esteve em cartaz na cidade não consegui ir por algum motivo.
A peça entrou em cartaz novamente em Brasília, desta feita no Teatro Funarte Plínio Marcos, dentro da programação de setembro da Ocupação Funarte. Fui conferir. Ingressos na bilheteria, somente em dinheiro, por R$ 20,00 (inteira). Montagem da Cia Provisória de Teatro (DF), com dramaturgia e direção sob a responsabilidade de Carolina Vianna.
Tinha pouca gente no teatro. Uma pena, pois o espetáculo vale a pena.
O cenário é formado por várias caixas de papelão, com nichos que servem de prateleiras e estantes, além de um inusitado bar. Ao centro, dois bancos, também de papelão, servem de apoio para o desenvolvimento do monólogo. Assim que o público se acomodou, a sala ficou entregue à escuridão. Quando o palco foi iluminado, o ator Arthur Tadeu Curado estava sentado de costas para a plateia, com um cigarro aceso em uma das mãos e faz, ainda de costas, a sua apresentação como Caio Fernando Abreu, escritor gaúcho cujos textos, contos e escritos sempre me atraíram. O monólogo traz os pensamentos de Caio.
Em cerca de cinquenta minutos, Arthur Curado desfila uma coletânea de pensamentos do escritor, entremeados com frases de personagens criados por Caio em suas publicações. O texto toca em temas pungentes, como a morte (o escritor morreu em decorrência da AIDS), a amizade e o amor, assunto recorrente na obra deixada por ele. A mistura de frases do escritor com as faladas por suas personagens ficou muito interessante. O texto ficou coeso, trouxe temas importantes para reflexão, sem apelações. Curado está leve em cena, incorporando o escritor de forma humorada, mas com profundidade.
Tem certas falas que ele olha fundo nos olhos de quem está mais à frente da plateia, como se o escritor estivesse falando com a pessoa em tempo real.
A trilha sonora também é digna de nota. Para mim, foi muito bem escolhida.
Gostei do que vi.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ANDANDO DE ÔNIBUS

Para Vera

O dia amanhecera quente. Seis horas da manhã e o calor já era insuportável. Regina abriu a janela do seu quarto para ver se entrava alguma brisa, mas nada. O ar condicionado estava no mínimo possível, mas não conseguia refrescar o ambiente. Era melhor ficar debaixo do chuveiro. Naquele horário, ainda era possível tomar um banho frio, pois no meio da manhã a água já sairia quente de tanto o sol bater no reservatório do hotel. Abriu a água em jato bem forte e se deixou mergulhar, mesmo sendo o box diminuto. Ao desligar a torneira, o bafo quente que entrava pela janela aberta lhe desanimou. Nem precisou enxugar muito, pois rapidinho a água evaporava do corpo.
Era hora de descer para encontrar os demais amigos que viajavam com ela. Todos a postos no restaurante do hotel para um vigoroso café da manhã. Estavam em Pequim. O roteiro previa uma visita ao longínquo Parque Olímpico, sede das Olimpíadas de 2008. Assim que terminaram a primeira refeição da manhã, pediram para a recepcionista do hotel anotar em um cartão o endereço para onde iam. Tinha de ser em mandarim, pois tinham lido que a maioria dos taxistas chineses não entendia outra língua. A garota foi muito simpática, anotando em quatro cartões, um para cada um dos amigos. Em seguida, pediram para ela chamar um táxi. Imediatamente o seu semblante se fechou. Apontou para a porta, dizendo que eles poderiam pegar o táxi lá na rua. Regina saiu irritada, sendo seguida pelos demais.
Na rua, nenhum táxi parado. Nenhum ponto. Depois de fazer sinal para mais de uma dezena de táxis, sem sucesso, um parou. Um senhor aparentando 65 anos era o motorista. Regina entregou o cartão, o motorista olhou, virou de um lado, virou de outro, colocou o cartão de cabeça para baixo. Entregou o cartão de volta e balançou a cabeça negativamente, arrancando o carro. Isto fez os quatro ficaram atônitos. Licurgo voltou para a recepção do hotel, retornando com o número do ônibus que parava na rua transversal, tendo seu ponto final justamente no Parque Olímpico. Cenira e Dinorá apoiaram a ideia de pegar um ônibus. Regina, contrariada, seguiu os três, sempre repetindo:
- Se tem uma coisa que odeio é andar de ônibus!
Esperaram pouco. Logo o número 46 apareceu. Não havia lugar para sentar, mas o ônibus não estava cheio. Acharam estranho ter dois tipos de preços. Um para os chineses e outro para os turistas. Claro que para os últimos era mais caro. O ônibus não tinha avançado nem trezentos metros quando Licurgo teve um estalo e foi mostrar o cartão com o endereço para o motorista. Ele sorriu, apontando para o outro lado da rua. Tinham pegado o ônibus na direção errada. Desceram rindo muito, atravessaram a rua e pararam no ponto, mas não conseguiam parar de rir. Uma senhora os abordou em um parco inglês perguntando se queriam ajuda. Um anjo caído do céu, pois ela tomaria o mesmo ônibus e desceria um ponto antes do ponto final. Tínhamos garantia de ajuda em todo o percurso.
O ônibus chegou. Totalmente lotado. Regina fez cara de poucos amigos, mas a senhora colocou as mulheres para dentro, não se sabe como. As portas se fecharam. Licurgo ficou do lado de fora. As amigas gritavam, em português, para o motorista abrir a porta, enquanto a senhora idosa se dirigia ao motorista para que ele deixasse Licurgo entrar. O homem levantou de sua cadeira, pegou um microfone e começou a gritar. A senhora esperou a porta se abrir e puxou Licurgo pelo braço, explicando-lhe que o motorista pedia para as pessoas andarem um pouco para trás do ônibus. Os quatro novamente juntos. Regina apenas com o dedo indicador encostado na barra de ferro tentava se equilibrar, pois não queria pegar naquelas barras onde todo mundo passava a mão que não se sabe onde foram colocadas antes. Licurgo ria muito da situação. O calor apertava, ficava abafado, pois as janelas estavam fechadas. Ninguém parecia se incomodar com a temperatura interna do ônibus. Parecia um inferno. Mais um ponto. Mais gente entrando. Era uma lata de sardinhas. O trânsito foi ficando lento. O tempo passava. O ônibus não andava. Regina foi transpirando. Seu suor pingava do rosto. Um chinês resolveu dar uma cusparada. Regina e Cenira tamparam os ouvidos. As pessoas que estavam perto gargalharam. Foi o sinal para uma sinfonia de puxadas de garganta, de fungadas de nariz e de cuspes no chão acontecerem de uma só vez. A cara que Regina fazia era digna de uma postagem no Instagram.
Enfim, o ônibus deixou a rua de trânsito parado e acelerou. Uma freada brusca mais à frente, quando teve que parar para subir mais gente, fez Regina se desequilibrar, caindo sobre dois chineses que dividiam uma cadeira onde normalmente somente uma pessoa se sentaria. Licurgo riu muito, sendo seguido pelos chineses. Regina ameaçou descer no próximo ponto, mas ao ser lembrada da dificuldade de tomar um táxi, desistiu, repetindo seu mantra:
- Se tem uma coisa que odeio é andar de ônibus!
Quatro horas depois, a senhora que os ajudara a entrar naquele ônibus disse que estava chegando o destino deles. Mas ainda demoraria mais meia hora, quando, enfim, avistaram o Ninho de Pássaros, nome dado ao Estádio Olímpico. O ônibus parou. Em um verdadeiro empurra-empurra, todos foram descendo. Licurgo se apressou para também descer, mas a senhora disse que o ponto final não era ali. Era o próximo. Quando viram, somente os quatro ficaram no ônibus, que seguiu seu destino. Chegaram ao ponto final. Desceram, começando a tirar fotos do local. A fome bateu forte. Decidiram procurar um local para comer dentro do próprio Parque Olímpico. Nada acharam de interessante. Para refrescar, decidiram comprar picolés. Apenas um sabor estava sendo vendido. Era o mais popular na cidade. Sabor ervilha. Regina experimentou e fez cara feia.
Foram caminhando para o portão do Estádio Nacional. Nenhum movimento de pessoas nos arredores do estádio, o que era muito estranho por se tratar de Pequim. Assim que chegaram, deram com os portões fechados. Era domingo. O estádio não abriria para visitação naquele dia.
Regina bufou. Andara de ônibus em vão. Não voltaria na mesma condução. Procuraram um táxi. Avistaram dois carros parados perto de onde estavam. Correram para lá. Entregaram o cartão para o primeiro motorista, que estava de pé encostado na porta de seu táxi. Ele pegou o cartão, entrou no carro, e deu a partida sem ninguém, deixando o cartão cair no chão. Regina ficou furiosa, pegou o cartão e o mostrou para o outro motorista. Ele fez cara de paisagem e apontou para o ônibus 46 que estava parado no ponto. Em seguida, repetiu o que o colega fez, saindo com seu táxi dali.
Os quatro foram para o ponto. Regina repetiu:
- Se tem uma coisa que odeio é andar de ônibus!
 Voltaram de ônibus.


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O ETERNO RETORNO DE ANTONIS PARASKEVAS

Em 03 de setembro de 2014, fui mais uma vez ao Cine Brasília para ver mais um filme da Mostra Competitiva do III Festival Internacional de Cinema de Brasília (III BIFF). Sessão das 20:30 horas da produção grega de 2013 chamada O Eterno Retorno de Antonis Paraskevas (I Aionia Epistrofi tou Antoni Paraskeva), dirigida por Elina Psykou.
Antonis Paraskevas, um famoso apresentador de programa televiso da Grécia, resolve desaparecer, se isolando em um hotel abandonado no interior do país. A ideia do apresentador era causar uma comoção nacional com seu desaparecimento, retornando à cena em momento oportuno, o que lhe garantiria uma maior projeção do que já tinha enquanto pessoa pública. No entanto, este momento oportuno nunca chega, provocando uma deterioração psicológica em Paraskevas, levando-o a cometer atos impensáveis para uma pessoa civilizada. A crítica ao culto às celebridades é latente na película, assim como até onde vai o ser humano para se tornar querido pela sociedade em que vive. O apresentador acaba se perdendo no meio de tanta gana pelo reconhecimento, ficando sozinho e sem rumo. Talvez uma leitura maior possa ser feita, não sendo apenas o apresentador que está sem perspectivas, mas também o próprio país de origem do filme, pois a Grécia vem vivenciando uma crise econômica há muitos anos.
Descrito assim, o filme pode despertar interesse, mas é muito chato. Embora tenha menos de 90 minutos de duração, o roteiro é arrastado, cansativo, repetitivo, sem muitos diálogos e com uma personagem nada carismática.
Muito ruim.

O MERCADO DE NOTÍCIAS

Cheguei ao Cine Brasília no início da noite de quarta-feira, dia 03 de setembro, pouco depois das 18 horas. Tinha me programado para ver o filme da Mostra Competitiva do III BIFF (III Festival Internacional de Cinema de Brasília) das 20:30 horas. Como era muito cedo, fui conferir o que estava marcado para antes. Era o documentário brasileiro sobre o jornalismo dirigido por Jorge Furtado, produção que estreou nos cinemas em agosto de 2014, depois de ganhar os prêmios de melhor documentário e do júri popular no Cine PE Festival do Audiovisual 2014. O primeiro filme que vi de Furtado foi o curta metragem Ilha das Flores, também um documentário, em 1989, quando militava no sindicato dos servidores públicos. O curta me conquistou logo de cara, tanto pela linguagem moderna, quanto pelo roteiro. Depois de vinte e cinco anos, voltei a ver um documentário de Furtado e novamente linguagem e roteiro me conquistaram.
Entremeando cenas de uma peça encenada por atores gaúchos com entrevistas e fatos recentes da cobertura da grande mídia brasileira, ele nos mostra, sem maquiagem, o que é o jornalismo praticado hoje no Brasil. A peça é O Mercado de Notícias (The Staple of News), uma montagem de texto escrito em 1625 pelo inglês Ben Jonson, dramaturgo contemporâneo de Shakespeare. O contraponto da peça é a série de entrevistas que aparece durante a projeção. Todos os entrevistados são profissionais respeitados e com carreira consolidada no jornalismo brasileiro. Aparecem no documentário, entrevistas com Cristiana Lobo, Jânio de Freitas, Bob Fernandes, Fernando Rodrigues, Raimundo Pereira, Luís Nassif, Renata Lo Prete, Mino Carta, Leandro Fortes, Geneton Moraes Neto, José Roberto de Toledo, Paulo Moreira Leite e Maurício Dias. Os depoimentos giram em torno do jornalismo brasileiro, do fim da imprensa escrita, do que é jornalismo, de como contar uma boa notícia, entre outros temas. Alguns são contados de forma bem humorada, enquanto outros são mais sisudos ou bem formais.
As análises dos casos jornalísticos são sensacionais (José Serra em campanha nas eleições de 2010, quando leva uma bolinha de papel na cabeça; e um "Picasso" decorando uma sala do INSS em Brasília são dois destes casos), desnudando a cobertura parcial, tendenciosa ou sem uma busca profunda da verdade dos fatos narrados. Show de bola.
O filme é tão bom que dá vontade de ver de novo.