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domingo, 5 de julho de 2020

ANGÚSTIA

Hoje, 05 de julho de 2020, completam 110 dias que a pandemia causada pelo coronavírus me deixou de quarentena. Trabalho remotamente de casa, plugado no computador o tempo inteiro, com lives, reuniões virtuais utilizando diversas plataformas, como Zoom, Skype, Webex ou Teams. A sensação é que estou trabalhando mais agora do que antes disto tudo começar. Sem falar nos famigerados grupos de WhatsApp, dos quais não sou nenhum pouco adepto, mas acabei por aceitar ficar neste período.
Ao endereço do trabalho, onde costumava ir todos os dias da semana (para quem não sabe, meu trabalho não exige esta ida diária ao endereço físico, pois o grosso de minhas atividades é na rua), fui apenas duas vezes nestes mais de cem dias.
Nos primeiros 60 dias, não saía para nada. Com receio de ficar louco, confinado, comecei a dar umas voltas de carro, ir ao supermercado de dez em dez dias, escolhendo horários de menor movimento, e sendo direto nas compras, chegando já sabendo o que iria comprar. Em casa, higienização de solado de sapato, higienização um a um de todos os produtos comprados, além das sacolas retornáveis que usei para acondicioná-los. Em seguida, um bom banho.
Nos 90 dias iniciais, dispensei a diarista, pagando como se ela estivesse trabalhando, assumindo, junto com meu marido, a limpeza da casa. Acabei por comprar alguns acessórios para ajudar nesta limpeza, como um robô aspirador de pó, por exemplo. A diarista voltou por conta própria, pois disse que não aguentava mais ficar dentro de casa.
E nos últimos 30 dias, meu pai começou a fazer hemodiálise em uma clínica próxima de onde moro. Como o acompanhante não pode ficar na clinica, por medida de prevenção à propagação do coronavírus, agreguei mais uma atividade de saída de casa, desta vez, 3 vezes na semana. Minha mãe leva meu pai à clínica e me liga, por volta de meio dia, para eu ir buscá-la. Vou e a trago para minha casa, onde ela faz uma operação de higienização, com álcool 70%, no solado do sapato e mãos, toma banho, troca de roupa. Enquanto ela assiste alguma série na TV, eu volto ao trabalho. Aguardamos até a clínica ligar para buscar meu pai, o que ocorre por volta de 16 horas. Vamos até à clínica, onde minha mãe desce para buscar meu pai. Eles entram no carro e os levo para a casa deles, onde também não desço. Chego em minha casa de volta lá pelas 18 horas, retornando ao computador e ao trabalho.
Confesso que cheguei no limite do esgotamento mental. Irritadiço demais, o que acaba afetando o casamento. A sorte é que meu marido tem um negócio, um restaurante que não parou de funcionar durante este período, mas teve que se adaptar de acordo com as regras, acertadas, diga-se de passagem, baixadas pela Prefeitura de Belo Horizonte. Assim, ele não fica o tempo todo em casa. Creio que se ficasse, haveria vários estranhamentos.
Neste último final de semana, meu marido teve uma conversa comigo bem séria. Sinto uma angústia, uma dor no peito, uma vontade de chorar enorme. Olhos marejados enquanto escrevo aqui. Ele falou coisas que o incomodam em mim, coisas que vem falando há tempos e que não vê em mim esforços de mudanças. Falou em eventual separação. Fazem pouco mais de 5 anos que nos conhecemos e moramos juntos há quase 4 anos. Em março de 2020, completamos dois anos de casados. A diferença de idade é grande. Dezoito anos nos separam de vivências. Eu, 56, ele 38. Mas isso não foi empecilho para grandes momentos, viagens interessantes, compartilhamento de mesmos gostos, como a gastronomia, por exemplo. Mas, logicamente, há diferenças. E isso é salutar, no meu pensamento.
Reconheço seu esforço, mas sobretudo, sua atitude de largar tudo, família, amigos, trabalho, país, para se mudar para o Brasil e viver esta história ao meu lado.
Como escrevi acima, a angústia é grande. Fiquei sem chão, sem ar, sem horizonte depois desta conversa. Dói pensar nesta separação, dói ter essa possibilidade como algo real. Dói, dói muito.
Durante toda a minha vida, por ser muito mais racional do que emocional, tive dificuldades em lidar com este tipo de situação. A válvula de escape sempre foi a escrita. Gosto de escrever e a angústia me dá uma espécie de energia cerebral, que me conduzia à caneta e ao papel, e hoje, ao teclado do computador.
Antes, ainda criança, escrevia bobagens como "Que linda é a primavera!", um texto que acabou indo parar no livro, bem rudimentar, que o grupo escolar, escola pública, onde eu estudava, publicou. Depois, já na adolescência, influenciado pelos muitos livros que lia, algo que assimilei de meu padrinho, escrevia crônicas, revelando para o papel meu dia a dia, meus pensamentos, minha vida. Também havia os contos, muitos deles ficções a partir de vivências. A maioria deles era triste, mas com muita energia, com muita superação. Força para seguir adiante.
Estes textos não os tenho mais, se perderam no tempo, provavelmente foram para o lixo, pois escrevia em agendas, em blocos de notas, em cadernos.
Quando vieram os computadores, os textos foram escritos diretamente na tela, sem imprimí-los. Salvava cada texto em disquetes e, obviamente, não os tenho mais. Chegaram os blogs, e foi neles que extravasava frustrações, tristezas, revoltas, e ensaiava conversas que nunca tive.
Neste blog, escrevi de tudo. Meu dia a dia, minhas viagens, meus gostos, meu apreço pela arte e pela gastronomia. Aqui estão todos os textos, únicos que estão, por enquanto, salvos de se perderem no esquecimento. Aqui, estão sempre disponíveis. Textos que diferentes dos escritos em papel ou salvo em disquetes, foram lidos e até mesmo compartilhados por centenas de pessoas. Antes escrevia para mim, sem mostrar nada para ninguém. Hoje, sigo escrevendo para mim, mas compartilho com o mundo da internet.
A vista cansada, a necessidade de usar óculos, a cobrança que sempre me fiz para escrever diariamente, suplantaram a vontade de escrever. Vontade esta que sempre esteve latente. Ensaiei a volta várias vezes, mas a inspiração não vinha.
Hoje, a vontade de escrever veio já no final do dia, depois de horas olhando para o nada, após nova conversa com meu marido. Veio como um choro, uma explosão de lágrimas que insistem em molhar meus olhos, mas não escorrem pelo rosto. Uma dor no peito, um sufoco, uma falta de ar.
Uma vontade enorme de gritar para o mundo: Gastón, eu nunca amei alguém como te amo. Você continua sendo meu número!
Enfim, a lágrima corre pelo lado esquerdo de meu rosto.


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