Para Gastón
Domingo,
26 de abril de 2015. Assim que ele chegou ao seu quarto do Hotel Pestana, em
Buenos Aires, pegou seu celular para se conectar à rede sem fios do local e
acessar seus aplicativos. Havia 119 mensagens no whatsapp, a maioria delas de
três grupos que participava. Ignorou-as e abriu o aplicativo de encontros para
ursos, como são chamados os gays corpulentos e peludos em uma definição bem
rasteira. Sua ideia era que o aplicativo o localizasse na capital argentina, deixando
seu perfil à mostra para os portenhos. Saiu em seguida para jantar com Beto,
seu colega de trabalho, que viajava com ele para participar de um evento do
Mercosul contra o trabalho infantil.
Ao
voltar para o hotel, já no início da madrugada, acessou novamente o aplicativo
para checar se recebera mensagens. Havia pelo menos uma dúzia. Viu uma por uma
e ninguém lhe interessou. Deitou e logo adormeceu.
Segunda-feira,
27 de abril de 2015. O evento acontecia no próprio hotel onde ele estava
hospedado. Tomou café da manhã, se encontrou com os demais colegas de trabalho,
cumprimentou os conhecidos de Argentina, Paraguai e Uruguai, colocou um paletó,
seguindo para o centro de eventos do local. Aproveitou o atraso no início das
atividades para checar novamente o aplicativo. Novas mensagens. Um perfil lhe
interessou. Era Oscar. Respondeu e logo trocaram whatsapp. Combinaram de se
encontrar às 19 horas do dia seguinte, terça-feira, dia 28 de abril. O local
escolhido foi um café perto do hotel. Ele seguia os conselhos de uma amiga. O
primeiro encontro em tempos de redes sociais e conhecimentos virtuais sempre
deve ser em um café. Isto porque um café pode ser curto ou longo, dependendo da
química que rola entre as duas pessoas. Em um restaurante, se não rolar química,
a saia justa é maior, pois um almoço ou um jantar demoram mais do que um café.
O restante do dia foi dedicado ao evento e a noite foi a um jantar oficial.
Terça-feira,
28 de abril de 2015. Após tomar o café da manhã com os colegas de trabalho, verificou
suas mensagens no whatsapp. Não havia nenhuma de Oscar. Enviou um “olá”, mas
não teve resposta. Acessou o aplicativo para ver se Oscar estava on line. Não
estava, mas uma mensagem lhe chamou a atenção. Era um simples “hola!”, mas as
fotos do perfil disseram-lhe algo mais. Respondeu com outro “hola!”. Para sua
surpresa, foi respondido imediatamente. Sua vontade de conhecer aquele
argentino era tão grande que nem pensou duas vezes em lhe fornecer seu
whatsapp. Trocaram várias mensagens ao longo da manhã. Combinaram de se
encontrar no início da noite. Havia Oscar! Resolveu enviar uma mensagem,
cancelando o encontro, dando uma desculpa qualquer ligada ao evento, que, de
todo, não era mentira, pois as coisas não caminhavam muito bem naquele dia, com
atrasos na programação.
Ainda
por mensagem, o argentino lhe perguntou onde queria ir. Usou a estratégia de
devolver a pergunta sem responder. O argentino sugeriu um café. Conexão total.
Proposta aceita. Endereço fornecido e horário marcado: 20 horas. A tarde passou
lenta. A sensação era que o atraso na programação se perpetuaria para sempre. A
ansiedade era grande. Ele não tinha tal sensação há muito. Estava separado há
quase dois anos, após uma relação de mais de quinze anos. Neste tempo pós-separação,
estava solto na pista, aproveitando a vida. E este encontro fazia parte desta
etapa de vida, mas algo lhe dizia que seria diferente. Pensava em sexo.
O
evento, programado para terminar às 17 horas, se prolongou até 19:10 horas.
Assim que terminou, subiu feito um raio para seu quarto, tomou um banho, vestiu
a roupa que estava mais à mão e seguiu para o encontro. O argentino tinha lhe
ensinado como chegar ao local de táxi. Eram aproximadamente 1,5 quilômetros
desde o hotel. Não tinha trocado dinheiro. Estava sem pesos para pagar o táxi
ou mesmo ir de ônibus. Resolveu ir a pé, apesar de suas fortes dores na região
lombar da coluna. Viu o mapa no seu celular, consultando o melhor caminho. Saiu
do hotel às 19:35 horas.
No
trajeto, sua ansiedade crescia, assim como suas dores. Diminuiu o ritmo para suportá-las.
Na pressa de sair, esquecera de tomar um analgésico. Seguia pela Calle Paraguay
em direção ao bairro Recoleta. Nem prestava atenção nos arredores, nas pessoas,
nos prédios, coisa que sempre faz quando está caminhando, mesmo em ritmo
acelerado. Seu coração bombeava mais forte na medida em que se aproximava da
rua na qual teria que virar à direita. Checava os nomes das ruas no mapa de seu
celular, pois algumas delas não tinham placas indicativas. Quando chegou a hora
de virar à direita, um frio percorreu sua espinha. Caminhou um quarteirão,
atravessou uma rua. O local marcado era na próxima esquina. Viu uma lanchonete,
mas não viu ninguém. Consultou o endereço de novo. Era um pouco mais à frente.
Não era um café, mas sim a entrada de um edifício residencial. Um gigante
estava na porta, consultando o celular. Era o argentino. Ficou paralisado.
Muito mais interessante do que nas fotos. Outro calafrio lhe percorreu o corpo.
Aproximou-se e se apresentou. Como todos os argentinos, o gigante se abaixou
como se fosse lhe dar um beijo no rosto. Ele, como todos os brasileiros, logo
lhe estendeu a mão. Um gesto que poderia se analisado como frio e distante. Mas
para ele não o era. Era apenas uma formalidade entre duas pessoas que estavam acabando
de se conhecer.
O
argentino lhe apertou a mão. Seus olhos se cruzaram. Olhares fixos, olhares
profundos. O brasileiro viu além dos olhos. Achou que viu a alma do argentino.
Foram segundos, mas pareceu-lhes uma eternidade. O silêncio foi quebrado com um
convite para subir. O café seria no apartamento do argentino. Ele aceitou sem
pensar. O toque de pele e o olhar do argentino lhe abateram ali, no porta do
prédio. O apartamento ficava no segundo piso. Subiram de elevador. Ficaram
frente a frente, conversando sobre trivialidades. Ele tinha o pensamento longe.
Por um momento o filme de seus 51 anos de vida passou como um trem bala em sua
cabeça. O elevador deu um solavanco quando parou no segundo andar. Ele voltou à
realidade. Um pequeno corredor separava o elevador da entrada do apartamento. O
argentino abriu a porta e lhe convidou para entrar. O brasileiro misturava
ansiedade e nervosismo. Pediu um copo de água. Bebeu dois goles e começou a
falar. Falava pelos cotovelos. O argentino estava sentado à sua frente. Ouvia
tudo com muita atenção e aproveitava as pausas de respiração do brasileiro para
também falar. Falaram de tudo um pouco. Da separação que ambos vivenciaram, do
trabalho, da vida que levavam, de cachorros, de suas atividades de trabalho. A
voz grave falando espanhol fascinou o brasileiro, que fixava seu olhar nas mãos
do argentino. Queria segurar aquelas mãos e nunca mais largar. Seus corpos se
aproximavam cada vez mais, mas não se tocavam. Até que uma mão segurou a outra.
Um calor invadiu o espaço. Um cheiro bom vinha do argentino. O brasileiro
estava dominado em quase todos os cinco sentidos: olfato, audição, toque,
visão. Faltava o paladar. Queria beijar aquela boca que estava a poucos
centímetros da sua. Segurou firme nas mãos portenhas, se aproximou e tascou um
beijo. Era o que faltava para lhe conquistar de vez. Levantaram-se e se
beijaram longamente. Um beijo efusivo, mágico. Olharam-se, um sorriso tomou
ambos os lábios. Seguiu-se um forte e aconchegante abraço. O brasileiro quis
morar naquele abraço argentino. Naquele momento, percebeu que uma magia
acontecia ali. Algo que há muito não vivenciava. Olhou o relógio. Era hora de
ir embora. Os dois tinham compromissos. Agendaram para se ver no dia seguinte.
Um jantar a ser preparado pelo argentino. O que o brasileiro buscava no início
de tudo não se consumou. Não houve sexo naquela noite. Ao despedir-se do
argentino, já na rua, teve uma certeza. Queria aquele homem em sua vida. Tinha
esquecido das dores nas costas. E, ainda sem dinheiro, voltou, leve e
sorridente, para o hotel. Quando lá chegou, um aviso sonoro no celular indicava
o recebimento de uma mensagem. Era o argentino lhe convidando para jantar.
Compromisso cancelado. Em vinte minutos estavam juntos novamente, conversando
em uma pizzaria. Já no início da madrugada, o argentino pagou a conta, pois o
brasileiro continuava sem dinheiro, e caminharam juntos até o Hotel Pestana.
Despediram-se com um forte abraço.
O
brasileiro pegou seu celular e enviou uma mensagem para o argentino: ERES MI NÚMERO!
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