Quando estive em Buenos Aires em fins de maio, Gastón me convidou para ver uma peça de teatro com um grupo chamado Los Bla Bla. A princípio, fiquei com receio de não compreender muita coisa, pois se tratava de uma comédia, poderiam falar muitas gírias e fazerem piadas com questões locais. Gastón me tranquilizou dizendo que o grupo era bem dinâmico e que exploravam bastante o teatro físico. Topei ir. Fomos em uma sessão na noite de domingo, 31 de maio, no Xirgu Espacio Untref (Chachabuco, 875). O teatro é antigo, pequeno e tem formato de ferradura. Estava lotado. A peça chama-se Puro Bla Bla!
Antes de começar, houve uma performance de um músico do qual não me recordo o nome, ainda com as cortinas fechadas, que se apresentou tocando teclados do lado direito do palco. Cantou cinco ou seis músicas, todas com uma levada de comédia. Uma delas foi cantada em português, imitando os cantores pianistas da fase áurea da Bossa Nova brasileira. Havia uma clara referência ao modo de cantar de Tom Jobim. Eu ri muito e Gastón não entendia o motivo. Após esta curta apresentação, a peça teve início com cinco atores do grupo espalhados pela plateia, um deles em um dos camarotes. As cenas que se sucederam foram hilárias. São esquetes curtas, mas que tem uma ligação entre elas, nas quais os atores desempenham diversos papéis, usando e abusando de versatilidade, do teatro físico e do humor escrachado, algumas vezes muito próximo de uma comédia estilo pastelão. No entanto, eles trabalham muito bem o humor, deixando claro nos textos curtos e diretos uma conotação bem social. Um humor que leva à reflexão, fato ausente em uma comédia no estilo pastelão. E os cinco integrantes do grupo, Manuel Fanego, Pablo Fusco, Sebastian Godoy, Julián Lucero e Tincho Lups são muito eficientes no que fazem. Completava o grupo o pianista Sebastián Furman, que tocava ao vivo.
Uma marca forte na apresentação de todo o grupo é o teatro físico, no qual misturam técnicas circenses, de mímica, de ginástica e de dança, dando uma conotação leve e bem humorada para as esquetes, embora todas elas tenham uma forte conotação de crítica social. Assim, não pouparam a religião, principalmente quando temos hoje um Papa argentino; a paixão dos hermanos pelo futebol; questões de preconceito contra as mulheres (haveria uma passeata na semana seguinte que tinha relação com questões de gênero e preconceito, fato inclusive lembrado durante a peça); uma visão do modo de vida das pessoas idosas; crise econômica; desemprego, entre outros. Temas como igualdade social, identidade nacional e cultural permeiam todas as esquetes. A plateia ri muito durante os cerca de 100 minutos de espetáculo, com entusiasmados aplausos ao final.
Duas cenas me chamaram a atenção, a saber: a que um dos atores se traveste de uma cantora que interpreta músicas regionais, não só pela performance em si, mas também por chamar para uma reflexão sobre a necessidade de se manter uma identidade cultural argentina, além de convocar a plateia para a tal passeata que mencionei acima. A outra esquete que destaco é a que se passa em uma missa católica que se transforma em um espetáculo de hip hop.
Ao final, entendi praticamente 90% dos diálogos. Quando a piada era muito interna ou usavam expressões locais, Gastón me explicava baixinho.
Gostei do que vi.
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