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sábado, 23 de agosto de 2014

PERDOA-ME POR ME TRAÍRES - CENA CONTEMPORÂNEA 2014

Fabíola quis ir comigo ao teatro para ver Perdoa-me Por Me Traíres, terceira montagem do grupo brasiliense Novos Candangos, em cartaz no Teatro Goldoni e integrante da programação do Cena Contemporânea 2014. Ela não tinha ingresso. Chegamos uma hora antes do horário previsto para ter início a peça. Fabíola pegou a décima senha para a fila de espera. Às 19 horas, tocaram o tradicional sino do teatro, sinal de que a entrada estava liberada. Todos que tinham bilhete entraram e se acomodaram. Os nove atores já estavam em cena, fazendo uma performance com passos lentos, apenas com roupas íntimas, distribuindo olhares expressivos entre eles. Com todos assentados, a produção contou os lugares vagos, liberando a venda de ingressos para quem estava na fila de espera. Fabíola conseguiu entrar, sentando ao meu lado.
Perdoa-me por Me Traíres tem texto original de Nelson Rodrigues. O grupo adaptou a história de Glorinha, criada pelo seu tio Raul após a morte de sua mãe. Seu tio é apaixonado pela sobrinha e a cria sob rédea curta. Glorinha é levada a um prostíbulo por uma amiga de colégio e se encanta pelo que vê. Para se libertar do tio, Glorinha planeja uma forma de se livrar dele. Lendo o que escrevo, quem conhece Nelson Rodrigues pensa logo em um dramalhão clássico. No entanto, a trupe candanga levou este universo rodrigueano para o universo dos filmes, com elementos de Rocky Horror Picture Show, icônico filme lançado em 1975, dirigido por Jim Sharman. Assim, o drama teve pitadas de comédia e de terror, além de musical, pois o grupo tem a característica de inserir números musicais em suas montagens. O resultado foi inusitado. Teve alguns poucos que abandonaram o teatro antes de terminar a encenação, enquanto outros aplaudiram entusiasticamente ao final, com gritos de satisfação. Uma mulher desceu as escadas do Goldoni repetindo a frase "orgulho de ser brasiliense".
Os seguidores puristas de Nelson Rodrigues não gostariam desta adaptação, cheia de gritos, músicas, elementos alusivos a desenho animado, caras e bocas nas interpretações das personagens. Os que curtem uma ousadia nos palcos, adorariam.
Quanto a mim, digo que gostei, embora alguns pontos não me agradaram. Um deles foi a inserção das músicas. Enquanto na montagem anterior do grupo, Os Beatniks em A Gaivota, o elemento musical tenha funcionado tão bem, desta vez achei desnecessário, não agregando muito ao contexto. Também não gostei do tom dado às interpretações musicais. Outro ponto que achei desnecessário foi colocar a ótima atriz Tati Ramos como um cachorro na primeira parte da trama.
Por falar em partes, é visível a divisão da encenação em duas delas. A primeira, que se passa no prostíbulo, é muito focada na estética do cinema, enquanto na segunda parte, o drama teatral toma conta e tem performances ótimas de Xiquito Maciel e Tati Ramos.
Embora o público soltasse risadas após cada vez que a personagem vivida por Diego de Leon dizia a frase "tá na hora da homeopatia", na segunda parte da história, achei que isto quebrava o clima de drama que rolava no centro do palco. Esta performance me fez lembrar personagens de frase únicas de desenhos animados. Talvez isto seja proposital, quem sabe?
Mas os pontos de destaque positivo suplantam aqueles que dos quais não gostei. Começo por cenário e figurino, ambos concebidos por Cyntia Carla. Ela usou como inspiração tanto o filme Rock Horror Picture Show, quanto o que se usava na década de 1950, época em que foi escrito o texto original da peça. Também achei ótima a interpretação de Xiquito Maciel como o tio Raul. Mas o que mais me chamou a atenção foi a cena do aborto. Justamente a cena que divide a trama em duas partes. Várias referências são fundidas em uma cena original: O Massacre da Serra Elétrica, Rock Horror Picture Show, videoclipes, Irmãos Guimarães, Nelson Rodrigues, desenho animado, enfim, uma miscelânea da cultura pop. O único senão para esta cena fica por conta do cheiro de ketchup que toma conta do ar e fica até o final do espetáculo.
Foi a quarta peça que vi do Cena. Todas até aqui tinham um elemento de ousadia, de quebrar paradigmas. E esta não foi diferente.
O grupo voltará em cartaz no mesmo Teatro Goldoni a partir de 05 de setembro, primeiro final de semana após terminado o festival Cena Contemporânea. Para quem perdeu, nova oportunidade de ver este ousado e inusitado trabalho dos Novos Candangos.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A SERPENTE


"Quartas Dramáticas" é um projeto do Grupo de Estudos em Dramaturgia e Crítica Teatral do Departametno de Letras da Universidade de Brasília (UnB). Como o próprio nome explicita, acontece às quartas-feiras, às 19 horas, no Anfiteatro 9 do ICC (Minhocão - Ala Sul - UnB). Está em sua terceira edição, sempre com entrada gratuita. A programação pode ser conferida no blog do projeto: www.quartasdramaticas.blogspot.com, cujo link se encontra na seção "Diariamente", logo ao lado esquerdo desta página. Nunca tinha ido a nenhuma apresentação, mas paguei esta dívida comparecendo na noite de 21 de setembro ao espetáculo "A Serpente", texto de Nelson Rodrigues. Na montagem, apenas um ator graduado em artes cênicas: Ricardo Gomes (Décio), que encarou a tarefa de dar vida a um personagem do universo rodriguiano como se fosse um trabalho profissional. Os demais participantes da montagem eram alunos do curso de Letras, a saber, João Paulo Farah (Crioula), Jordana Mascarenhas (Guida) e Tamíres Felipi (Lígia), e um aluno do curso de Química, Geovanni Timbó (Paulo). Tratava-se, portanto, de uma montagem universitária, com a direção de André Luís Gomes. Cheguei um pouco antes das 19 horas ao Anfi 9 para prestigiar os meus conhecidos Ricardo Gomes, André Luís e Edgar Brandão (responsável pelos vídeos que são projetados durante a apresentação). Como o ICC é enorme, fiquei perdido no estacionamento, deixando o carro na Ala Norte, enquanto o teatro fica na Ala Sul. Uma boa caminhada me relembrou os tempos de faculdade, com aquela energia estudantil característica dos campus universitários. Um grande número de jovens se aglomerava na porta do teatro para entrar, formando uma parede humana que impediu aos que chegavam de ver as projeções de frases de Nelson Rodrigues que passavam na parede ao lado da porta. Entrei antes de todos, sentando-me na primeira fila, bem centralizado. Tinha a responsabilidade de filmar a peça, usando minha câmara digital portátil. Ou seja, nada profissional. O Anfi 9 tem instalações que precisam urgentemente de uma reforma, mas graças ao desprendimento e empenho dos professores do curso de Letras, o projeto Quartas Dramáticas já é um sucesso na UnB. A prova disto é a quantidade de pessoas interessadas em ver a peça. Houve, inclusive, dois ônibus que levaram estudantes de Sobradinho, todos oriundos do curso de formação de adultos. Com todos os problemas, aliado à inexperiência da maioria dos atores-alunos, gostei do que vi. A montagem mostrou a garra de todos que se envolveram no projeto, dando a oportunidade aos alunos de refletirem de um modo diferente sobre a dramaturgia brasileira (e estrangeira), despertando o interesse para conhecer a obra de importantes escritores brasileiros, como é o caso de Nelson Rodrigues. Tanto cenografia, quanto iluminação, ambos de autoria do diretor André Luís, deram um tom intimista às cenas, potencializando o erotismo presente no texto de A Serpente. Destaco também a projeção dos vídeos em uma sombrinha branca. A sombrinha foi aberta nas cenas de sexo entre os casais Guida-Paulo e Lígia-Paulo. Ao mesmo tempo em que encobria os casais, a sombrinha servia de tela para a projeção do vídeo, onde a figura da "serpente" aparecia, como a grande provocadora, além de cenas dos casais se abraçando e se beijando. O movimento rotatório da sombrinha se acelerava na medida em que o ato sexual chegava ao fim. Sabíamos que o êxtase fora alcançado quando a sombrinha se fechou. Bela imagem metafórica. Na entrada, as mulheres receberam lápis vermelhos com uma frase do escritor carioca, autor do texto da peça, enrolada em um pedaço de papel. Havia uma dúvida dos motivos de se ganhar tal mimo. Tal dúvida foi dissipada durante a encenação, quando Lígia disse que foi deflorada por um lápis. O burburinho na sala foi imediato. As falhas ou restrições da montagem foram, de longe, superadas pela criatividade do diretor e pela garra dos que estavam no palco. E os comentários pós peça foram muito bons, sinal de que a peça mexeu com o público. Parabéns a todos os envolvidos.