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terça-feira, 22 de julho de 2014

DANÇA

Para Girão
- Código localizador e um documento, por favor.
- Aqui está. Não se esqueça de colocar meu número do cartão fidelidade.
- Fique tranquila que não deixarei de inserir seu fidelidade. A senhora não marcou assento. O voo está tranquilo por enquanto.
- Quero qualquer assento no meio.
- No meio? Mas há assentos livres no corredor e na janela.
- No meio, por favor.
- OK, senhora, mas fiquei surpresa, pois nunca vi alguém pedir para se sentar no meio. Pelo contrário, as pessoas sempre reclamam quando só restam poltronas do meio.
- Pois eu adoro o meio. Tenho a chance de sentar entre dois guapos. Quem sabe um deles não se torna meu futuro marido...
Sorrindo, a atendente da TAM devolveu os documentos de Giralda, bem como o seu cartão de embarque, desejando-lhe boa sorte.
O voo estava no horário. Embarque previsto para o portão 25, dali a cinquenta minutos. Com um lenço verde na cabeça, batom vermelho nos lábios, um belo vestido estampado com grafismos lembrando uma tela de Mondrian, Giralda foi esbanjando simpatia pelos corredores do aeroporto.
Na sala de embarque, foi a primeira a se apresentar para embarcar, mas antes se certificou que o voo estava cheio. Estava. Abriu um sorriso enorme. Quem sabe aquele seria o dia de encontrar o homem da sua vida.
Sentou-se na poltrona 14B. As pessoas foram entrando. Giralda ficava a mirar os homens. Alguns eram candidatos em potencial para viverem para sempre ao seu lado, mas eles passavam direto. Nunca viu tanta gente passar para se sentar depois da fileira 14. Na frente, tudo estava ocupado. Após meia hora de embarque, ninguém mais entrou. As poltronas ao seu lado vazias, mas as portas da aeronave não tinham sido fechadas, o que deixava Giralda mais apreensiva. Ela tinha acordado com a certeza de que naquele dia ela conheceria seu futuro marido. A comissária usou o sistema de som para anunciar que estavam esperando mais dois passageiros que vinham de um voo de conexão. Eram os companheiros de fileira de Giralda, com certeza.
Mais cinco minutos e um deles aparece. Parrudo, gorro na cabeça, perto de quarenta anos, barbudo. Giralda gostou do tipo, embora o físico não fosse o que idealizara. O cara pediu licença. Estava na 14A. Giralda se levantou, sorrindo para ele. O parrudo nem notou. Pegou um livro na mochila. Giralda olhou de soslaio para ver o título. O cara parecia ser exotérico, pois lia Eram Os Deuses Astronautas?, de Erich Von Daniken. Ela logo o apelidou mentalmente de astronauta.
Entrou outro homem, um pouco mais velho, cabelos grisalhos, corpo esguio, porte atlético, sorriso permanente no rosto. Cumprimentou Giralda com um balançar de cabeça, retirou um livro da sua pasta e se sentou. Mais um leitor ao seu lado.
As portas do avião se fecharam. Os avisos foram dados. A aeronave partiu na hora. Assim que as luzes se apagaram, com o sinal identificando que os passageiros poderiam usar seus aparelhos eletrônicos, Giralda se acomodou na poltrona, puxando papo com o grisalho do seu lado direito, já que o astronauta tinha o olhar fixo para as páginas de seu livro esotérico. Ela queria saber o que ele estava lendo.
Ele fechou o livro, lhe mostrando a capa. Era a biografia de Isadora Duncan. Disse que gostava de dança e que estava indo para Fortaleza para participar de um festival internacional de dança de salão. Giralda se interessou imediatamente, perguntando o nome dele e querendo saber quem era a parceira dele na competição. João Marcos era seu nome. Quanto à parceira, ele ainda não a conhecera, pois o diferencial daquele festival era eles formarem os pares minutos antes das provas. Giralda gostava de dançar e tinha tido aulas durante anos. Atualmente frequentava aulas de dança egípcia.
- Você também se inscreveu para o festival?, perguntou João.
- Não, nem sabia.
- Ainda dá tempo. Porque não se inscreve assim que chegar. Li que terá um balcão do festival no aeroporto. Quem sabe você não dança comigo!
- E você dança bem?
Ele ruborizou. A pergunta foi direta. Ele não queria responder. Devolveu a pergunta.
- E você, já participou de alguma competição de dança?
- Nunca. Apenas apresentações para amigos.
Giralda esforçava-se para ver se João tinha aliança. Quando conseguiu ver as duas mãos, ficou feliz, pois aparentemente ele não tinha nenhum adorno nos dedos.
João insistiu para que ela se inscrevesse. E elogiou o vestido dela. Giralda ficou radiante. Ele quis saber seu nome.
- Giralda. É Geralda, mas com o “i” no lugar do “e”. E antes que você ria, saiba que adoro meu nome.
João riu e Giralda riu junto. Um braço encostou no outro. Giralda viu os pelos do braço dele se eriçarem. Ela viu que ali tinha futuro. E o papo continuou firme até chegarem ao saguão do aeroporto, onde João procurou o balcão do festival para ela se inscrever. Quando ele chegou perto, uma multidão de fotógrafos disparou cliques e flashes. Giralda nada entendia. João pedia apenas que ela se inscrevesse, ao mesmo tempo em que ia sendo levado por uma mulher esguia. Giralda ficou perplexa. Pediu uma ficha, preencheu. Recebeu seu número e as regras da competição. Não viu mais João. Leu o livreto. A competição seria na noite daquele dia. Tinha apenas cinco horas. Pegou um táxi, deixou as malas na casa de seus pais, e foi arrumar o cabelo, pois esta era uma exigência do festival. Aproveitou para renovar a maquiagem. Precisava de um vestido esvoaçante. Lembrou que tinha feito uma compra em um site chinês de um vestido que usaria em um casamento como dama de honra, mas não tinha gostado quando ele chegou. Achou com cara de princesa Disney. Aquele era o momento de usá-lo.
Na hora indicada, estava no centro de convenções da cidade. Nem sinal de João. Seu coração batia forte. Todas as mulheres estavam em uma sala e os homens em outra. Chegou uma notícia ruim. Eram 17 mulheres e 16 homens. Iriam cortam a última inscrita. Giralda ficou apreensiva. Na certa, ela tinha sido a última. Anunciaram que Carol estava cortada, pois aniversariantes não poderiam participar. Sua alegria voltou. A primeira dupla foi chamada. Veio a segunda, a terceira, a quarta, a quinta. Giralda estava inquieta, pois não sabia quem eram os homens que já tinham sido chamados. As duplas se apresentavam e ninguém podia voltar para a sala onde esperavam para ser anunciados.

Giralda foi a última a ser chamada. Suas mãos estavam molhadas. A ansiedade era grande. Entrou no túnel que conduzia ao salão. As luzes eram fortes, ofuscaram seus olhos. Nada enxergava. Uma mão forte pegou em sua mão. Ela olhou de lado, mas estava cega de tanta luz. Entrou confiante. Os gritos da galera a deixaram mais eufórica. Sortearam o ritmo. Dançaria um tango. A música começou e aquela mão forte a conduziu. Dança marcada, sem erros, aplausos sem fim. A música terminou. Apupos de já ganhou, já ganhou ecoaram no salão. Giralda só via luzes e mais luzes. O resultado saiu. Realmente Giralda tinha ganhado a competição. Quando olhou para o segundo lugar viu João Marcos arrasado. Ela não tinha dançado com ele. Quem era seu par? Estava tão cega que sempre achou que João era seu parceiro o tempo inteiro. Esfregou os olhos. Seu companheiro de dança sorria de braços abertos, acolhendo-a em um aconchegante abraço. Era o parrudo astronauta que viajara ao seu lado. Simplesmente, o melhor dançarino de sua vida. Giralda teve a certeza de que aquele era o seu futuro marido.

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