O dia estava lindo. O céu muito azul, apenas com fiapos brancos quase transparentes de nuvens no horizonte distante. Zilca estava em um local descampado, aproveitando o sol da manhã. Uma grande sombra foi tomando conta do espaço ao seu redor. Uma sensação de abafamento e falta de ar lhe acometeu. Ela olhou para cima. Viu uma massa verde caindo em sua direção. No princípio, não conseguiu distinguir o que era, mas logo seus olhos identificaram um enorme feixe de bambus despencando. Os bambus caem em sua cabeça.
Zilca abriu os olhos e identificou o teto de seu quarto. Sua respiração estava ofegante. O lençol de baixo estava ensopado, principalmente no local em que ela estava deitada. Era mais um sonho com bambus. O quarto sonho em menos de quinze dias. Zilca começou a se preocupar. Pensou que era um sinal. Como das vezes anteriores, ela não conseguiu mais pegar no sono. Eram quatro horas da manhã. Levantou-se, ligou o seu computador para pesquisar na internet o significado de sonhar com bambus. Nada encontrou. Leu seus e-mails, respondeu alguns. Pegou um livro para ler. Leu até a hora de arrumar sua mala para mais uma viagem de trabalho. Zilca era diretora de uma empresa estatal e viajava muito pelo país. Participaria de uma importante reunião em Salvador. O voo estava marcado para o final da manhã. Depois de tudo pronto, tomou um banho, se aprontou e chamou um táxi. O motorista que sempre lhe atendia chegou na hora marcada. José era um senhor aposentado de uma estatal e complementava sua renda com as corridas de táxi. Gostava de conversar muito com seus clientes mais assíduos. Zilca logo perguntou se ele sabia o significado dos sonhos. José disse que não acreditava nestas coisas. Ela ficou encucada. No aeroporto, depois de ter feito o check in, procurou um livro sobre o tema na livraria. O atendente indicou o que mais vendia. Estava fechado em um plástico, impedindo-a de ali mesmo fazer sua consulta. Comprou o livro para ler durante o voo. O avião sai no horário. O livro é interessante, mas nada fala sobre bambus. Zilca leu o livro todo na hora e meia que dura o trajeto até Salvador. A reunião seria somente no dia seguinte. Ela se instalou no hotel indicado pela empresa e saiu para passear um pouco. Só pensava nos tais bambus. Ao regressar para o hotel, recebeu uma mensagem de um colega de trabalho a convidando para jantar. Ela entrou em contato com Augusto, confirmando sua presença. À noite, Augusto a pegou na porta do hotel. Ele tinha uma queda por Zilca, mas ela nunca dera chance a ninguém desde que se separou do único marido. A separação ocorreu havia quinze anos. O marido, um espanhol, levara os dois filhos pequenos para morar com ele na África e nunca mais dera notícias. Ela não tinha emprego na época e concordou que os filhos ficassem com seu ex-marido. Adolfo, o mais velho, tinha seis anos e Zéfrancisco tinha quatro anos. Zilca caiu em depressão quando percebeu que seu ex tinha levado as crianças embora e nunca mais os viu. Passou por vários tratamentos psicológicos, mas nunca superou o trauma. Continuou a viver sua vida, mas reservada e calada. Terminou o curso de Ciências Econômicas, prestou concurso para a empresa estatal para a qual trabalha até então. Augusto sabia desta história por conversar com a mãe de Zilca, enquanto ela era viva. Zilca era filha única e depois que sua mãe faleceu, se fechou mais ainda.
Augusto escolheu um belo restaurante para o jantar. Conversaram vários temas durante a agradável e quente noite de Salvador. Zilca falou sobre seus sonhos, mas Augusto era cético e nada ajudou. De volta ao hotel, sem sono, Zilca ligou a TV. Zapeando, parou em um canal para atender o celular. Uma reportagem sobre um estranho campeonato estava passando. Ela não se interessou, continuando a falar ao telefone. Apenas mirava a TV, pois ela ficava à sua frente. Começou uma entrevista com o campeão mundial da categoria. O entrevistador diz que o campeão tinha um estranho nome e era brasileiro, mas desde menino morava fora do Brasil. Seu nome era Zéfrancisco. Zilca ouviu, mas não se ligou no detalhe. Quando viu o campeão na tela, achou que suas feições eram conhecidas. O nome apareceu na tela: ZÉFRANCISCO PEREZ. Ela ficou muda, deixou o celular cair no chão. Era seu filho, não tinha dúvidas. Não conseguiu identificar o esporte. O programa estava no fim. Ela ligou depressa para a recepção, perguntando sobre o acesso à internet. Não tinha levado seu notebook. Desceu até o business center do hotel para buscar o endereço eletrônico do programa de TV. Achou, anotando o telefone. Voltou para o quarto e ligou para o número. Como era tarde da noite, apenas o plantonista atendeu, dizendo que não havia ninguém da produção do programa naquele momento e ele não sabia responder o que Zilca perguntava.
Foi a noite mais longa de sua vida. Zilca não conseguiu grudar o olho. Rolou na cama a noite inteira. Quando o sol raiou no horizonte, com bela vista de sua janela, ela pegou o telefone e novamente fez a ligação para o programa de TV. Depois de muitas transferências, Zilca consegue falar com alguém. Ela perguntou apenas onde seria a apresentação do campeão Zéfrancisco. Obteve a resposta de que seria em Lauro de Freitas, na entrada do aeroporto de Salvador. Que sorte! Estava em Salvador. Esqueceu a reunião e foi para o local indicado, na hora marcada. Muitas pessoas se aglomeravam no belo túnel de bambus que dava acesso ao aeroporto. Bambus! Zilca relembrou seus sonhos. Era um sinal, mas que esporte seria este que seu filho praticava?
Com atraso de meia hora, chega o campeão. Zilca chegou o mais perto que pode. Zéfrancisco é apresentado como campeão mundial de escalada de bambus. Zilca tremeu. Novamente bambus. Com uma destreza incrível, Zéfrancisco sobe nos bambus que formavam um grande arco. Parecia um animal fazendo aquilo. A demonstração durou vinte minutos. Em seguida, Zéfrancisco, que não gostava que o chamassem de Zé, foi para a entrevista. Antes, ele fez um pequeno discurso: "Sou brasileiro, embora cresci em Moçambique e hoje moro na Espanha, terra de meu pai. Sempre dedico minhas vitórias e minhas apresentações a meu irmão Adolfo, que faleceu quando tinha doze anos de uma estranha doença que nunca diagnosticaram. Penso sempre em minha mãe brasileira que não conheci, pois também faleceu quando eu ainda era bebê. Estou feliz de estar na terra onde nascemos". Zilca foi às lágrimas e num rompante gritou: "Eu não morri, eu estou aqui meu querido filho". Ninguém acreditou naquilo, nem mesmo Zéfrancisco. Zilca chorava, mas não saía do lugar. Tiraram o campeão dali. Acharam que Zilca queria aparecer na TV. Repórteres se viraram para ela. Ela chorava muito. Não dizia nada. Pegaram seu celular e ligaram para a última chamada registrada. Augusto atendeu. Logo ele a buscou. Ela estava em estado de choque. Foi levada para um hospital. Deram-lhe um calmante. Ela dormiu e sonhou. Sonhou novamente com bambus. Muitos bambus. No meio deles, Zéfrancisco pequenino.
A enfermeira passou e percebeu um leve sorriso no rosto de Zilca. Sua maca estava molhada, não havia respiração e, em sua mão, um pedaço de bambu.
Obrigada!
ResponderExcluirAdorei como sempre!
Mas que trágico!
Beijos,
Kitty
Querida Kitty,
ResponderExcluirPediu, veio a inspiração e escrevi. O trágico tem a ver com o dia de trabalho. Um caos.
Bjs.
Noel,
ResponderExcluirEstava sentindo falta de seus contos.
Bjs
Pek,
ResponderExcluirTenho alguns já engatados para postagens.
Bjs.