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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

SIM

Para Fabíola

Uma brisa suave enchia o local com o cheiro de patchouli. Não estava forte, pois a cerimonialista tinha recomendado colocar poucos sachês em pontos estratégicos, perto de onde aconteceria a cerimônia. O dia estava lindo, sem nenhuma nuvem no céu. Como era perto de 16:30 horas, o calor era mais ameno. O local escolhido também favorecia, pois era às margens do Lago Paranoá, em uma mansão do Lago Sul, cujo gramado impressionava os convidados de tão verde e vivo, mesmo sendo final do período da seca na cidade.
No ponto onde foram colocadas as cadeiras para os convidados já não mais batia sol diretamente. Cerca de trezentos lugares, simetricamente arrumados, sendo cento e cinquenta de cada lado. Ninguém passava pela passarela instalada ao centro. Davam a volta pela frente, onde estava o altar. Não era um qualquer. Ele remetia a várias religiões e seitas. Elementos do budismo, do catolicismo, do espiritismo, do candomblé enfeitavam aquele altar, conferindo-o uma energia fora do normal, uma vibração eclética. Era um altar ecumênico. A imagem da Virgem de Nazaré ocupava um lugar de destaque. As cadeiras tinham uma tonalidade azul claro, feitas de madeira, remetendo aos barcos que percorriam a Baía do Guajará diariamente, levando e trazendo pessoas, mercadorias, sonhos e desilusões. Separando as cadeiras da passarela central estava uma grossa corda de sisal de ambos os lados, o que fazia lembrar a grandiosa festa do Círio de Nazaré.
Os convidados começaram a chegar desde cedo, alguns vindos de longínquas partes do país. Tinha gente de Manaus, do Rio de Janeiro, de Uberlândia, de Florianópolis, de Aracaju, de Maceió, de São José dos Campos, de Redenção, de Marabá, de Castanhal, de Santarém, de Goiânia, de Fortaleza, de Belo Horizonte, de Vila Velha, de Vitória, de Bocaiúva, de Alfenas e, como não poderia faltar, de Ananindeua. Até de Miami veio gente. Todos ansiosos por aquela cerimônia.
A organização da festa colocou ilhas com bebidas geladas e salgadinhos para entreter os convidados. Eram salgadinhos que faziam sucesso nas festas infantis das décadas de 60 e 70, ignorados solenemente nos últimos anos e agora redimidos. Foram chamados de salgados vintage. Naquela altura, as caixas de som soltavam uma deliciosa música de Lia Shopia. Ainda no repertório musical da festa estavam músicas de Felipe Cordeiro, Dona Onete, Gang do Eletro, Pinduca, Luiz Félix, Aldo Sena, Vazo Novo, Emília Monteiro. Só não tinha Gaby Amarantos. A dona da festa não gostava. Gaby crescera junto com ela no Jurunas. Passaram bons e maus momentos. Ela lembrava com orgulho, mas aquilo fazia parte de seu passado.
A música parou por um instante. Um anúncio foi feito. A cerimonialista pedia a todos para se acomodarem, pois em quinze minutos a cerimônia teria início. Alguns correram para pegar um lugar mais perto da passarela, onde teriam uma melhor visão do que aconteceria. Ao fundo, uma enorme cortina marrom bordada com motivos verdes e vermelhos lembrava uma obra de Emmanuel Nassar. Dali, sairia a dona da festa. Quinze minutos.
Uma turma de recém ingressados na Polícia Militar era uma das mais ruidosas entre os convidados. Riam muito, se divertiam. Todos estavam impecavelmente vestidos, com muito gel nos cabelos. Conseguiram sentar na terceira fileira do lado esquerdo do altar.
As mulheres abusaram nos seus modelitos, usando apliques, coques e chapéus enormes. Afinal, a cerimônia pedia isto. Vestidos frescos, esvoaçantes, com decotes ousados. Uma ou outra convidada tinha errado a mão, com muito brilho nas roupas. Os homens pareciam em ambiente fabril, usando o mesmo uniforme. Camisa social branca, geralmente de linho, calça chino e sapatos dock sider, invariavelmente na cor azul marinho. Claro que alguns se destacavam pelo inusitado na forma de vestir. Um dos convidados usava uma calça amarela que reluzia no meio da multidão. Ele tinha um blog, onde escrevia suas impressões de tudo aquilo que apreciava.
Os amigos de sempre, aqueles que tinham um grupo longevo no Whatsapp, se sentaram juntos, na primeira fila, onde também estavam os parentes da dona da festa. Só uma estava ausente. Era Giralda, que tinha ido estudar na Espanha. Uma mensagem cheia de mimimi, como de costume no seio deste grupo, foi deixada por ela. Os demais estavam todos lá, incluindo a sonolenta Janaína, pois ainda sofria os efeitos do fuso horário, posto que tinha chegado da Alemanha, onde ficou por mais de um ano, dois dias antes daquela festa. Frida foi a última a se sentar. Tinha voltado a uma das ilhas de salgadinhos para pegar mais uma coxinha. Ao morder, percebera que o recheio não era o mesmo que tinha comido alguns instantes atrás. Era de tucumã. Sentiu vontade de cuspir, mas como já estava sentada, pronta para ver a cerimônia, engoliu sem mastigar, evitando deixar aquele gosto estranho na boca. Riva também foi para sua cadeira com uma taça de champanhe nas mãos, cujo ato foi seguido por diversas outras pessoas. Henrique Luís estava furioso com a cor da roupa de sua namorada. Ela tinha escolhido um vestido em tonalidade rosa bebê. Aquela cor realmente o perseguia. Clara, sempre usando a cor amarela, nada falava. Apenas observava o ambiente, procurando um passarinho verde. Tivera dúvidas de quem ela levava como companhia na festa. O paulista ou o mineiro. Nenhum dos dois. Escolheu o baterista, minhoco da terra. Lu esbanjava alegria com seu marido francês e sua filhinha Juju. Geane tinha na face a expressão da tranquilidade. A cicatriz na sua mão praticamente tinha desaparecido. Efeito de seus inúmeros retiros espirituais. Kitty era a mais falante, como sempre, não parando de tagarelar um minuto sequer. Parecia a Emília, de Monteiro Lobato. Frida, ainda com uma coxinha nas mãos, perguntou onde estava Divah. Lu, agora adepta de regressões, fechou os olhos, meditou e viu Divah em uma sala fechada. Era a única que teve acesso à dona da festa antes da cerimônia. Os pensamentos de Lu foram interrompidos com um sinal sonoro, seguido de uma revoada de pombos brancos, que foram soltos por detrás da cortina marrom bordada com motivos em tons verdes e vermelhos. Divah apareceu pela abertura desta cortina. Um óóóhhh, em uníssono, se fez ouvir no local. Cybele e seu filho gritaram loucamente para Divah. Esta apenas abriu um pequeno sorriso nos lábios, olhou em frente e caminhou na passarela em direção ao altar. A cor de seus cabelos era o que mais chamava a atenção. No altar, ela se posicionou à direita, local reservado para os padrinhos. Era única. Reinava absoluta naquela condição. Mais um sinal sonoro, nova revoada de pombos, o tapete que cobria a passarela foi recolhido para trás, revelando uma espécie de rio artificial, com uma pequena corredeira. Os convidados ficaram de boca aberta. Na correnteza vinham vitórias régias floridas. Eram lindas. Eram falsas. Não estavam sós. A maioria das bolsas de grife que estava na festa também era falsa. Os convidados tinham dificuldades para crer no que presenciavam.
Quando toda a passarela, agora transformada em um rio, ficou repleta de plantas aquáticas, ouviram-se os primeiros acordes da Marcha Nupcial. Todos os olhos se voltaram para trás, para a cortina marrom. Surgiu a ponta de uma canoa de madeira que começou a singrar aquele rio. A cortina se abriu totalmente. Queixo caídos para o que viam. Bibiana reluzente, em pé no centro da canoa, distribuindo sorrisos. Sua boca tinha um vermelho urucum forte, daqueles que grudam, que nunca sai. O vestido era de noiva, mas não era branco. Ela preferiu usar uma cor palha. Não tinha calda, nem muita roda na cintura. Perfeito para um casamento no final da tarde. O cabelo estava com suas voltas e ondas naturais. Enfim, ela tinha deixado a química de lado. Era outra mulher. Vinha devagar naquele rio. Seus pensamentos eram muitos, mas não conseguia reter nenhum deles. Como vinham, iam. Olhava de um lado para o outro, reconhecendo amigos e parentes. Nas mãos, carregava um belo arranjo feito com as ramas do açaí. Uma tiara brilhava na sua cabeça.
As pessoas se amontoaram ao longo da corda, o que lembrou ainda mais as festividades do Círio. Todos queriam vê-la de perto, fazer parte daquela cenografia. Queriam tirar fotos, postá-las imediatamente nas redes sociais. Bibiana distribuía cada vez mais sorrisos. Olhava para o altar, altiva, decidida. Divah debulhava-se em lágrimas. A juíza de paz já estava a postos. A família Albatroz chorava, comovida com a cena. Edcléia e Cecília, de mãos dadas, pensavam quando teriam aquele momento.
No meio do caminho, a canoa parou. Tudo estava programado. Bibiana olhou para o céu. Um casal de araras azuis voou baixinho. Eram eternamente fiéis, assim como os pinguins. Que assim seja, pensou a noiva. Ela lembrou de seu passado, quando andava, por força do trabalho, em grandes propriedades rurais e via dezenas de vacas e apenas um touro. Riu internamente. A canoa voltou a navegar naquele rio.
Chegou ao altar, desceu da canoa, se posicionou e mirou a cortina marrom. Um tapete de madeira imediatamente cobriu o rio. Era chegada a hora. O noivo surgiu. Inverteram totalmente a ordem. Bibiana era clássica, mas não gostava do óbvio.
Os convidados ficaram mais uma vez surpresos. A música escolhida para a entrada do noivo também nada tinha de convencional. Gal Costa cantando Meu Bem Meu Mal. Bibiana não cabia dentro de si tamanha a sua felicidade. Naza chorava baldes. Divah já tinha detonado sua maquiagem, assim como quase todas as mulheres presentes. Muitas lágrimas derramadas. A turma da polícia tinha ficado em silêncio. De todos eles, Júnior era o mais pensativo.
O noivo, com sua roupa em tom cinza, também era pura felicidade. Ele entrou de cabeça erguida. Passos lentos, firmes. Não olhou para nenhum dos lados. Seus olhos estavam hipnotizados pela presença reluzente de Bibiana que o aguardava com ansiedade.
No altar, o noivo segurou forte a mão de sua amada.
Olhou para a juíza e disse SIM.

Um comentário:

  1. Léo que coisa linda o seu carinho!!! Adorei cada detalhe do texto!!!! Adorei o enredo e o final então... Mais apaixonada por você meu querido amigo!!!! Lisonjeada demais!!!

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