Quem me conhece sabe que consumo muita cultura. Estava há muito com uma vontade tremenda de aglomerar. Com quatro doses de vacina contra a covid, não tive dúvidas em comprar ingresso para o
Breve Festival para o dia 09 de abril de 2022, um sábado, com doze horas de shows. O line-up era cabuloso:
Grande Encontro (
Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Alceu Valença),
Gloria Groove,
Ludmilla,
Céu,
Tropikillaz,
Àttooxxá,
Gal Costa,
Silva,
Ney Matogrosso,
Duda Beat,
Lamparina e A Primavera,
Djonga,
Pitty,
Tuyo,
Racionais MC's, entre outros nomes. Quatro palcos ocupando toda a
Esplanada do Mineirão e uma parte do interior do estádio. Comprei as entradas no aplicativo da
Sympla, pagando por dois ingressos R$ 396,00, pista, meia entrada social, mediante a doação de um quilo de alimentos por ingresso entregues na entrada do evento.
Sabendo das dificuldades para achar condução na hora de ir embora do Mineirão, fomos de carro. Assim que saiu os horários dos shows, vimos que Lamparina e A Primavera, uma de nossas bandas favoritas, se apresentaria às 13:50 horas. Decidimos sair de casa por volta de meio dia. O trajeto foi muito tranquilo, sem trânsito. Nas avenidas no entorno do Mineirão o movimento ainda era pequeno. Já experientes, deixamos o carro no estacionamento coberto do estádio. O preço é fixo e único, R$ 30,00 por todo o período do evento, com a ressalva que fecha às 02:00 horas da madrugada. Conhecidos nossos nos contaram que os flanelinhas estavam pedindo R$ 50,00 para "vigiar" o carro para quem estacionou na rua, em local público e gratuito. Não havia acesso à esplanada pelo estacionamento, motivo pelo qual tivemos que caminhar um pouquinho, pois a entrada para quem tinha comprado ingresso para pista era na parte sul do estádio. Eu estava com uma mochila onde coloquei uma toalha (o tempo indicava chuva), uma camisa de manga curta (fui com camisa de manga longa com proteção contra os raios solares), protetor solar, capa de chuva, plástico para colocar coisas molhadas, dois pacotes de biscoito Goiabinha, lenços umedecidos para necessidade urgentes, carregador extra de celular e duas cangas, caso necessitasse sentar no chão.
Chegando ao acesso, havia muita gente, mas ninguém formava fila, pois estavam esperando outras pessoas. Gastón aproveitou para comprar Halls e cigarro de palha na mão de um ambulante. No portal, uma mulher indicava para onde ir para quem tinha ingresso de pista ou de open bar. Entramos por um organizador de filas feito com grades de ferro enorme. No vai e vem já nos divertíamos com os jovens, que eram bem livres no vestir, na maquiagem e nos enfeites de cabelo. Galera LGBTQIA+ em peso. No meio do organizador, outra mulher pedia para todos colocarem nas mãos o ingresso, um documento de identidade com foto e o comprovante de vacinação completo contra a covid. Mais à frente, era o posto onde recolhiam o alimento para quem comprou entrada social. Levamos dois quilos de arroz Tio João. Continuamos a andar no vai e vem até a entrada real do evento, onde fomos revistados, pediram para eu abrir minha mochila, deram uma olhada por cima, perguntaram se havia algum instrumento perfurocortante, me liberando para a leitura do ingresso. A atendente leu os dois ingressos que estavam no meu celular e passamos. Falha 1: ninguém pediu o comprovante de vacinação.
Subimos os degraus da entrada sul do Mineirão, quando vimos um verdadeiro exército de caixas móveis, todos vestidos de preto com um círculo por cima da cabeça, preso na mochila que carregavam. Paramos para comprar fichas, quando descobrimos que o evento era cashless, ou seja, dinheiro em espécie não seria aceito. Não havia fichas, mas sim um cartão magnético que carregávamos e recarregávamos na medida em que precisasse. Pendurado na pochete do caixa móvel havia um cardápio. Falha 2: não havia preços de água e refrigerante no cardápio e o caixa não sabia informar. Decidimos carregar um único cartão para nós dois. Fizemos uma carga inicial de R$ 60,00, mas sabíamos que não seria suficiente, pois uma única lata de cerveja de 350 ml Amstel custava R$ 14,00! Para carregar o cartão magnético, era necessário fornecer o número do CPF. O caixa, ao ouvir Gastón falar, que estava com o cartão de crédito para pagar a carga, virou para mim, pedindo meu CPF. Eu disse que Gastón também tinha CPF. Ele riu, se desculpou dizendo que pelo sotaque achou que ele não teria e inseriu o número de Gastón na máquina, carregou o cartão magnético e informou que podíamos consultar o nosso saldo em qualquer caixa dos bares. Peguei o comprovante da carga e fomos conhecer o espaço. Logo à esquerda, após as escadas, estava o primeiro palco, o de nome Amstel, onde seria o show da Lamparina. Eram 12:55 horas. Faltava quase uma hora para o show. Fomos caminhar pela esplanada. Algumas intervenções artísticas no caminho eram bem instagramáveis, o que de fato constatamos ao longo do tempo em que lá ficamos. O outro palco, chamado Breve, ficava no lado oposto do Amstel, na Esplanada Norte, de onde também se via a área open bar coberta (também havia uma área open bar no primeiro palco). Em frente ao palco Breve, era o acesso ao palco Breve Club, de música eletrônica, que ficava em uma parte do gramado do Mineirão. Algumas cadeiras da geral eram acessíveis, bom lugar para um descanso, inclusive protegido da chuva. Também tínhamos acesso aos banheiros desta parte do Mineirão. Antes de descer para o palco eletrônico, paramos em um bar montado na área interna do estádio para comprar uma cerveja e uma garrafa de água, além de um copo reutilizável que segundo publicação do perfil do festival do Instagram o valor seria devolvido caso quem comprou quisesse fazê-lo. Ao saber o valor da garrafa de água, levei um susto: R$ 8,00. O copo também custava R$ 8,00. Perguntei onde poderia devolvê-lo ao final do evento. Uma atendente disse que não sabia, mas que deveria ser na parte superior da esplanada, enquanto a outra disse que não existia devolução. Recebi o comprovante da compra e verifiquei que faltavam R$ 7,00. Ao pegar o primeiro comprovante, uma surpresa, pois cobraram no momento da carga inicial, R$ 7,00 como ativação do cartão. Falha 3: não avisaram no momento da carga inicial sobre o valor da ativação. Como não era possível fazer compras no espaço do evento sem o tal cartão magnético, fica evidente que foi uma compra casada, proibido na legislação brasileira. Falha 4: a desinformação que imperou entre as pessoas que trabalhavam no evento.
Fomos para o palco de música eletrônica. Tinha pouca gente dançando. Tiramos algumas fotos, sacudi um pouco o esqueleto, mas música eletrônica me cansa muito rápido, pois a batida é a mesma, um looping sem fim. Era hora de ir para o palco Amstel conferir o show da Lamparina e A Primavera. No caminho, muita gente fazendo poses e mais poses para fotos nas intervenções artísticas. Já tinha um bom público em frente ao palco, mas ainda era tranquilo dançar e transitar entre as pessoas.
O show começou no horário, às 13:50 horas a banda soltou os primeiros acordes. Foi uma delícia de apresentação. Interação banda-público desde a primeira música. O som tinha alguns problemas, nem sempre se entendia o que a vocalista cantava, além de um zumbido incômodo saía de vez em quando das caixas acústicas. Mas como a maioria sabia todas as músicas de cor, foi uma festa. E teve o momento
fora bozo, que foi intenso. Dancei e cantei muito, mesmo debaixo de uma chuva fina e insistente. Vesti minha capa de chuva e continuei aproveitando a apresentação. Terminado o show, já fomos direto para o palco
Breve, onde tinha início o vibrante show do
Djonga. Ele e seus dançarinos entraram com a camisa da seleção brasileira, em um claro recado aos conservadores que se apropriaram da camisa de que aquele símbolo era de todos nós. Mais um enorme
fora bozo ecoou no ar. O povo cantava junto todas as canções de
Djonga. Não vimos todo o show porque queríamos ver
Céu e Tropikillaz no palco
Amstel e o início dele chocava com a meia fora final do show de
Djonga. Isto ocorreu em vários shows, ainda mais que havia quatro palcos e muitas atrações.
Céu também começou o show super no horário. Ela entrou no palco apenas com os dois DJs do Tropikillaz e cantou muito reggae e sucessos de sua carreira, como Menino Bonito, cantada em uníssono pela plateia, que também soltou um fora bozo. O show de Céu foi curto, mas bem dançante, Durou quarenta minutos. Os vinte minutos finais ficou por conta do duo de DJs que emendou sucessos do pop com arranjos próprios, incluindo sucesso de Lil Nas X, que levou a plateia ao delírio. O local começava a ficar muito cheio. Distanciamos um pouco do palco. Conseguimos sentar em um dos raros bancos de concreto que existem na esplanada, em uma posição que dava para ver o show. Em frente, havia um bar, onde comprei um refrigerante. Só tinha refri da marca Fys, por R$ 10,00 a lata. Pedi um no sabor limão siciliano. Horrível, muito doce. Neste momento, já mais de 16:30 horas, aproveitei que estava sentado e troquei a camisa de manga longa por uma camisa de malha de manga curta, tirei um pacote de Goabinha para comer e Gastón foi ao banheiro. Fiquei esperando sentadinho. O público só aumentava. Comer o biscoito me abriu o apetite. Queria comer alguma coisa salgada, mas só via carrinhos de pipoca. Acabei comprando um saco por exorbitantes R$ 25,00. Perguntei a um segurança onde ficava a praça de alimentação e ele não soube me responder. No bar, apontaram para a direção do palco Breve. Não havia placa de sinalização para indicar onde ir. Talvez os organizadores pensaram que não precisava, pois o mapa estava no Instagram do festival. Acontece que é público e notório para quem frequenta o Mineirão que os celulares ficam quase mortos quando há muita gente no local. Acessar internet era uma saga. E mapas desenhados sem escala não são precisos em indicações, ainda mais em local com rampas e escadas. Falha 5: não haver sinalização adequada na esplanada.
Gastón demorava tanto que resolvi mandar mensagem, mas nada de WhatsApp funcionar. Liguei e ele atendeu de pronto. Disse que a fila para os banheiros químicos era surreal e que ainda faltavam cinco pessoas para chegar a vez dele. Continuei esperando. O público crescia mais e mais, já dificultando transitar onde eu estava. Gastón chegou quando
Duda Beat já tinha iniciado seu show. Ele me contou que para chegar onde eu estava, teve que atravessar uma multidão. Perdemos o show do
Silva no palco
Breve. Resolvemos ver
Duda Beat. Coloquei a máscara para atravessar o público. Conseguimos achar um local muito distante do palco
Amstel, vendo o show pelos telões.
Duda toda de vermelho e mais um sonoro
fora bozo, que foi a tônica em todos os shows. Começou a ficar apertado demais, com as pessoas muito encostadas umas nas outras. Muita gente reclamando da fila que enfrentaram para entrar no festival e da quantidade absurda de gente no local.
Falha 6: lotação excessiva.
Resolvemos sair do show de Duda Beat para comer alguma coisa antes do início do show de Ludmilla, no palco Breve. Carregamos o cartão magnético com mais R$ 50,00, quando perguntei para o caixa móvel onde ficava a praça de alimentação. Ele me disse que era embaixo, mas não sabia como fazia para chegar até lá. Como sabia de uma rampa em frente ao portão B do Mineirão, fomos para aquela direção, perguntando para um segurança que também não soube informar onde a praça ficava. Resolvemos descer a rampa, que só tinha uma enorme placa indicando uma saída. Mas vimos duas pessoas subindo a rampa com cachorro quente nas mãos. Estávamos na direção certa. Quando a rampa terminou, à direita era o estacionamento, onde foi instalada uma boa praça de alimentação, com várias opções de comida, inclusive para os veganos, mesas coletivas para se sentar e mesas menores altas, usadas como apoio. Também no mesmo estacionamento, banheiros químicos sem nenhuma fila. Os preços da comida eram exorbitantes. Um cachorro quente custava R$ 15,00 e só vinha com pão, salsicha quase sem molho, um creme horrível de queijo cheddar (com gosto de plástico) e batata palha. Compramos assim mesmo. Gastón ainda comeu um mexidão, que estava razoável, cujo valor era R$ 25,00. Foi um momento também de ficar sentado, sem tumulto de gente e ir ao banheiro. Na parte inferior também ficava o palco Radar, onde tocaria Majur, que substituiu de última hora Tuyo, pois um dos seus integrantes tinha testado positivo para covid, mas seu show chocava com o de Ludmilla. Voltamos para a parte superior em direção ao palco Breve. Estava lotadíssimo. Nesta hora, decidimos que não transitaríamos mais entre os palcos, focando nos shows que ainda aconteceriam no Breve. Ficamos atrás da torre de iluminação, onde ainda era possível dançar, mas não tinha uma boa visão do palco. Vimos o show pelos telões. Ludmilla entregou uma performance maravilhosa, colocando todo mundo para dançar e cantar sem parar. Sucessão de hits. Perfeita no palco. Assim que terminou, e estando perto do acesso ao palco Breve Club, entramos nas dependências do Mineirão para usar o banheiro e descansar nas cadeiras da geral, em parte aberta ao público. Ali descansamos até a hora de iniciar o show de Gal Costa, também no palco Breve. Ficamos, desta vez, na lateral direita, encostados na grade que separava a área vip, com boa visão do palco. Foi um show lindo e dançante. Paula e Bebeto foi cantada por todos. Um hino ao amor sem amarras, sem gêneros, plural. Já no final, com a plateia gritando fora bozo, Gal cantou a contagiante e super atual Brasil, de Cazuza. Delírio coletivo. Show muito bom. As pernas já não aguentavam mais ficar de pé, a coluna doía.
Mais uma vez voltamos para as cadeiras da geral do
Mineirão. Dois brigadistas passavam. Aproveitamos para perguntar onde ficava a saída mais próxima e, para nossa surpresa, eles não sabiam, pedindo para perguntar aos seguranças que controlavam a entrada da área do open bar, que também não souberam informar.
Falha 7: brigadistas que não sabem o básico, ou seja, as saídas do local, não são brigadistas. Passamos pelo bar dento do
Mineirão, compramos mais uma água e fomos descansar nas cadeiras. Às 21:00 horas, voltamos para a esplanada para ver
Gloria Groove. Era um show super esperado por mim. Voltamos a ficar no mesmo local em que estávamos no show anterior, mas já estava muito apertado. Gastón foi complementar o cartão magnético para comprar um gin tônica, não deixando nenhum saldo no cartão. Ele detestou o drinque, visivelmente feito por quem nunca tinha feito um drinque na vida, além do absurdo do valor: R$ 36,00. Ele teve que completar o cartão mais uma vez com R$ 10,00 para comprar um
Fys de limão siciliano para amenizar o drinque. Saldo zero no cartão. O microfone de
Gloria Groove estava com problema, o povo gritava para aumentar o volume do microfone, ela não entendia nada e seguia cantando. Não dava para ouvir nada o que cantava.
Falha 8: problemas no som não resolvidos durante os shows nos palcos Amstel e Breve. Decidimos ir embora. Havia uma placa indicando saída na esquerda do palco, mas não havia saída ali.
Falha 9: placa indicando saída onde ela não existia. Não sei como o Corpo de Bombeiros concedeu alvará para o evento. Foi um custo atravessar o público. Conseguimos, enfim, sair da multidão. No
Amstel, uma galera esperava o último show da noite naquele palco,
Racionais MC's. Passamos direto. Perguntei a várias pessoas que trabalhavam no evento onde poderia devolver o cartão e o copo. Ninguém soube informar. Não havia nenhuma indicação onde fazer essa troca. Resolvemos ir embora. Caminhamos até o estacionamento pelo lado de fora do
Mineirão. Quando sentei no carro, foi um alívio para as costas. Eram 22:00 horas em ponto quando deixamos o estádio. No caminho de volta, com muita fome, paramos para comprar pizza e levemos para casa. Chegando no lar doce lar, comi, tomei um
Dorflex, um banho relaxante e capotei na cama.
No dia seguinte, fui ler os comentários no perfil do festival no Instagram. A esmagadora maioria elogiava os artistas, mas reclamava muito da falta de organização da Bebox, empresa responsável pelo festival. Filas imensas para tudo, lotação excessiva, venda casada do cartão magnético, falta de informações de como receber o saldo do cartão, cobrança de R$ 7,00 para ativar o cartão, cobrança de R$ 7,00 para devolver o saldo existente no cartão, sinalização quase inexistente, placa indicando saída onde ela não existia, preços abusivos, problemas no som dos palcos Amstel e Breve, falta de praça de alimentação (o pessoal não conseguiu achar onde era). Quando vi que o perfil colocou que foram três anos de organização e que se desculpava pelos infortúnios, meu sangue ferveu e escrevi um textão. Para minha surpresa, quando acessei o perfil três dias depois para ver se responderam algo, tinham apagado o que escrevi, assim como a postagem de várias outras pessoas. Mas o povo é insistente e escreveu tudo de novo. Muitos reclamando da compra casada e a organizadora do festival se isentando, colocando a responsabilidade na empresa de cashless, como se ela não a tivesse contratado e tivesse oferecido outras opções para quem não queria o cartão. Em tempos de Pix, colocar um cartão com cobrança para ativação é um absurdo e uma extorsão. Conheço pessoas que já ingressaram no Procom pedindo o ressarcimento da taxa de ativação do cartão e do copo. Como o público foi de aproximadamente 50.000 pessoas, imaginem o quanto a empresa lucrou com os tais R$ 7,00 de cada cartão, fora a porcentagem que ela deve ter cobrado na venda de bebidas e alimentação.
Agora, antes de comprar entrada para os eventos de porte, verificarei quem é a produtora/organizadora. Se for a Bebox, não me pega tão cedo.