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sábado, 2 de abril de 2022

QUE HORAS ELA VOLTA?

Que Horas Ela Volta?, 2015, 112 minutos. Direção de Anna Muylaert.

É um filme feito por mulheres, sobre mulheres e para mulheres. É sensível, emociona, gera sentimentos diversos no espectador, mostra uma realidade que muita gente finge não ver, é cativante, é sobre amor de mãe, é sobre relação de poder.

Val, interpretada magnificamente por Regina Casé, trabalha para uma família de classe média alta paulistana, e dorme no emprego. Tem uma filha, Jéssica (Camila Márdilla), que não via há anos, pois morava em Recife, que vai a São Paulo fazer vestibular para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Jéssica, sempre muito questionadora, ficará com Val, a princípio, em seu quartinho de empregada, mas sua chegada na casa vai desestruturar a aparente harmonia instalada naquele local. Bárbara (Karine Teles) e César (Lourenço Mutarelli) são os patrões de Val, que cuidou desde criança do filho deles, Fabinho (Michel Joelsas). Val tem um amor incrivelmente maternal por Fabinho e o mima como se filho fosse, mas nunca esqueceu de Jéssica, enviando mensalmente dinheiro para que sua filha fosse bem cuidada e estudasse. Jéssica conseguirá, com suas atitudes, revelar a verdadeira face do casal Bárbara e Carlos, além de tirar Val da submissão inconsciente que tinha para com os patrões.

A câmera da diretora gosta de focar Val e a maior parte das cenas são mostradas sob a perspectiva dela. Assim, o espectador escuta a conversa da família na mesa de jantar, mas apenas vê a cabeceira da mesa, pois a câmera está posicionada na visão de Val, desde a cozinha. Por falar em cozinha, Val sempre está desenvolta nos ambientes que lhe são "permitidos" transitar livremente na casa: a cozinha, a área da piscina onde ela joga água nas plantas, o corredor de acesso aos quartos da casa e no lado de fora da casa, quando leva a cadela dos patrões para passear. A cena em que Val serve quitutes aos convidados na festa de aniversário de Bárbara é impactante. Bandeja na mão, andando pelos ambientes da casa, oferecendo comida e sendo ignorada pelos convidados. Seu semblante de "o que eu estou fazendo aqui?" resume seu sentimento sem uma palavra sequer, tendo apenas a música Águas de Março acompanhando o seu caminhar em zigue zague.

Revi o filme para o ciclo Cinema & Filosofia do Clube de Análise Fílmica, conduzido pelo Prof. Alisson Gutemberg. Neste ciclo, ele fez um ótimo paralelo entre Que Horas Ela Volta? e o pensamento de Michel Foucault, especialmente a questão de quem detém e quando exerce o poder. Foi interessante a análise das cenas, os olhares de cima para baixo e vice-versa, indicando quem está exercendo o poder naquele momento, naquele diálogo. Já quase no final do filme, Val demonstra seu momento de poder na beira da piscina em um diálogo sem rodeios com Bárbara sobre sua decisão.

Não posso deixar de mencionar a belíssima cena em que Val, enfim, entra na piscina da casa, que está cheia somente até a altura da batata da perna, à noite e liga para sua filha Jéssica para falar que estava dentro da piscina. Ali foi o ponto de virada da personagem, seu momento de redenção e de tomada de decisão sobre os rumos de sua vida.

O filme mostrou que a filha de uma empregada doméstica poderia entrar na universidade, qualquer que seja ela, bastando para isso ter oportunidades. Uma realidade que, infelizmente, o Brasil não vive mais desde os idos de 2016, após o golpe contra a Presidenta Dilma.

Outro destaque que preciso fazer é para o elenco, todos afiadíssimos e afinadíssimos. Não é à toa que Regina Casé e Camila Márdilla ganharam o prêmio de atuação no Festival de Sundance.

Filme obrigatório.

Disponível na Netflix.

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