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domingo, 11 de maio de 2014

SE EU FOSSE VOCÊ, O MUSICAL

Demorou, mas um sucesso do cinema brasileiro chegou aos palcos. Os dois filmes Se Eu Fosse Você, ambos dirigidos por Daniel Filho, foram adaptados para o tablado na forma de um musical. Filho supervisionou a adaptação, cuja direção e coreografia coube a Alonso Barros, enquanto a direção musical é de Guto Graça Mello. Esta versão teatral tem como norte o roteiro do segundo filme, mas traz trechos do primeiro também. Nos papeis de Helena e Cláudio, vividos nos cinema por Glória Pires e Tony Ramos, estão os ótimos cantores/atores Cláudia Netto e Nelson Freitas. Para quem não se lembra, a história é uma comédia onde há uma troca de corpos entre o casal, Helena sendo Cláudio e vice-versa. Os produtores foram buscar no repertório de Rita Lee as canções que conduzem a história, em cartaz no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, desde março. Fui no final de semana de estreia, com casa totalmente cheia. O elenco é bem afinado, tem presença, mesmo os que dão suporte às canções. Há participação especial de Fafy Siqueira, que interpreta a mãe de Helena. Ela é a que menos canta, mesmo porque seu dotes vocais não são lá estas coisas, mas sua presença é iluminada, garantindo bons momentos de risadas à plateia. Por falar em sorrisos, ri muito, talvez até mais do que nos cinemas, quando fui ver os dois filmes. O casal de protagonistas é sensacional e dá um show de interpretação, especialmente quando há a troca de papeis. As coreografias são ponto de destaque, especialmente quando a música Doce Vampiro domina a cena. O repertório de Rita Lee é vasto, com muitas opções para se aproveitar. Os produtores colocaram os maiores sucessos, o que ajudou a provocar na plateia uma sinergia desde o primeiro momento. São mais de trinta canções da eterna roqueira brasileira. Curioso é o fato deste musical estrear em data próxima a outro musical, em cartaz em São Paulo, que também tem as canções de Rita Lee no setlist. A maioria das músicas se encaixa perfeitamente na cena, parecendo que foram pensadas para elas, mas há algumas em que houve uma forçada de barra, embora isto não tenha prejudicado a compreensão da história. Enfim, o musical diverte, e muito.

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12 ANOS DE ESCRAVIDÃO

Fui ver 12 Anos de Escravidão (12 Years A Slave), o ganhador do Oscar 2014 de melhor filme. É uma co-produção entre Estados Unidos e Reino Unido, dirigida por Steve McQueen. Embora com apenas três longas no currículo, Fome (Hunger), Shame e 12 Anos de Escravidão, McQueen já é um dos meus diretores favoritos. Seus filmes sempre tem temática forte, são contundentes e ele faz um belo trabalho de direção de atores. E ainda tem sempre a presença iluminada de Michael Fassbender. A película, como a maioria dos filmes que concorrem ao Oscar, tem duração em torno de 130 minutos, e nos conta a história de Solomon Northup, magistralmente interpretado por Chiwetel Ejiofor, um negro liberto, músico, que vive com sua família no final do Século XIX. Ele aceita um novo trabalho para tocar violino em outra cidade, quando é sequestrado e vendido como escravo para trabalhar nas fazendas do sul dos Estados Unidos, onde a cultura escravagista era ainda forte. Nos doze anos em que esteve escravo, teve dois donos, o segundo vivido por Fassbender. Neste período, ele passa por provações, é humilhado e sofre fisicamente. Como era de se esperar, o filme provoca lágrimas em várias cenas. Um branco, interpretado por Brad Pitt, é uma esperança para seu retorno à liberdade. A história é baseada em fatos reais, o que provoca maior repulsa ao que vemos. Um dos destaques do filme é a performance de Lupita Nyong'o, que lhe garantiu o Oscar de melhor atriz coadjuvante, como a escrava Patsey, uma verdadeira máquina produtiva na colheita do algodão. Gostei muito.

82 UMA COPA | QUINZE HISTÓRIAS

Em tempos de Copa do Mundo, resolvi ler um livro que comprei em 2013, pouco antes do início da Copa das Confederações, chamado 82 Uma Copa | Quinze Histórias. O livro é uma coletânea de contos de escritores baianos ou que adotaram a Bahia como moradia, tendo como organizador Mayrant Gallo. Editado pela Casarão do Verbo, o livro traz a visão de cada um destes escritores sobre a trágica eliminação do Brasil na Copa da Espanha em 1982, no fatídico jogo Brasil X Itália, quando nossa seleção que encantava o mundo perdeu inacreditavelmente por 3 X 2, sendo o atacante Paolo Rossi o autor dos três gols italianos. Tostão, craque da seleção tri-campeão em 1970, escreve a orelha do livro, na qual ele ele é muito feliz ao dizer que "a adoração ao Brasil de 1982, à Holanda de 1974 e à Hungria de 1954, que não foram campeões, contraria o lugar-comum de que a história é sempre contada pelos vencedores". A leitura é deliciosa, mesmo trazendo recordações tristes para quem torcia e acreditava que a seleção comandada por Telê Santana e recheada de craques como Falcão, Éder, Júnior, Cerezzo, Zico, Dirceu, entre outros, ergueria a taça e se sagraria tetra-campeã mundial, fato que só se concretizou 12 anos depois. Como qualquer coletânea, não há uma linearidade de qualidade nos contos, mas a maioria deles é sensacional. Destaco quatro deles: Decameron, de Sidney Rocha; A Culpa Foi Minha, de Rodrigo Melo; a ótima ficção Cartão Vermelho, de Elieser Cesar; e Toda A Arte do Futebol, de Lima Trindade. Leitura rápida e muito boa. Recomendo.

EPICE - GASTRONOMIA EM SÃO PAULO (SP)

Em fevereiro, tive uma semana de trabalho intensa em São Paulo. Na sexta-feira, quando terminadas as tarefas oficiais, eu, Karina e Alberto resolvemos aproveitar a excelente variedade gastronômica da cidade. Escolhemos o Epice, que fica na Rua Haddock Lobo, 1.002, Jardins. Era a segunda vez que eu ia ao restaurante, em ambas as oportunidades na hora do almoço, quando o menu é enxuto e fixo, com a famosa fórmula entrada + prato principal + sobremesa, para o qual cobravam, à época, o valor de R$ 49,00. O restaurante é pequeno, motivo pelo qual fazer reserva é essencial. Como decidimos ir de última hora, rumamos sem reserva, na esperança de encontrar mesa disponível. Para nossa sorte, chegamos antes de 13 horas, horário de maior movimento nos dias de semana. Havia uma única mesa, onde fomos acomodados. Havia duas opções de entrada, duas de prato principal e duas de sobremesa. Enquanto escolhia, pedi uma água com gás. Foi-me servida a água da marca Sempre Pura, daquelas que são levadas à mesa em charmosas jarras de vidro. O atendimento é muito bom, com garçons atenciosos, conhecedores dos pratos oferecidos e prontos para dar os conselhos solicitados pelos frequentadores. O chef Alberto Landgraf é jovem, mas já tem uma legião de fãs na cidade. Seu restaurante figura no 41º posto na lista dos cinquenta melhores restaurantes da América Latina. Ele pratica uma culinária com técnicas modernas, focando na cozinha brasileira. Por isso, utiliza, na maior parte dos pratos, itens bem conhecidos do povo brasileiro. Por utilizar produtos da estação e sempre frescos, haverá constantemente uma novidade no cardápio. No caso do almoço executivo, ele se altera todos os dias. Segui os conselhos do garçom na escolha dos três pratos do menu. Antes dos pratos chegarem à mesa, foi-nos servido um pequeno couvert, consistindo de quatro tipos de pães feitos no próprio restaurante, manteiga, azeite e sal grosso. Aparentemente simples, mas de sabor marcante. Deliciosos os pães. Vamos aos pratos:


Entrada - mandioquinha, creme fraîche e farelo de avelã - mistura de texturas interessante, como a maciez da mandioquinha, servida assada, preservando sua casca, quentinha, que ficou melhor ainda com o creme frio, que derreteu e entranhou na massa amarela deste tubérculo. O toque do farelo garantiu a crocância ao prato. Muito bom.

Prato principal - língua de boi, purê de batata e couve-manteiga - a língua é servida em pequenos pedaços levemente empanados. Novamente a mistura de texturas, com a tenra carne da língua, muito bem temperada, com a farinha utilizada para empaná-la. O purê de batata estava bem suave, quase desmanchando no contato com a língua. A couve, servida em pequenos pedaços rasgados, era frita, muito crocante. Excelente.


Sobremesa - torta de chocolate com sorvete de leite - a massa da torta me fez lembrar um cheesecake. Era levemente amarga, contrastando com o sabor doce do sorvete, que não gostei muito. Preferi comer a torta pura.







Ao final, um belo café espresso, encerrando com chave de ouro nossa semana em São Paulo. A conta, para três pessoas, ficou em R$ 228,58.

Epice
Rua Haddock Lobo, 1.002, Jardins
Fone: +55 11 3062 0866

gastronomia

TODOS OS MUSICAIS DE CHICO BUARQUE EM 90 MINUTOS


Em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, Rio de Janeiro, o musical Todos Os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos. Estava no Rio em final de semana anterior ao Carnaval, quando aproveitei a oportunidade para ir conferir mais um musical da atual profícua safra brasileira. Fui com Karina na sessão de domingo à noite. Teatro completamente lotado, especialmente por um público acima dos 60 anos, ou seja, uma geração que acompanha desde sempre a carreira de Chico Buarque. Não se trata de uma biografia, muito em voga nos palcos brasileiros, mas sim uma compilação das canções que Buarque escreveu para o teatro e para o cinema, devidamente utilizadas para contar a história de uma trupe teatral em viagem pelo interior do país com a montagem da peça A Dama das Camélias. A dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho assinam este musical, o que já garante uma certa tranquilidade, pois eles são primorosos no que fazem. Os arranjos e acordes para canções eternas de Chico estão muito bons e o elenco é afinadíssimo. Soraya Ravenle dá um show de interpretação, tanto como atriz, quanto como cantora. Cláudio Botelho também está em cena, como o dono da companhia de teatro, conduzindo o espetáculo como um narrador. É o que menos canta, mas isto não prejudica o restante do grupo. As mulheres tem maior presença em cena, algo normal, em se tratando do cancioneiro de Chico, ainda mais quando se referem às suas músicas feitas para espetáculos teatrais, como O Grande Circo Místico, Roda Viva, Ópera do Malandro, Calabar, Gota D'Água e Os Saltimbancos. Gostei de vários momentos, especialmente das interpretações de Geni e O Zepelim, quando os atores utilizam placas com a letra do refrão grudento, o que deu mais ênfase a ele; e de Mar e Lua, uma ode ao amor de duas lésbicas. O senão ficou por conta de uma mulher da plateia que insistia em cantar todas as músicas junto com os atores/cantores. Ela estava na minha fila e incomodava muito a todos que estavam à sua volta, pois atrapalhava a quem queria prestar atenção no musical. Ela cantava em voz alta, sem dar muita bola para os pedidos de silêncio. Para piorar, cantava no mesmo ritmo das gravações originais, às vezes ficando mais à frente do que acontecia no palco. Totalmente sem noção. Voltando ao musical, gostei muito e recomendo, mesmo para aqueles que não são fãs de Chico Buarque. Fica em cartaz no Rio de Janeiro até junho, estreando em São Paulo no mês de agosto.

artes cênicas

domingo, 20 de abril de 2014

ROSA

para LH

Henrique Luís comanda cerca de três mil pessoas no país. O rapaz é novo na repartição, mas alçou voos que muitos almejaram alcançar com muito mais tempo de casa do que ele e não chegaram nem perto. Méritos próprios. Sua mãe, toda coruja, até fez um comentário em uma foto por ele postada quando assumiu seu novo posto: "Este é o meu garoto! Vai longe este guri!" Em determinados dias HL, como é chamado pelos colegas mais próximos do trabalho, tem vontade de largar tudo e viver pacatamente em sua fazenda localizada no interior de Goiás. Quis o destino que ele largasse uma promissora carreira de veterinário no Canadá para entrar naquela repartição pública. Ao ler as pendências daquela sexta-feira, verificou que era chegada a hora da troca das credenciais de todos os colegas de trabalho, pois a atual vence no final do ano. Os trâmites burocráticos exigem uma antecedência de meses para que as novas credenciais fiquem prontas antes de expirar a validade das atuais. Definida a empresa para a confecção destas credenciais, chegou a hora de definir a cor. Tarefa fácil, pensou HL. O atual cartão de identificação é verde. Repetir a cor não era aconselhável e nunca tinha acontecido. Desde que elementos de segurança foram introduzidos no cartão, as cores verde, azul, vermelho, marrom e bonina já tinham sido usadas. Com o modelo atual nas mãos, ele ficou visualizando qual seria a melhor cor para a nova versão. Chamou Danette, sua assessora, consultando-a. Sem pensar, ela soltou: "rosa". Ele devolveu uma sonora gargalhada. Desligou o computador, fechou suas coisas e desejou bom final de semana para a assessora. Segunda-feira ele decidiria. Ao sair do prédio, notou uma movimentação intensa de gruas, caminhões e gente. Perguntou ao segurança o que era aquilo, recebendo a resposta de que o prédio seria adesivado no final de semana para uma campanha institucional da repartição. O que será desta vez?, pensou, lembrando das campanhas anteriores, com adesivos berrantes nas janelas de todos os andares. Entrou no carro, deu a partida e foi para casa. Morava no mesmo prédio onde sua namorada tinha um apartamento. Tinham uma festa para ir naquela noite. Como era uma festa de criança, tinham que sair mais cedo. Passou em casa, onde só teve tempo para uma rápida ducha, trocou de roupa e subiu um andar, batendo campainha na porta de Amanda. Ao abrir a porta, HL teve uma surpresa. Amanda estava vestida de rosa da cabeça aos pés, o que lhe provocou uma gargalhada, fazendo Amanda fechar a cara. HL teve que explicar o caso da credencial. Foram para a festa. A decoração do salão era toda em tons de rosa, desde o mais claro até o famoso rosa choque. Afinal, a aniversariante, que fazia seis anos, adorava a Barbie. HL então notou que todas as mulheres, não importando a idade, estavam com roupas da cor rosa. Que perseguição! Para piorar, parecia que a ditadura do rosa tinha se instalado, pois os doces eram glaceados de rosa e o bolo tinha uma camada de massa rosa. Começou a ficar irritado com aquilo. Amanda percebeu a cara de poucos amigos e o chamou para ir embora. HL aceitou sem pestanejar. De volta ao carro, ligou o som. O refrão de um sucesso de Rita Lee da década de oitenta se fez ouvir: "por isso não provoque, é cor de rosa choque, não provoque..." Ele desligou o rádio. Não quis saber de conversa o resto da noite. Na manhã de sábado, abriu as cortinas de sua janela, mirando o lago e o rebanho de pacas que insistia em passear por aquelas bandas todas os dias. Resolveu colocar um dvd de Chitãozinho e Xororó, mas não o encontrou. Ligou o rádio na Band News e ouviu o locutor dizer que apresentariam, logo após o intervalo, uma entrevista exclusiva com Alinne Rosa, contando tudo sobre sua saída da Banda Cheiro de Amor e a carreira solo. HL desligou o aparelho. Era melhor ir malhar na academia do prédio. Naquele horário era tranquilo, quase nunca tinha gente. Amanda não quis acompanhá-lo. Quando estava na esteira, ligaram o monitor de vídeo. Colocaram um show da Pink para animar os poucos que ali estavam. HL desistiu. Ao voltar para seu apartamento, passando pelo corredor que dá acesso a ele, em todas as portas tinham cartazes na cor rosa, com a hashtag #queremosrosa. Aquilo era uma brincadeira de mau gosto. Amanda tinha saído, deixando um recado escrito em um post-it rosa. Ele decidiu ir para casa de sua mãe. Lá nada era rosa. Quando entrou na sala do apartamento onde sua mãe morava, um perfume de rosas dominava o ambiente. Um grande arranjo de rosas na cor rosa enfeitava o centro da mesa. Sua mãe estava na cozinha preparando a sobremesa do almoço. Doce de manga rosa. HL não sabia mais o que fazer. Tomou dois comprimidos de Tylenol PM e logo capotou, só acordando no domingo. Foi checar seus e-mails e duzentas mensagens apitaram em seu celular. Todas tinham a mesma frase: queremos rosa! Realmente as coisas começaram a ficar desesperadoras. Saiu para correr no parque. Quaresmeiras floridas que sempre estavam naquele parque, e quase nunca lhe chamaram a atenção, agora lhe provocavam com suas flores intensamente rosas. Quis que a segunda-feira chegasse logo. E ela chegou. Ao estacionar o carro, custou a acreditar no que estava vendo. Fechou os olhos e os abriu novamente para se certificar de que não estava sonhando. Era verdade. O prédio da repartição estava todo adesivado de rosa. Que campanha era aquela? Não podia ser o tal outubro rosa, pois para aquele mês ainda faltava muito. Entrou sem dar sequer um bom dia para os porteiros, algo que fazia todos os dias. Como se estivesse cego, não viu mais nada até chegar em sua sala, onde o quadro de avisos exibia apenas uma reluzente palavra: ROSA. Que campanha era aquela? Chamou Danette, mas ela ainda não havia chegado. Pediu à sua secretária um copo de água, mas exigiu que fosse servido em um copo de vidro transparente. Não queria mais nenhum objeto rosa em sua frente. As pessoas começaram a chegar. Parecia que todos tinham combinado. Homens e mulheres usavam pelo menos uma peça na cor que ele passara a odiar nos três últimos dias. Carminha entrou em sua sala toda alegre para dizer que tinha ganhado de seu namorado a coleção completa do desenho animado da pantera cor de rosa. Ele cuspiu marimbondos, assustando Carminha, que saiu correndo da frente de HL. Baixou a cabeça, fechou os olhos e respirou fundo. Meditou, pedindo um sinal para ele definir a cor da credencial. Foi interrompido por sua secretária dizendo que alguém tinha mandado entregar um vaso de gérberas. Ela queria saber onde colocar. Apostando que eram flores rosas, HL disse que era para colocar bem longe dele. A secretária insistiu, dizendo que eram lindas e tinham uma cor muito viva. Em tom jocoso, HL disse: aposto que a cor viva é rosa choque! Ela entrou com o vaso. As flores tinham a cor laranja. Era o sinal que acabara de pedir.

sábado, 19 de abril de 2014

CORAÇÃO NA BOCA

para Karina


Ao acionar o controle remoto para abrir o portão da garagem do prédio onde morava, Frida teve uma sensação ruim. Ficara fora por dez dias, viajando a serviço, e não tinha mais visto Kellington, seu vizinho do terceiro andar. Eles se conheceram no elevador e começaram um relacionamento. A princípio, tudo eram flores, mas com o passar das semanas, o casal começou a ter um esgarçamento na relação. Um dia antes de Frida viajar, os dois discutiram muito por causa de um suposto caso amoroso paralelo que, segundo Kellington, Frida cultivava, peleja que durou a madrugada inteira. Inseguro com a desenvoltura de sua namorada, ele aproveitou que ela estava no banho para vasculhar seu celular. Dois dias antes, ele a viu digitar sua senha, de fácil memorização. Assim, teve acesso às mensagens enviadas e recebidas no telefone de Frida. Uma conversa longa lhe chamou a atenção. E foi por causa desta troca de mensagens que os dois discutiram durante horas. Frida voltou arrasada para seu apartamento. Era o fim. A viagem de trabalho serviu para amenizar a angústia, mas a realidade seria novamente encarada quando ela voltasse. E aquele momento que não queria que acontecesse chegou. Ao entrar na garagem, era obrigatório passar pele vaga de Kellington. Temia ver o seu carro. Pela hora, já no início da noite, a possibilidade de ver o carro era muito grande. Não deu outra. O Fiat Idea Adventure estava estacionado. O coração veio à boca de Frida. Ficou desconcertada. Quase bateu o seu carro na pilastra ao engatar a ré para estacioná-lo em sua estreita vaga. Pegou o elevador. As batidas do coração preenchiam a boca, os olhos, os ouvidos, o nariz. Era difícil sorver o ar. O elevador parou no terceiro andar. As pernas bambearam, uma nuvem escura tampou sua visão. O estômago estava vazio, mas a ânsia de vômito foi fatal. A porta se abriu e uma senhora apareceu. Queria descer, mas Frida estava subindo. Estava mais alva do que era. A senhora percebeu que algo não estava bem, perguntando-lhe se precisava de ajuda. Frida nada respondeu. Seus pensamentos estavam em outra dimensão. A porta se fechou. Mais um andar. Seu andar. Cambaleando foi até a porta de seu apartamento, passando por sua nova vizinha, a mineira Karina, sempre pronta para ajudar. Obviamente que Karina lhe ofereceu ajuda, mas Frida passou reto. Custou para abrir sua porta. Entrou, viu o sofá e caiu nele. Ficou por mais de duas horas sem sair do sofá. O pensamento estava a mil. Tinha que vencer aquele sentimento forte. Era hora de sair. Elaine, sua amiga mais próxima, tinha lhe falado sobre um ótimo bar que inaugurara há uns três meses na cidade. O diferencial eram os garçons, cada um mais interessante do que o outro, segundo ela. Decidiu sair. Tomou um longo banho, colocou um vestido esvoaçante, uma sandália confortável, pouco maquiagem no rosto, chamou um táxi, pois queria beber para esquecer de tudo. Sairia sozinha. Usou um aplicativo no seu celular para pedir um táxi, que logo chegou. No carro, deu o endereço para o motorista. Durante o percurso até o bar, seus pensamentos revolviam um passado recente. Nem viu o carro parar. O motorista teve que falar mais alto para ela voltar ao mundo real. Pagou o preço que indicava o taxímetro e desceu. O letreiro do bar chamava a atenção de quem passava, em estilo retrô, um neon forte, cintilava o seu nome “Antonio’s Bar”. Tinha muita gente do lado de fora, principalmente mulheres. A concorrência estava acirrada na cidade, famosa por ter muito mais mulheres do que homens. Frida entrou, pediu uma mesa para três pessoas. Era um truque antigo que ela utilizava quando saía sozinha para jantar. Caso contrário, se falasse que estava só, a mesa que lhe dariam seria bem pequena, geralmente encostada em uma pilastra ou escondida de todo mundo, perto de uma passagem para os banheiros ou para a cozinha. Qualquer questionamento depois de sentada, diria que recebeu uma mensagem de que as pessoas que a acompanhariam tiveram um imprevisto e não mais poderiam ir. Júlia era o nome da recepcionista do bar que a levou até a mesa. Estava em local bem posicionado, com ampla visão para todo o salão, além de poder ver quem chegava ou saía do bar. De onde estava, conseguia ver todos os garçons. Nenhum era um deus grego como Elaine lhe falou. Pediu um drinque com uísque, angustura, soda, gelo e ginger ale, além de uma porção de pastéis fritos com um inusitado recheio de atum com ervilha. Logo se deixou levar por seus pensamentos novamente, sem prestar atenção no que acontecia a sua volta. Somente voltou para a cena do bar quando um casal chegou para ficar na mesa ao lado da sua. Era sua vizinha mineira acompanhada por um bem vestido homem. Parecia que os dois já eram fregueses do bar, mesmo com tão pouco tempo de funcionamento, pois o garçom lhes perguntou se beberiam o de sempre. Aumentaram levemente o volume do som. Tocava Drive My Car, música dos Beatles. Frida esboçou um sorriso, pois era a banda que mais gostava. Alguns amigos lhe diziam que ela era mais velha de cabeça do que a sua idade real, já que gostava de Beatles e de Chico Buarque, embora tivesse nascido muito depois do auge do sucesso de ambos. Na verdade, quando ela nasceu, os Beatles já tinham se separado. O garçom voltou com os drinques da mesa ao lado, cochichando no ouvido do homem. Ele se levantou e pediu licença para a mulher que o acompanhava, pois precisava resolver um problema na entrada do bar. A vizinha puxou conversa com Frida. Assim, descobriu que o tal homem era Antônio, o dono do bar e que alguém estava querendo entrar de qualquer forma naquele momento, mesmo sabendo que o bar estava lotado. Frida imaginou a cena do lado de fora. Estava sozinha em uma mesa que cabiam quatro. Porque não convidar o encrenqueiro para sua mesa. Ela queria adrenalina e aquela poderia ser uma ótima oportunidade. Pediu para a sua vizinha vigiar a mesa, pegou sua bolsa e se dirigiu à portaria. Para sua surpresa, a pessoa que queria entrar de qualquer forma era Kellington. Os olhos de ambos se cruzaram. Novamente seu coração veio à boca. Ele sorriu, vindo em sua direção. Fitou seus olhos bem no fundo, abrindo os braços para abraçá-la. Frida não esboçou nenhuma reação. Ele se aproximou mais e no momento em que iria envolvê-la em seus braços, Frida deu dois passos para trás. Virou-lhe as costas, voltando para sua mesa. Kellington pertencia ao passado. Queria viver aquele presente. A vontade de aventura passou. Acabou de beber o drinque e pediu a conta. Olhava para o infinito quando um garçom alto lhe entregou a nota. Ela ficou hipnotizada com a estampa do rapaz. Era o deus grego que lhe falaram. Sacou seu cartão de crédito, entregando-o para o garçom sem tirar os olhos de seu rosto. Digitou a senha, perguntando se era possível lhe trazer uma garrafa de água mineral, pois uma repentina sede secara sua boca. Muito educado, o garçom respondeu afirmativamente, perguntando-lhe se desejava mais alguma coisa. Sem nenhuma inibição, Frida respondeu imediatamente: VOCÊ! Seu coração veio à boca pela terceira vez no mesmo dia. Já virara especialista.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

CACOS DE UMA TAÇA DE CRISTAL

para Cris


A festa já rolava há mais de três horas. Turma de amigos que eram também colegas de trabalho. Um jantar na casa de um deles, preparado por Edcléia, uma amiga do grupo que morava em outra cidade. Animação geral, com eclética trilha sonora. Na medida em que o tempo passava e o teor etílico no ambiente aumentava, os estilos musicais também se modificavam. Naquela altura, era o funk o ritmo da vez. Clarissa dançava sensualmente provocando gargalhadas das mulheres e um certo rubor nos homens presentes. Ela adorava mostrar o quanto tinha aprendido em suas aulas de dança. Seus olhos fixavam apenas um par de olhos em toda a festa e não eram olhos da turma ruborizada. Resolveram apagar as luzes e aumentar o som. O dono da casa ficou preocupado com o barulho e as possíveis reclamações que não tardaram a acontecer. Logo o interfone tocou. Era o porteiro pedindo para abaixar o volume, pois o vizinho do terceiro andar tinha ligado reclamando que queria dormir. Geane era a mais animada, batendo palmas e achando tudo lindo, embora tenha sido uma das poucas a não ir para o centro da sala, cujos móveis já tinham sido arrastados para as laterais. Ela tinha acabado de chegar de um retiro onde praticara a meditação por longos dez dias. Como a galera insistia para ela também dançar, resolveu fazer outra coisa. Começou a recolher pratos, talheres e taças usados, levando-os para a cozinha. O anfitrião, ao perceber aquilo, tentou impedi-la, dizendo que no dia seguinte uma pessoa arrumaria a casa. Geane ignorou os apelos e continuou a retirar os utensílios do serviço de jantar. Para desespero do anfitrião, ela arregaçou as mangas e começou a lavar os talheres. Ali na cozinha ela balançava o quadril no embalo da música de Mr. Catra que animava a turma lá na sala. Terminou os talheres, passando para os pratos, tudo sobre o olhar atento e preocupado do anfitrião, que vendo que não adiantavam os pedidos para ela parar, pegou um pano de prato e passou a enxugar o que Geane punha no secador de pratos. Enfim, era a vez das taças. Ele pegou a esponja própria para lavá-las, com a intenção de trocar de lugar com Geane na pia, mas não conseguiu. A esponja quase foi arrancada de suas mãos. E num ritmo cadenciado, ela entrou em um transe, passando a esponja com suavidade em cada taça, como se acariciando aqueles finos objetos. Foi assim com a primeira, a segunda, e todas as demais, até que chegou a última delas. O anfitrião não acreditou no que passou a presenciar. Geane olhou para a taça, fechou os olhos, envolvendo-a em suas mãos. Um tremor pelo corpo, como se fosse um espasmo muscular, e uma pressão forte dos dedos quebraram a taça, voando estilhaços para todos os lados. O sangue jorrou quente, vermelho, caudaloso, vivo. Ela ficou parada, como se não sentisse nada. O anfitrião não sabia o que fazer. Sacudia a mulher? Tirava o que restara da taça de suas mãos? Colocava a mão cheia de sangue debaixo da água corrente que escorria da torneira da pia? Chamava alguém na sala para ajudar? Ficava quieto? Ver sangue não era o seu forte. E logo veio o escuro em seus olhos. A queda foi consequência. Geane continuou em pé. O sangue ainda escorria forte entre seus dedos. O barulho do corpo do anfitrião batendo no chão foi ouvido da sala. Logo a turma estava toda na cozinha. Cada um pensava uma coisa diferente, mas a ideia comum era que Geane tinha feito alguma coisa com o anfitrião. Como ele tinha caído perto dos pés de Geane, o sangue que estava no chão sujou sua pele, parecendo que ele estava ferido. Os cacos de cristal pelo chão só podiam indicar que ele fora ferido por Geane. Alguém gritou para chamar uma ambulância. Outros gritaram para chamar a polícia. Edcléia e Clarisa já tinham partido. A noite era uma criança para aquelas duas que amavam um amor proibido. Sacudiram Geane, mas ela não saía do seu transe. Observaram que o anfitrião respirava normalmente, o que gerou um alívio na turma. A ambulância chegou rápido. Primeiro atenderam o homem caído no chão. Com alguns procedimentos de rotina, os profissionais de saúde conseguiram com que o anfitrião se recuperasse do desmaio. Ele logo esclareceu que Geane não tinha culpa de nada. E ela continuava em pé, olhos fechados, mãos cerradas nos cacos da taça de cristal, sangue pisado pelo corpo, rígida. Custaram a tirá-la da cozinha, colocaram-na em uma maca e partiram para o pronto socorro mais próximo. Na ambulância, dois amigos foram juntos. A festa acabara. No dia seguinte, o anfitrião viajou a trabalho. Seriam três semanas no outro lado do mundo, no Timor Leste, onde teve dificuldades de comunicação com o Brasil. Não soube de nada em relação à Geane. Ficou preocupado com a falta de notícias, mas o jeito era esperar a sua volta. Concluída a tarefa no exterior, o anfitrião retornou para casa. Ao abrir a porta, um forte cheiro de ferro entrou por suas narinas. Seria o sangue de Geane que ainda estava na casa? Não era, pois o apartamento estava completamente limpo, arrumado, conforme ele tinha combinado com Maura, sua diarista, que também deixara na mesinha de canto as cartas que chegaram durante sua ausência. Desarrumou a mala, tomou um banho, deitou. Estava muito cansado, mas não conseguiu dormir. Resolveu ligar para saber notícias de Geane. Ninguém atendeu suas ligações. Pensou o pior. Tomou um remédio para dormir e em dez minutos já estava em sono profundo. O dia já ia longe quando acordou. Era domingo. Aproveitou o tempo livre para ler as correspondências. Um envelope de cor vermelha lhe chamou a atenção. Vinha dela o cheiro de ferro. Tentou abrir, mas não conseguiu rasgar o papel. Forçou bastante, quando um líquido vermelho, como sangue, começou a escorrer do interior da carta. Ficou apavorado, mas continuou. Quando conseguiu romper o envelope, cacos de cristal caíram pelo chão da casa. O interfone tocou. O porteiro disse que uma mulher chamada Geane tinha deixado na portaria um pacote no dia seguinte daquela festa. Ele interfonou para avisar que estava subindo para entregá-lo. Se Geane deixara o pacote, sinal que ela estava bem. Respirou aliviado. Ao abrir a caixa de papelão, uma surpresa. Era uma taça de cristal novinha, igual à que Geane tinha esmagado com suas mãos. Um bilhete acompanhava a taça. Uma simples frase: aceite esta taça como um pedido de desculpas. Um sorriso leve apareceu em seus lábios. Olhou para o chão. Os cacos que caíram do envelope vermelho tinham desaparecido. Procurou o envelope e nada achou. Estaria louco? Talvez fosse efeito do remédio aliado à fadiga da longa viagem contra o fuso horário, pensou. Colocou a taça na mesa ao lado da porta e só então percebeu que o porteiro ainda estava em pé em sua frente. Agradeceu e, quando ia fechar a porta, o porteiro lhe fez uma observação: “acho que o senhor cortou a mão com alguma coisa, pois ela está cheia de sangue”. O anfitrião foi ao chão.

conto

quarta-feira, 16 de abril de 2014

BERÇO DO BARROCO BRASILEIRO E SEU APOGEU COM O ALEIJADINHO


Domingo, 13 de abril. Depois de um passeio pelo ParkShopping, resolvi dar uma passada na Caixa Cultural para conferir a exposição Berço do barroco brasileiro e o seu apogeu com o Aleijadinho, com curadoria de Marcelo Coimbra, em cartaz na Galeria Principal até o próximo dia 11 de maio. Como sempre acontece, a entrada é gratuita. Não é permitido entrar com mochilas, bolsas e sacolas nos espaços expositivos. Para guardar seus pertences, o local oferece uma série de armários cuja chave fica em nosso poder. A galeria estava com um público atento a todos os detalhes das peças e lendo todos os textos que contam um pouco sobre o barroco e sobre Aleijadinho. A cenografia é um caso à parte, com mobiliário da mesma época das peças, com móveis grandes elaborados com madeira pesada, como é o caso de uma arca que era usada para armazenar grãos. Tais móveis servem de apoio para as peças. Assim, tornam-se coadjuvantes para as esculturas sacras de beleza ímpar. Ao todo, são 140 itens expostos. Logo na entrada estão as imagens de santos datadas do início do barroco brasileiro, com obras de Frei Agostinho de Jesus. Há uma série de imagens que tem feições indígenas, mostrando que os religiosos ensinavam a arte de esculpir imagens sacras em sua catequização no Brasil. Mas a parte que chama mais a atenção são as 47 peças atribuídas a Aleijadinho. A maioria delas está colocada em pedestais que giram lentamente, permitindo ao visitante ver os muitos detalhes das imagens. As características imortalizadas em peças que hoje estão em Ouro Preto e Congonhas, ambas em Minas Gerais, possibilitaram a um especialista a atribuir a Aleijadinho a autoria destas imagens em exposição na Caixa Cultural. Ao fundo, uma reprodução de uma capela, com bancos de madeira, ajuda a manter o clima de reverência a este grande artista plástico brasileiro. Entre as imagens, duas delas são inéditas em exposições públicas, o Cristo Bailarino e a Nossa Senhora das Dores. É permitido fotografar, desde que sem uso do flash. Visita obrigatória para quem gosta de arte.

artes plásticas

TAMBÉM QUERIA TE DIZER - CARTAS MASCULINAS


Estava sábado à tarde na Livraria Cultura do Conjunto Nacional em São Paulo dando uma olhada em guias de turismo e livros, quando vi um banner anunciando as peças em cartaz no Teatro Eva Herz, localizado no interior da livraria. Sem muita expectativa de conseguir ingresso para aquela mesma noite, fui até a bilheteria. Para minha sorte, ainda havia lugar para o espetáculo das 21 horas. Como sou cliente Mais Cultura, paguei meia entrada para conferir a peça Também Queria Te Dizer - Cartas Masculinas. Não tinha nenhuma referência sobre o texto. Poderia gostar ou não, mas resolvi viver a experiência. Cheguei ao teatro dez minutos antes do horário previsto para o início da sessão. As portas foram abertas às 21 horas em ponto. Rapidamente o público ficou acomodado. O teatro estava com 2/3 de sua capacidade ocupados. O palco já estava desnudado, aparecendo o cenário, que parecia um ateliê de um artista plástico. Partindo de texto de Martha Medeiros, o ator Emílio Orciollo Netto nos transmite as inquietações de seis homens que, não tendo coragem ou oportunidade para se expressarem ao vivo e a cores, resolvem fazê-lo por meio de cartas. Seis cartas, seis homens, seis histórias. O ator, muito bem dirigido por Victor Garcia Peralta, faz uma composição bem interessante para cada um dos seis homens. Ele não troca de roupa. A passagem de uma carta para outra é pontuada pela trilha sonora, pela iluminação e pelo gestual do ator. Temas como ciúme, culpa e preferência sexual desfilam durante os cinquenta minutos de duração da peça. Entre os personagens, um homem que apresenta sua carta de demissão, um padre que revela uma confissão, e um artista plástico irado com as críticas referentes à sua última exposição. São depoimentos que emocionam, que nos fazem refletir, que nos tocam profundamente. Ao final, o ator ficou para conversar com o público sobre o texto, como fez a composição dos personagens, entre outras curiosidades.  Gostei muito. Para quem se interessar, a peça fica em cartaz no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura do Conjunto Nacional em São Paulo até o início de junho, sempre nos finais de semana.


artes cênicas

segunda-feira, 14 de abril de 2014

OBSESSÃO INFINITA - YAYOI KUSAMA

A exposição Obsessão Infinita segue firme e forte no CCBB de Brasília até dia 28 de abril. As obras da artista plástica japonesa Yayoi Kusama estão fazendo um super sucesso na capital brasileira, assim como já tinha acontecido quando passou pelo CCBB do Rio de Janeiro. Vi uma pequena parte no Rio e desde então me encantei com a obsessão que ela tinha por bolas de todos os tamanhos, assim como pelo sua compulsão por produzir. Conhecia quase nada de Kusama, o que me despertou o interesse de pesquisar. Ainda bem que estamos em época de internet, embora as pesquisas tem que ser bem feitas para não aprofundar em informações falsas ou superficiais. Depois que li sobre ela, fiquei mais interessado em conhecer suas obras. Por causa disto, já conferi a exposição no CCBB por três vezes e em todas eles me surpreendi. A atração que suas obras exerce nas pessoas é muito interessante. Fiquei a pensar se quando vemos seus quadros, instalações, vídeos, as bolas, os espelhos, estaríamos nos colocando no lugar dela, que deixou as amarras da sociedade de lado e colocou para fora suas inquietações, suas obsessões, sua compulsão por determinados temas, como as já citadas bolinhas e os objetos fálicos. As duas salas de espelhos ajudam nesta interação do público com a obra de arte, quando nos vemos inseridos no mundo que se repete como se fosse um moto contínuo. Não é a toa que as duas salas com as instalações com espelhos são as mais buscadas, chegando a ter fila para poder entrar literalmente na obra de Kusama. A japonesa se internou em 1977 em uma clínica psiquiátrica e lá vive até hoje, mas nunca deixou de produzir como podemos ver em uma das galerias do CCBB, onde estão expostas as pinturas mais recentes, datadas dos anos 2000, que repetem temas recorrentes na vasta produção da artista, sempre de forma compulsiva. E ainda há possibilidades de cada um viver seu momento Kusama em uma sala onde cada visitante recebe uma cartela com adesivos coloridos em formato de círculos para pregar no ambiente, decorado como se fosse um cômodo de uma casa. A cada minuto, o cômodo se transforma pela intervenção dos visitantes. Gostei muito e ainda penso em ir mais uma vez antes que ela saia de cartaz. Em uma das minhas visitas, fui quando a noite já dominava o céu da cidade. A lua estava cheia, como se quisesse também fazer parte daquele momento, como pode ser notado na fotografia que tirei. Até os astros conspiram a favor desta japonesa que foi uma precursora da arte moderna, com obras que anteciparam o movimento pop art, cuja expressão máxima é o também ótimo Andy Warhol, que, inclusive, conviveu com a artista quando ela morou em New York. Exposição impactante, apaixonante, imperdível.


domingo, 13 de abril de 2014

OCUPAÇÃO ZUZU

Estava em São Paulo no sábado, dia 05 de abril. O dia amanheceu lindo, com céu azul. Fazia um calor gostoso. Fui conferir a exposição no Itaú Cultural que tinha sido aberta para visitação pública no primeiro dia de abril, permanecendo em cartaz até o dia 11 de maio. Entrada gratuita. Aproveitando o marco histórico de 50 anos do golpe militar que instaurou a ditadura no Brasil por duas décadas, o programa Ocupação Itaú Cultural, em sua décima sétima edição, homenageia a estilista Zuzu Angel, que travou uma batalha para tentar descobrir o paradeiro de seu filho Stuart Angel, morto pelos militares. Ela própria foi vitima do regime que vigorava à época no nosso país, morta em um suspeito acidente de trânsito. A exposição, ou melhor, a ocupação, chama-se Ocupação Zuzu e toma conta de quatro espaços do centro cultural. A linha do tempo, com confortáveis sofás para consultarmos livros e tablets, fica no térreo. No segundo subsolo acontecem bate papos, palestras. No primeiro andar está a parte mais alegre, com vestidos, cartas, fotos, revistas, vídeos, uma réplica do ateliê, onde cada visitante pode interagir, deixando sua mensagem escrita em um pedaço de pano pregada no mural localizado na parede da esquerda de quem entra. As roupas e desenhos indicam o estado de espírito da estilista naqueles tempos tranquilos. Já no primeiro subsolo fica a parte mais sombria da ocupação. As paredes e o teto estão pintados de preto. Neste espaço, a história de Stuart, e de vários outros desaparecidos no regime limitar, é contada. No áudio, ouvimos uma entrevista emocionante de Zuzu. Há vestidos mais fechados, escuros, com nítida influência da aflição e da indignação que a estilista vivenciava. Seus desenhos de canhões, quepes, gaiolas e o sol enclausurado, que ilustravam suas coleções, também expressavam esta amargura. Belo e triste ao mesmo tempo. Neste andar também há possibilidades de interagir. Uma mesa, papel e caneta estão disponíveis para quem quiser escrever uma carta para um desaparecido, seja ele quem for, até mesmo uma história inventada. Há possibilidades, desde que devidamente autorizado pelo visitante, da carta ser publicada no site do espaço cultural. Além da exposição, há diversos outros eventos que acontecem durante a Ocupação Zuzu, tais como performances, mostra de filmes que tem como tema central o contexto sociopolítico do regime militar, debates com estilistas, rodas de conversa e encontro com professores.
Exposição marcante, bonita, emocionante. Valeu a visita!

sexta-feira, 14 de março de 2014

UM CACHORRO

para Getúlio


Pronto. A mala estava arrumada. Não faltava mais nada para sua viagem de férias. Tinha ligado para a cooperativa de táxi que o atendia agendando um carro para 9 horas. Tinha uma folga considerável para o seu voo, cujo check in também já tinha feito pela internet. No cartão de embarque estava escrito que ele deveria estar no portão indicado às 13:10 horas. Estava ansioso, pois há muito não fazia uma viagem. E ainda iria para Paris, sua cidade preferida. Ele olhou o relógio. 7 horas. Seus pés sentiram uma lambida. Era Getúlio, seu cachorro, que pressentia que ele o deixaria por um período longo. Pegou o cachorro no colo, acariciou sua cabeça, coçou sua barriga, o que ele adorava. Ficou assim por alguns minutos. Em seguida, checou se tinha colocado tudo de Getúlio em uma sacola grande. Ração especial, pois o cachorro era alérgico, vasilhas para colocar água e comida, cama, manta, tapete higiênico, três brinquedos, osso para mastigar, um rolo de sacos plásticos para recolher o coco durante o seu passeio diário, coleira e os remédios para controlar a alergia. Tudo estava lá na sacola. Getúlio o olhava com olhos marejados, como quem sabia de algo. Uma colega de trabalho se dispusera a ficar com o cachorro durante a sua ausência. O horário combinado para buscar Getúlio era às 7 horas. Ela estava atrasada. Os ponteiros do relógio corriam e ela não aparecia. Resolveu ligar. Tentou inúmeras vezes. O celular tocava até cair na caixa de mensagens. Em todas, deixou recado. Ele não tinha o endereço da colega. Ligou para outros colegas de trabalho, mesmo sendo sábado, mesmo sendo tão cedo. Sem sucesso. Aqueles que atenderam não sabiam onde ela morava. O interfone tocou. Ele correu para atender, tropeçando em Getúlio, que emitiu um som esganiçado, enfiou o rabo entre as pernas, baixou a cabeça, disparando para debaixo do móvel da sala, onde sempre se refugiava quando fazia alguma coisa errada. Não era a colega de trabalho. Era o porteiro informando que o seu táxi chegara. Estava quinze minutos adiantado. Uma grande interrogação apareceu em sua mente e serpenteou para fora de sua cabeça, ocupando todo o espaço da cozinha. “O que fazer com Getúlio?” Sem pensar muito, pegou sua bagagem, o cachorro e as coisas dele, deu uma olhada geral no apartamento. Uma furtiva lágrima escorreu do lado direito de seu olho direito. Fechou a porta e esperou o elevador de serviço, por onde teve que descer por causa das regras do condomínio, já que estava com o cachorro. No saguão do prédio, pediu ajudou ao porteiro a quem abraçou apertadamente depois de tudo colocado no carro. O taxista sabia do seu destino. Ele entrou no carro segurando Getúlio, que estava bem alegre de estar junto ao seu dono. Lembrou-se da casa em que morara quando adolescente, dando o endereço ao motorista. Disse que precisava deixar o cachorro antes de ir para o aeroporto. Ele sabia que a casa estava vazia. No percurso, travou uma conversa com o taxista sobre criar animais domésticos. O motorista disse que morava em uma casa, era casado e tinha duas filhas pequenas. Nunca teve animal, pois achava que dava muita despesa e que não queria se apegar a um bichinho tão indefeso como parecia ser Getúlio. Ele rebatia tudo que o taxista dizia, sempre enaltecendo os pontos positivos de se ter um animal de estimação. Getúlio, que tinha completado 3 anos no dia 14 de março, lhe proporcionava alegria, lhe fazia companhia, entendia seu estado de humor, ficando quieto quando chegava com cara amarrada em casa e balançando o rabinho quando chegava feliz. Era adorável. Getúlio correspondia àquelas palavras com lambidas carinhosas em sua mão. O taxista via tudo o que acontecia de seu espelho retrovisor. Chegaram ao endereço. A casa tinha aspecto de mal assombrada. Precisava de uma boa reforma. Ele saiu do carro com o cachorro e procurou a campainha. Não a encontrou. Na verdade, não havia. Há muito fora roubada e ninguém a repôs. Bateu palmas. Sabia que não seria atendido, mas esperou. Começou a andar de um lado para o outro na calçada, aparentando nervosismo. Parecia um teatro, mas ele suava de verdade. Sua camisa logo ficou molhada debaixo dos braços. O suor escorria de sua testa. Ele se virou para o taxista e começou a chorar. O motorista não sabia o que fazer. Ele entrou no carro novamente, com o cachorro no colo. Chorava igual a uma criança, com lágrimas rolando em sua face, nariz fungando, choro compulsivo. O motorista tentou acalmá-lo. Ele disse que tinha que viajar, iria deixar Getúlio com uma colega de serviço, mas ninguém estava na casa. Não tinha como deixá-lo em um hotel de cachorro àquela altura dos acontecimentos, pois os que ele conhecia eram muito disputados e exigiam reserva prévia. Ele repetia a mesma pergunta: “O que vou fazer? O que vou fazer?”. O taxista começou a se envolver com a questão. Perguntou quantos dias ele iria ficar fora. Apenas sete dias, respondeu. Ele continuava a suar e a chorar. O motorista perguntou se Getúlio dava trabalho. Rapidamente respondeu que o cachorro era dócil, educado, fazia suas necessidades apenas do lado de fora do apartamento e que na sacola tinha tudo o que ele precisava para dez dias. “Dez dias?” “O senhor não disse sete?” Ele explicou que sempre colocava comida e remédios além da conta, para situações imprevistas. Vendo a situação de seu passageiro, o taxista se ofereceu para ficar com Getúlio durante aqueles sete dias. Afinal, morava em uma casa, com amplo quintal e suas filhas iriam adorar ter a companhia de um animal por uma semana. Enxugando as lágrimas, ele agradeceu a gentileza, escrevendo em um pedaço de papel os horários dos remédios do cachorro e a quantidade de ração que ele deveria colocar por vez para Getúlio comer. Ainda escreveu seu endereço e o número do seu celular. A ideia era passar primeiro na casa do taxista, mas ao olhar o relógio, ele notou que o tempo de folga que tinha para seu voo tinha evaporado. Eram 10:40 horas. Foram direto para o aeroporto. Lá, ele desceu do carro, afagou Getúlio, mirou em seus olhos dizendo que voltaria logo. Agradeceu ao motorista, pagou o triplo do que marcava o taxímetro, pegou sua bagagem e cruzou a porta do aeroporto sem olhar para trás. O taxista foi para sua casa deixar o cachorro e continuar seu trabalho. Getúlio não estranhou os novos amigos, especialmente as duas meninas, que gritaram de alegria ao vê-lo. A casa tinha um enorme quintal, onde ele se esbaldou de tanto correr, de brincar, de descansar. A mãe das garotas reclamava muito, pois era ela que tinha que dar os remédios para o bichinho, já que seu marido saía cedo para trabalhar, retornando somente no início da noite. Ele dizia que uma semana passava logo. Sete dias depois, passou o dia a esperar uma ligação, pois também dera seu número para o dono de Getúlio. Combinaram de que ele o buscaria no aeroporto. Não houve nenhuma ligação. Poderia ter havido um imprevisto, mas a angústia de receber uma ligação aumentou nos três dias seguintes. Ele tentava ligar, mas sempre a ligação caía em caixa postal. Acabara tudo de Getúlio. Teve que comprar comida e remédios. Achou tudo caro. Sua mulher reclamou dos gastos extras e ainda de ter que dar banho no cachorro, pois ele não cheirava bem depois de dez dias. Ela providenciou o banho. As meninas adoraram. Getúlio também gostava daquele banho de mangueira, no quintal, sob o sol ardente. No décimo quinto dia, o motorista resolveu ir até o prédio onde pegara seu passageiro. Lá chegando, se apresentou ao porteiro. O pior que nem sabia o nome do cara. Mas ao mencionar Getúlio, o porteiro soube de quem se tratava. “Ele não mora mais aqui”, foi a frase que o motorista ouviu. Surpreso, ele quis saber mais, mas o porteiro só sabia que no dia seguinte ao da viagem, a ex-mulher do dono de Getúlio chegou com um caminhão de mudanças e levou tudo do apartamento, que era alugado. O contrato de aluguel tinha vencido no dia da mudança. O apartamento ainda estava vago, com anúncio em uma imobiliária. O porteiro não sabia mais nada. Nem onde a mulher morava, nem para onde o cara tinha viajado. Voltou arrasado para casa. Quis ajudar e foi passado para trás. O que iria dizer à sua mulher? Resolveu não mais trabalhar naquele dia. Ficou sentado em uma praça, vendo a cidade passar em frente aos seus olhos. No início da noite, retornou para seu lar. Ele era o novo dono de Getúlio. Do outro lado do mundo, em Tóquio, ele entra em um pet shop, vê um cachorro, pergunta o preço, mas não o leva para casa. O pequeno cão tinha três anos, completados em 14 de março. Seu olhar pedia para ser levado dali. Uma imensa saudade de Getúlio invadiu seu coração. Pensou em ligar para o motorista, chegando a pegar o celular. Desistiu. Não tinha volta. Sua decisão estava tomada.

terça-feira, 11 de março de 2014

CONFRARIA VINUS VIVUS - 85ª REUNIÃO

No dia 10 de março de 2014, a Confraria Vinus Vivus se reuniu para mais uma degustação. Escolhemos uma harmonização com chocolates, nos moldes da que Leo Soares, Vera e Cláudia fizeram quando em viagem pela África do Sul. Os chocolates foram comprados na vinícola Waterford Estate, localizada em Stellenbosch, em plena região vinícola sul-africana. Mais uma vez, André não pode estar presente, sendo substituído por Marcus. Seguem os vinhos da noite.

Vinho 1 – Reyneke

Safra: 2010.
Álcool: 13%.
Casta: 100% chenin blanc.
Produtor: Reyneke.
Região: Stellenbosch, África do Sul.
Cor: amarelo dourado.
Aromas: mineral, defumado, damasco.
Boca: sem manifestação dos confrades.
Estágio: 10% do vinho fermenta e estagia em barricas. O restante não estagia.
Importador: Mistral.
Valor: R$ 342,00.
Harmonização: harmonizamos com o chocolate Rose Geranium, com uma forte presença floral, o que prejudicou a combinação com o vinho.


Vinho 2 – Muscat Sec de Kelibia

Safra: 2011.
Álcool: 12%.
Casta: 100% muscat.
Produtor: Les Vignerons de Carthage.
Região: Kelibia, Tunísia.
Cor: palha.
Aromas: mel, Bepantol, protetor solar, Cebion, leite de rosas, floral.
Boca: sem manifestação dos confrades.
Estágio: não estagia.
Importador: Art du Vin.
Valor: R$ 42,00.
Harmonização: harmonizamos com o chocolate Rose Geranium, com uma forte presença floral, o que ajudou na combinação com o vinho, mas deixou um sabor muito adocicado na boca.

Vinho 3 – Boekenhoutskloof

Safra: 2010.
Álcool: 14,5%.
Casta: 100% syrah.
Produtor: Boekenhoutskloof.
Região: Franschhoek, África do Sul.
Cor: rubi.
Aromas: curral, couro, pimenta, geleia de frutas, passificado.
Boca: picante, ressalta a acidez na boca com o chocolate, pimenta na ponta da língua.
Estágio: 18 meses em barricas novas de carvalho francês. Clarificado com claras de ovos e depois passa por mais 9 meses em barricas.
Importador: Mistral.
Valor: R$ 228,00.
Harmonização: harmonizamos com o chocolate Masala Chai. Todos consideraram a melhor harmonização que fizemos neste encontro.
Observação: Foi o campeão da noite, sendo o preferido por Leo Ladeira, Bruno, Vera, Fernanda, Cláudia, Keller, Abílio, Marcus e Marcos.

Vinho 4 – Glen Carlou

Safra: 2007.
Álcool: 14%.
Casta: 100% cabernet blanc.
Produtor: Hess Family – Glen Carlou Vineyards.
Região: Paarl, África do Sul.
Cor: rubi escuro.
Aromas: cassis, sândalo, mofo, herbáceo, pimentão.
Boca: picante.
Estágio: 18 meses em barricas de carvalho francesas novas.
Importador: Decanter.
Valor: R$ 219,00.
Harmonização: harmonizamos com o chocolate Rock Salt. Não fez feio, mas não foi sensacional.
Observação: Na Sélections Mondiales des Vins, no Canádá, ganhou o prêmio Or Gold em 2010. Foi o preferido da noite por Leo Soares.


Após a degustação, foi servido o jantar. Começamos com uma massa filo recheada com mel, queijo de cabra e nozes, passando para um arroz de pato. Terminamos com uma panqueca de cream cheese com calda de maçã. O jantar foi acompanhado pelo vinho tinto português Pintas Character 2010, produzido na região do Douro, sendo elaborado com as castas: touriga franca, tinta francisca, tinta barroca e tinta cão. Estagia por 16 meses em barricas de carvalho, custando R$ 175,00 na Art du Vin.






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