O Coletivo Irmãos Guimarães vem apresentando, nos últimos anos, um interessante trabalho calcado na obra de Samuel Beckett, especialmente naqueles textos bem curtinhos, quase sem palavras. Não foi diferente com o mais novo trabalho do Coletivo. Estreou na noite de quinta-feira, dia 18 de setembro, no Teatro Sesc Garagem, a montagem Sopro, uma livre adaptação das peças Passos e Ato sem palavras I do dramaturgo inglês Beckett. Para conseguir um ingresso, basta levar dois quilos de alimentos não perecíveis. Os ingressos começam a ser distribuídos uma hora antes do horário previsto para ter início o espetáculo. Cheguei uns cinquenta minutos antes. Na minha frente, apenas quatro pessoas, todas elas do meio teatral brasiliense. Os Irmãos Guimarães sempre gostam de encenar seus espetáculos em locais menores, com plateia reduzida. Ao entrar, o público se depara com apenas uma arquibancada no teatro, quando normalmente são usadas três delas. A arquibancada ficou cheia para ver Sopro.
Uma projeção indica a primeira peça a ser apresentada, baseada em Passos. Uma única atriz (Liliane Rovaris) em cena, caminhando em um tablado feito com madeiras claras destas que se usam para fazer caixotes. Ao fundo, uma porta entreaberta, deixando escapar um feixe de luz. A atriz caminha de um lado para o outro, contando seus passos, enquanto dialoga com sua mãe, que não aparece em cena. Apenas uma voz em off, de alguém que sofre, de alguém que espera alguma coisa. Uma idosa com cerca de noventa anos de idade. A iluminação dá o tom melancólico que a cena necessita. O ir e vir da atriz se torna rotineiro, mas ao mesmo tempo carregado de angústia. Ela fica contando passos até que para em um canto e despeja o texto na forma em que foi escrito, incluindo a menção de quem está falando a frase, se a mãe ou sua filha, em um diálogo de acerto de contas nunca terminado. A angústia e a melancolia da cena me remeteram à solidão, algo tão vivo nos dias corridos em que vivemos.
Em seguida, nova projeção, indicando a segunda parte de Sopro, quando há uma livre adaptação para Ato sem palavras I. No fundo do teatro, uma cena poética, mas carregada de angústia. Uma senhora com bengala, perto dos oitenta anos, tenta se virar sozinha em uma sala, com todas as dificuldades de arrumar a mesa para tomar um simples chá da tarde. Um retrato vivo das intempéries da vida, especialmente as vivenciadas pelos idosos. Para representar tais intempéries, os Irmãos Guimarães optaram por usar um potente ventilador cuja velocidade do vento vai aumentando, não deixando nada em pé sobre a mesa onde a senhora tenta tomar seu chá.
Mais uma vez os Irmãos Guimarães ousaram, não ficaram no óbvio, e trouxeram o tema da solidão para uma reflexão coletiva.
Neste Sopro, a sinergia entre atrizes e cenário é fundamental, pois este último tem um papel importantíssimo no espetáculo, tornando-o visivelmente impactante e angustiante. Na medida em que a velocidade do vento produzido pelo aparelho avançava, eu ficava a pensar se aquela senhora frágil no palco aguentaria ficar de pé até o final. Fiquei imaginando se ela também voasse como os objetos voaram em cena.
Ao sair, fui cumprimentar Fernando, um dos irmãos Guimarães, quando fiquei sabendo que a senhora era Yara De Cunto, importante nome nas artes cênicas do início de Brasília e que não pisava em um palco há 52 anos. Fiquei impressionado com a disposição daquela senhora em enfrentar o ventilador.
Saí com a certeza que ventos de ousadia continuam a soprar da cabeça dos Irmãos Guimarães.