Nunca imaginei a peça Édipo Rei, escrita por Sófocles, ser encenada como uma comédia. Vi algumas montagens, boas e ruins, mas sempre na linha do drama grego. Eis que entra em cartaz no Teatro da Caixa Cultural de Brasília a montagem Édipo da Companhia do Chapitô, trupe portuguesa com quase duas décadas de existência. Releitura no estilo comédia, na qual Édipo, embora rei, é um rejeitado, um coitadinho. Fui conferir o espetáculo na noite de domingo, sessão das 19 horas. O teatro não ficou cheio, mas recebeu um bom público. Pelo ingresso, paguei R$ 10,00 (meia entrada - doador de um brinquedo).
Quando as luzes se apagaram e a cortina se abriu, apresentou-se um palco completamente nu, sem cenário e com iluminação fixa. Apenas três atores em cena: Jorge Cruz, Marta Cerqueira e Tiago Viegas. Não há figurinos de época, nem mesmo figurinos atualizados. Os atores usam a mesma roupa do dia a dia que todos nós usamos.
História clássica do teatro, sem cenário, sem figurino? Foi a pergunta que me fiz bem no início da peça. Com três minutos de encenação, meus temores se foram. Os atores se bastam e garantem o excelente espetáculo. O trabalho de corpo dos três é sensacional, até mesmo nas expressões mais toscas, próprias de comédias no estilo pastelão. Eles se revezam para interpretar todas as personagens da história escrita por Sófocles. E brincam com esta situação ao longo da encenação.
A história é a que conhecemos: em uma consulta ao oráculo, Jocasta e Laio descobrem que o filho deles, Édipo, matará o pai e se casará com a mãe. Eles abandonam o filho em uma montanha para que ele morra por lá, mas Édipo sobrevive, cresce em outra cidade, e, ao voltar para a sua terra natal, mata Laio no meio do caminho, desvenda o indecifrável enigma da Esfinge e se casa com a rainha Jocasta. Sem saber nada do real grau de parentesco que tinha com estas pessoas. A profecia foi cumprida.
O que é diferente é a forma como a Companhia do Chapitô encena esta tragédia grega. Da maneira mais cômica possível, mas sem perder a face dramática da história. Algumas adaptações que eles fizeram ao texto deixam a história com uma cara de atualidade. O enigma da Esfinge tem relação com a teoria da relatividade de Albert Einstein. O caminho para Tebas é indicado como se Édipo estivesse em Brasília. Os atores utilizam expressões bem brasileiras, como "arre égua" e "vixe Maria", aproximando o texto do público.
Ri muito enquanto assistia esta versão portuguesa dirigida por John Mowat e José Carlos Garcia, especialmente com as dúvidas que surgem quando Édipo descobre que Jocasta, sua mulher, é sua mãe. As perguntas que Jocasta, Édipo e Creonte fazem são de rolar de rir. Seriam os filhos de Édipo e Jocasta também netos de Jocasta e irmãos de Édipo? E outras tantas são feitas, deixando a plateia rindo sem parar.
Destaco quatro cenas nas quais o trabalho de corpo da trupe valeu a minha presença no teatro na noite de domingo, a saber o nascimento de Édipo; a consulta que ele faz ao oráculo; o confronto do mesmo Édipo com a Esfinge; e a tortura que a pastora sofre para confessar o que tinha feito com o filho de Jocasta e Laio. O contorcionismo de Marta Cerqueira como a pastora sendo torturada é tão impressionante, como se fosse uma artista do Circo Imperial da China ou do Cirque du Soleil, que o público não resistiu e aplaudiu em cena aberta.
Ao final, longos minutos de ovação, com muitas palmas e gritos de bravo ecoando da plateia.
A Companhia do Chapitô fez uma ótima releitura da tragédia Édipo Rei. Gostei muito do que vi.
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