Para Vera
O dia amanhecera quente. Seis
horas da manhã e o calor já era insuportável. Regina abriu a janela do seu
quarto para ver se entrava alguma brisa, mas nada. O ar condicionado estava no mínimo
possível, mas não conseguia refrescar o ambiente. Era melhor ficar debaixo do
chuveiro. Naquele horário, ainda era possível tomar um banho frio, pois no meio
da manhã a água já sairia quente de tanto o sol bater no reservatório do hotel.
Abriu a água em jato bem forte e se deixou mergulhar, mesmo sendo o box diminuto. Ao desligar a torneira, o bafo quente que entrava pela janela aberta
lhe desanimou. Nem precisou enxugar muito, pois rapidinho a água evaporava do
corpo.
Era hora de descer para encontrar
os demais amigos que viajavam com ela. Todos a postos no restaurante do hotel
para um vigoroso café da manhã. Estavam em Pequim. O roteiro previa uma visita
ao longínquo Parque Olímpico, sede das Olimpíadas de 2008. Assim que terminaram
a primeira refeição da manhã, pediram para a recepcionista do hotel anotar em um
cartão o endereço para onde iam. Tinha de ser em mandarim, pois tinham lido que a
maioria dos taxistas chineses não entendia outra língua. A garota foi muito
simpática, anotando em quatro cartões, um para cada um dos amigos. Em seguida,
pediram para ela chamar um táxi. Imediatamente o seu semblante se fechou.
Apontou para a porta, dizendo que eles poderiam pegar o táxi lá na rua. Regina
saiu irritada, sendo seguida pelos demais.
Na rua, nenhum táxi parado.
Nenhum ponto. Depois de fazer sinal para mais de uma dezena de táxis, sem
sucesso, um parou. Um senhor aparentando 65 anos era o motorista. Regina
entregou o cartão, o motorista olhou, virou de um lado, virou de outro, colocou
o cartão de cabeça para baixo. Entregou o cartão de volta e balançou a cabeça
negativamente, arrancando o carro. Isto fez os quatro ficaram atônitos. Licurgo
voltou para a recepção do hotel, retornando com o número do ônibus que parava na
rua transversal, tendo seu ponto final justamente no Parque Olímpico. Cenira e
Dinorá apoiaram a ideia de pegar um ônibus. Regina, contrariada, seguiu os
três, sempre repetindo:
- Se tem uma coisa que odeio é andar
de ônibus!
Esperaram pouco. Logo o número 46
apareceu. Não havia lugar para sentar, mas o ônibus não estava cheio. Acharam
estranho ter dois tipos de preços. Um para os chineses e outro para os
turistas. Claro que para os últimos era mais caro. O ônibus não tinha avançado
nem trezentos metros quando Licurgo teve um estalo e foi mostrar o cartão com o
endereço para o motorista. Ele sorriu, apontando para o outro lado da rua.
Tinham pegado o ônibus na direção errada. Desceram rindo muito, atravessaram a
rua e pararam no ponto, mas não conseguiam parar de rir. Uma senhora os abordou
em um parco inglês perguntando se queriam ajuda. Um anjo caído do céu, pois ela
tomaria o mesmo ônibus e desceria um ponto antes do ponto final. Tínhamos
garantia de ajuda em todo o percurso.
O ônibus chegou. Totalmente
lotado. Regina fez cara de poucos amigos, mas a senhora colocou as mulheres
para dentro, não se sabe como. As portas se fecharam. Licurgo ficou do lado de
fora. As amigas gritavam, em português, para o motorista abrir a porta,
enquanto a senhora idosa se dirigia ao motorista para que ele deixasse Licurgo
entrar. O homem levantou de sua cadeira, pegou um microfone e começou a gritar.
A senhora esperou a porta se abrir e puxou Licurgo pelo braço, explicando-lhe
que o motorista pedia para as pessoas andarem um pouco para trás do ônibus. Os
quatro novamente juntos. Regina apenas com o dedo indicador encostado na barra de ferro tentava se equilibrar, pois não queria
pegar naquelas barras onde todo mundo passava a mão que não se sabe onde foram colocadas antes.
Licurgo ria muito da situação. O calor apertava, ficava abafado, pois as
janelas estavam fechadas. Ninguém parecia se incomodar com a temperatura
interna do ônibus. Parecia um inferno. Mais um ponto. Mais gente entrando. Era
uma lata de sardinhas. O trânsito foi ficando lento. O tempo passava. O ônibus
não andava. Regina foi transpirando. Seu suor pingava do rosto. Um chinês
resolveu dar uma cusparada. Regina e Cenira tamparam os ouvidos. As pessoas que
estavam perto gargalharam. Foi o sinal para uma sinfonia de puxadas de
garganta, de fungadas de nariz e de cuspes no chão acontecerem de uma só vez. A cara que Regina fazia era
digna de uma postagem no Instagram.
Enfim, o ônibus deixou a rua de
trânsito parado e acelerou. Uma freada brusca mais à frente, quando teve que
parar para subir mais gente, fez Regina se desequilibrar, caindo sobre dois
chineses que dividiam uma cadeira onde normalmente somente uma pessoa se
sentaria. Licurgo riu muito, sendo seguido pelos chineses. Regina ameaçou
descer no próximo ponto, mas ao ser lembrada da dificuldade de tomar um táxi,
desistiu, repetindo seu mantra:
- Se tem uma coisa que odeio é andar
de ônibus!
Quatro horas depois, a senhora
que os ajudara a entrar naquele ônibus disse que estava chegando o destino
deles. Mas ainda demoraria mais meia hora, quando, enfim, avistaram o Ninho de
Pássaros, nome dado ao Estádio Olímpico. O ônibus parou. Em um verdadeiro
empurra-empurra, todos foram descendo. Licurgo se apressou para também descer,
mas a senhora disse que o ponto final não era ali. Era o próximo. Quando viram,
somente os quatro ficaram no ônibus, que seguiu seu destino. Chegaram ao ponto
final. Desceram, começando a tirar fotos do local. A fome bateu forte. Decidiram
procurar um local para comer dentro do próprio Parque Olímpico. Nada acharam de
interessante. Para refrescar, decidiram comprar picolés. Apenas um sabor estava
sendo vendido. Era o mais popular na cidade. Sabor ervilha. Regina experimentou
e fez cara feia.
Foram caminhando para o portão do
Estádio Nacional. Nenhum movimento de pessoas nos arredores do estádio, o que
era muito estranho por se tratar de Pequim. Assim que chegaram, deram com os
portões fechados. Era domingo. O estádio não abriria para visitação naquele
dia.
Regina bufou. Andara de ônibus em
vão. Não voltaria na mesma condução. Procuraram um táxi. Avistaram dois carros
parados perto de onde estavam. Correram para lá. Entregaram o cartão para o
primeiro motorista, que estava de pé encostado na porta de seu táxi. Ele pegou
o cartão, entrou no carro, e deu a partida sem ninguém, deixando o cartão cair
no chão. Regina ficou furiosa, pegou o cartão e o mostrou para o outro motorista.
Ele fez cara de paisagem e apontou para o ônibus 46 que estava parado no ponto.
Em seguida, repetiu o que o colega fez, saindo com seu táxi dali.
Os quatro foram para o ponto.
Regina repetiu:
- Se tem uma coisa que odeio é andar
de ônibus!
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