Pesquisar este blog

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

NAVALHA NA CARNE

Vi, pelo Facebook, que uma nova montagem de Navalha na Carne, de Plínio Marcos, seria levada ao palco do Teatro Goldoni pelo grupo Teatro Gasolina - Combustível em Pesquisa Cênica no final de semana de 12 a 14 de dezembro de 2014. Fui conferir no sábado, sessão das 21 horas. Comprei ingresso diretamente na bilheteria com meia hora de antecedência, quando paguei R$ 40,00 (inteira). O teatro recebeu um bom público. Enquanto as pessoas entravam e se acomodavam em suas cadeiras, a atriz Tássia Oliveira, vestida como uma trabalhadora de fábrica com proteção no rosto, daquelas usadas pelos soldadores de peças metálicas, tocava alguns acordes em uma guitarra, como se ditasse o ritmo dos que entravam, e o ator Márcio Andrade ficava em uma cadeira no palco, ouvindo uma rádio qualquer. Quando entrei, pensei que veria um show do Wando, pois a beirada do palco estava coberta com calcinhas de variados formatos e cores e muita maçã pelo chão. Quando soou o terceiro sinal, as luzes se apagaram, Tássia Oliveira se posicionou no canto direito do palco ladeada por uma parafernália de instrumentos musicais e de eletrodomésticos. Márcio Andrade interpreta Vado, o cafetão que vive às custas da prostituta Neusa Sueli, interpretada por Meny Vieira. Completa o elenco o ator Ronaldo Saad, vivendo a travesti Veludo. A história já é muito conhecida, e para o público brasiliense, ela está bem presente, já que pelo menos dois grupos encenaram parte deste texto em 2014. Caso da Cia Sutil Ato, com Autópsia; e da Dois Tempos Cia de Teatro, com Mundaréu. Isto sem falar na homenagem que uma trupe de Brasília fez em novembro para o autor maldito, em uma noite no Teatro Plínio Marcos, com a performance Bendita Noite Maldita. O texto é o mesmo, mas com enfoques e interpretações bem distintas. Pela cenografia e figurino, esta montagem que vi no Teatro Goldoni é mais cinematográfica. A começar pelas referências visuais, como a caracterização dos personagens (figurino e maquiagem), que me fez lembrar os aloprados da trilogia Mad Max, sucesso dos anos oitenta. Ou ainda na jocosa cena em que Vado e Neusa Sueli imitam a famosa cena romântica de Titanic, com Neusa Sueli de braços abertos sendo abraçada por Vado e ambos cantarolando a música chiclete de Celine Dion. O diretor Júlio Cruccioli também ousou em colocar confete como se fosse água, além de ter usado uma fechadura para representar uma porta trancada. A utilização da sonoplastia ao vivo, executada por Tássia Oliveira, faz uma alusão aos programas de rádio (ou mesmo à sonoplastia utilizada no cinema). Assim, ouvimos sons de secador de cabelo, máquina furadeira e ou liquidificador, além de estridentes pratos de bateria, pontuando algumas cenas. Recurso interessante e que funcionou bem.
A peça tem três partes distintas. Na primeira delas, acontece o encontro de Vado com Neusa Sueli, quando ela retorna para casa depois de um dia de labuta, quando ele a acusa de não deixar o seu dinheiro diário. O texto é jorrado da boca dos atores de forma cruel, bruta mesmo, além de embates físicos que chegam a causar um certo desconforto na plateia. A segunda parte, a melhor delas, tem a entrada de Saad como Veludo, acusado pelo casal de ter roubado a grana de Vado. Em um primeiro momento, causou-me estranheza a forma que Saad falava e ria, com voz grave (mesmo recurso utilizado por Andrade e Vieira na primeira parte), sem nenhuma afetação. A sua performance tem uma curva crescente, com ótimas tiradas, especialmente quando ele se utiliza de gestos mais afetados (ele faz uma cruzada de pernas bem ao estilo Sharon Stone em Instinto Selvagem), para logo se recompor, e voltar a falar grosso. Também aqui as cenas de embates físicos são bem reais, com puxões de cabelo, tapas na cara e empurrões fortes. A terceira parte volta a ser entre Vado e Neusa Sueli, e aqui a peça cai um pouco, culminando com um final nada apoteótico. Ver Neusa Sueli sentada em um banquinho, na penumbra, comendo um sanduíche frio, é triste e melancólico. O público chegou a aplaudir, já que a penumbra se transformou em escuridão, como se ali terminasse a peça. No entanto, houve mais uma curta aparição de Veludo esfaqueando Vado, mas a melancolia da cena anterior tirou todo o impacto desta cena final.
Nesta montagem, a sensualidade, sempre presente, por mais cruel que seja a encenação de Navalha na Carne, esteve completamente ausente. O diretor focou na violência do texto, expondo as características comuns da cena do submundo das drogas, da prostituição e dos marginalizados. E este mergulho no submundo é sugerido no próprio figurino dos atores, pois eles usam, em algum momento, óculos de mergulho ou de natação, o que os torna bizarros e mais ousiders ainda.
Foi uma montagem diferente que preservou a força do texto atemporal de Plínio Marcos.
Saí com a certeza que o teatro feito em Brasília está cada vez melhor.

Um comentário:

  1. Vi o espetáculo no domingo e também saí muito feliz. Concordo que o espetáculo caiu um pouco no terceiro ato e que o segundo é sem dúvidas o mais angustiante e incinerante. Os atores estão de parabéns, principalmente o menino que faz o Veludo, que mesmo com pouquíssimo tempo na peça, mostrou toda a dor/sofrimento de seu personagem sem cair na caricatura fácil.

    ResponderExcluir