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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

NO SALÃO DE BELEZA

Para Diana

A luz do sol entrou pela fresta da janela atingindo seu rosto. Ela acordou sentindo um calorzinho bom na pele. Olhou para o lado e seu marido ainda dormia o sono dos justos. Virou-se de lado para sair melhor da cama. Sua coluna deu uma fisgada. Era a sexta vez que isto ocorria em seis dias. Era melhor procurar um especialista o quanto antes. Enfiou os pés na pantufa rosa, ficou de pé, fechou a cortina para o sol não incomodar o marido e foi para o banheiro. Percebeu que seu cabelo já flutuava em alguns pontos da cabeça, com a raiz despontando altiva, alva como a neve. Precisava urgentemente ir ao salão de beleza. Assim que ficou pronta, deixou um bilhetinho na mesa de cabeceira, pegou a bolsa e desceu para o café da manhã. Passou pela recepção do hotel para perguntar onde havia um bom salão de beleza nas redondezas. A recepcionista lhe atendeu sorridente, explicando que o salão mais próximo ficava na rua de trás, mas que ele era um salão muito caro. Ela não gostou desta abordagem. Que petulância desta moça! Será que ela acha que eu não posso pagar? Respirou fundo para não brigar. Afinal, era seu primeiro dia de férias, longe dos filhos e netos. Uma nova lua de mel com seu marido. Tinha trabalhado tanto na semana que antecedeu a viagem que nem pode ir ao salão renovar a pintura de seu cabelo. Queria ir logo, ainda cedo, pois seu marido costumava dormir até mais tarde, o que lhe permitiria pintar o cabelo sem necessidade dele ficar esperando. Pediu a recepcionista para escrever o nome e o endereço do salão. A moça, sempre sorrindo, logo lhe entregou um pedaço de papel. A mocinha tinha até desenhado um mapa para ela não se perder. Além do nome do salão, Juracy Coifeur, estavam no papel o endereço, Rua 29 de Agosto, e o tal mapa. Ela quase teve uma síncope ao ver escrito “vire a ezquerda, na segunda rua”. Com o papel nas mãos, aproximou-se da moça sorridente e lhe disse quase sussurrando:
- Lindinha, há três erros de português em uma simples e curta frase. O certo é vire à esquerda na segunda rua. O a é craseado, esquerda se escreve com esse e não existe esta vírgula onde você colocou. Bom dia!
O sorriso da moça foi esmaecendo até desaparecer do rosto. Apenas agradeceu aquela gentileza da madame e pegou o telefone que estava tocando em momento providencial.
Com o endereço do salão nas mãos saiu toda faceira, esquecendo-se de tomar seu café da manhã. Andou cerca de quatrocentos metros, chegando ao seu destino. Era cedo, mas o salão já estava aberto. Ela olhou atentamente para o letreiro do local. Além do nome em letras enormes, cheias de estilo e curvas, em tom vermelho forte, uma frase indicava a especialidade da casa: hair, make up and fun. Cabelo, maquiagem e diversão? O que seria aquilo. Entrou. Foi recebida por uma mulher jovem com cara de poucos amigos.
- Tem horário marcado?
- Não, mas vejo que o salão está vazio. Vocês podem me atender? Preciso pintar meu cabelo.
- A senhora trouxe sua tinta?
O telefone do salão tocou. A atendente pediu licença e foi atender.
- Juracy Coifeur, bom dia! Sim, oi Josefine. Não, sua mãe não está. Está, sim, está. Mesmo? Que desaforo! Pode deixar comigo. Beijos.
Desligou o telefone, pegou um espanador e saiu a limpar o porta revistas que ficava na recepção. Nem ligou para a madame que deixara esperando. Mas a madame não se fez de rogada e tascou uma pergunta em francês:
- Vouz parlez français?
- Não estou entendendo nada do que a senhora está dizendo.
- Eu perguntei se você fala francês.
- Não, porque deveria falar?
- Porque o salão tem o nome em francês. Chama-se Juracy Coifeur. Diga-se de passagem há um erro de grafia no letreiro, falta uma letra efe na palavra “coiffeur”.
- Não sou a dona. Apenas trabalho aqui. A senhora trouxe ou não trouxe a tinta?
- Que educação é esta? É assim que você trata as clientes? Não tenho nenhuma tinta comigo, mas é fácil, a cor é preto profundo. E chama logo alguém para me atender. Vou sentar aqui nesta cadeira.
A atendente atravessou uma cortina de vidrilho e sumiu. Ela ficou ali sentada, mexendo em seu celular, respondendo mensagens que chegavam sem parar. Estava tão absorta na telinha de seu aparelho que nem viu uma esguia mulher se aproximar da sua cadeira.
- Bom dia. Sou Juracy, a dona do salão. Atenderei a senhora. Veja se esta marca de tinta lhe satisfaz, por favor.
- Bom dia. Não conheço esta marca. O que me diz dela?
- É a que mais uso aqui no salão. Minhas clientes estão satisfeitas. Não tenho reclamações.
- Como é apenas para passar estes dias de férias, pode usar. Preto profundo, certo?
- Certo. Vamos logo começar, pois daqui a pouco este lugar vai ficar lotado e tenho muita gente agendada. Haverá uma super festa à noite, a mulherada quer ficar bonita. Afinal, o que importa é ver e ser visto.
Juracy reclinou um pouco a cadeira, deixando a madame com o rosto virado para o teto. Em seguida, começou a passar a tinta, puxando, de vez em quando os seus cabelos. Aquilo foi irritando-a de uma forma que logo ela protestou.
- A senhora está puxando os meus cabelos. Está doendo.
- É assim mesmo, pois seu cabelo é grosso, está sem vida e muito seco.
Um sorriso sarcástico apareceu no rosto de Juracy. E deu mais uma puxada no cabelo com a escova. Desta vez foi tão forte, que saiu um pequeno tufo de cabelo no seu instrumento de trabalho. Ela gritou tão alto que deve ter acordado o marido lá no quarto do hotel. Mas era durona, não sairia dali sem o preto profundo em seus cabelos.
- What the hell are you doing?
- Desculpe-me senhora, não foi minha intenção. Já terminei, agora vou passar a tinta. A propósito, não entendi o que a senhora disse.
- Lá fora está escrito “Juracy Coifeur - hair, make up and fun”. A senhora não sabe inglês?
- Não. É mais chique escrever assim. E ninguém se importa se está certo ou não a grafia. Sei que a senhora disse para minha atendente que faltava um efe na palavra escrita em francês. Para dizer a verdade, nem sabia que era francês. Pedi a uma amiga que me ajudasse a escolher um nome estrangeiro e ela veio com ele pronto. Gostei, mandei fazer o letreiro e o coloquei na frente do salão. Goste a senhora ou não, este é o nome que eu escolhi. Por falar em nome, ainda não sei o da senhora.
- É Divah, com agá no final.
- A senhora corrigiu a sua mãe, ou o homem do cartório onde foi feita a sua certidão de nascimento?
- Qual o motivo desta pergunta?
- Porque Diva não se escreve com agá no final. Posso ser ignorante em estrangeiro, mas sei como se escreve Diva.
- Minha mãe não tem nada a ver com isto. Eu mudei a grafia depois que fiz uma consulta com um numerólogo. O agá me dá mais energia, mais segurança, mais firmeza.
- E a senhora escreve seu nome assim, com agá no final?
- Claro. É meu novo nome. Consegui até alterar minha cédula de identidade.
- Para a senhora ver, eu não posso ter um nome que eu escolhi para o meu salão que a senhora logo vem chegando, corrigindo, enquanto para seu nome, até alteração na carteira de identidade a senhora fez.
- Cést la vie!
- O que?
- Nada não. Vamos terminar logo com esta pintura!
- A senhora não está satisfeita com meu serviço?
- Não é isto. Quero aproveitar as minhas férias ao lado de meu marido. Deixei ele dormindo e vim para o seu salão.
- Como a senhora soube de meu salão?
- A recepcionista do hotel onde estou me indicou. Burrinha, você precisava ver. Em uma frase com seis palavras ela cometeu três erros de português. Falta qualificação para este pessoal que trabalha no setor de turismo. Aqui mesmo em seu salão, a atendente é mal humorada e ninguém fala uma outra língua. A cidade é turística, como vocês pretendem atender aos turistas que aqui vem todos os verões?
- Vou apressar sua pintura.
E as duas nada mais falaram. Passaram-se mais de duas horas. Enfim, o cabelo estava pronto. Antes de levantar a cadeira, Juracy baixou a cabeça até seus lábios ficarem bem próximos ao ouvido esquerdo de sua cliente, quando sussurrou:
- A recepcionista do hotel que lhe indicou meu salão é minha filha.

Divah ficou vermelha, sem saber onde colocava sua cara, enquanto Juracy subia sua cadeira. Seu cabelo estava pronto. Olhou no espelho para ver como tinha ficado.
Ficou sem palavras.

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