- Guto, vai buscar a tia Zita.
- Porque eu? Ela nem é minha tia.
- Claro que é! Não teima e vai logo. Todos estão com fome e só vamos almoçar depois que ela estiver sentada conosco. Deixa de ser teimoso. Hoje é nosso primeiro dia de férias.
- A Maria nunca faz nada. Tudo você manda eu fazer.
- Obedeça logo!
Guto saiu emburrado da mesa. Maria era sua irmã de quinze anos e sempre ficava com agendinhas cor de rosa escrevendo um infindável diário que ele nunca podia ler. Estavam em um hotel-fazenda. Eram férias de janeiro. Todos os quartos estavam ocupados. A casa onde ficava o restaurante era afastada da casa principal, onde ficavam os quartos. Muitos preferiam pegar um carrinho elétrico para fazer o percurso entre as duas casas. Guto resolveu ir a pé. Ele tinha doze anos. Gostava do cheiro de mato. No caminho, viu o carrinho passar com duas senhoras idosas que riam muito. Falavam de alguém. Guto entendeu que falavam da tia Zita, pois ela sempre era motivo de chacota, devido às doideiras que fazia. Ele não entedia porque ela era sua tia. Não era irmã de sua mãe e muito menos de seu pai. Era muito velha. Tinha 91 anos. Sua mãe a chamava de tia. Assim, ela só pderia ser tia da sua mãe e não dele. Quando chegou à recepção, não lembrava o número do quarto onde estava a tia Zita. Sabia que era no mesmo corredor em que ele estava. Seguiu com passos firmes para o corredor C. Lá chegando, fez um reconhecimento de área, identificou seu quarto, onde dormia com a mãe e a irmã, e deduziu que o quarto ao lado era de tia Zita. Bateu na porta. Um senhor apareceu, com cara de poucos amigos, perguntando o que ele queria. Disse que procurava a tia Zita.
- Moleque! Você quer é fazer bagunça, perturbando aqueles que querem descansar. Não tem nenhuma tia Zita aqui.
- Desculpe-me, senhor, mas não quero incomodar ninguém. Só estou procurando o quarto da tia Zita.
- Some daqui, pirralho. Se aparecer de novo, vou reclamar com seu pai.
- Pode reclamar, só que ele não está aqui. Ele está no Japão.
Guto saiu correndo pelo corredor afora. Seu pai estava em viagem de negócios para o Japão, onde passaria todo o mês de janeiro. Ele voltou até a recepção e perguntou qual era o quarto de tia Zita.
- Zita? Você tem certeza que é este nome? Não há ninguém registrado assim - falou a recpcionista.
- É Zita, ela é tia da minha mãe.
- Então, ela é sua tia também.
- Moça, até você! Ela não é minha tia! Só sei que ela está aqui neste hotel. Estou com fome e só posso almoçar depois que ela aparecer lá no restaurante.
- Zita deve ser apelido. Você não sabe o nome dela?
- Não sei mais nada. Sempre conheci como tia Zita.
- Desculpe-me, mas não posso fazer nada. Quem sabe se você não volta até o restaurante e pergunta para sua mãe o nome verdadeiro da tia Zita ou o número do quarto?
Contrariado, Guto voltou ao restaurante. Sua mãe, ao vê-lo só, perguntou, já com voz de raiva, onde estava a tia. Guto contou toda a sua pequena aventura. A mãe levantou da cadeira e saiu furiosa.
- A tia Zita só me dá trabalho! - ela exclamou em voz alta. Guto sorriu e seguiu sua mãe.
Chegam no corredor C. O tal senhor estava saindo de seu quarto quando viu Guto. O menino ficou vermelho. O senhor, percebendo o embaraço do garoto, somente esboçou uma cara feia para ele. Calado, seguiu seu caminho. A mãe de Guto bateu no quarto em frente ao do senhor idoso. Era o quarto de tia Zita. Ninguém atendeu. Guto percebeu que uma fumaça saía discretametne da fresta debaixo da porta. Pensou que era fogo, mas não havia cheiro de queimado. Ele ajudou sua mãe, batendo novamente na porta. Nenhum movimento. Ele mostrou a fumaça para sua mãe. Ela ficou alarmada. Bateu forte e a porta se abriu. Não estava trancada. O quarto era pura fumaça, assim pensou Guto. Na verdade, era vapor. Parecia uma sauna. Nada se via. Apenas o barulho da água do chuveiro escorrendo. A mãe de Guto entrou no banheiro e desligou a torneira. Guto se dirigiu para a cama e levou um susto. Tia Zita estava deitada, completamente nua, e careca. Estava deitada de barriga para cima, com os braços esticados. Ela murmurava alguma coisa bem baixo. Guto ficou espantado de ver aquela mulher magrinha, só pele e osso, totalmente nua e careca. Sua mãe perguntou à tia Zita o que estava acontecendo. Ela nada respondia. Nervosa, Jussara, a mãe de Guto, deu um grito.
- Tia Zita, deixa de murrinha e levanta logo dessa cama!
Só um leve balbucio se fez ouvir no quarto. Guto se aproximou, viu que a velha estava com os olhos abertos fixos em algum ponto no teto. Ele engatinhou pela cama, enquanto sua mãe sacudia o corpo de sua tia. O menino ficou olhos nos olhos com tia Zita. Naquele instante, ela saiu de seu transe, olhou para Guto, falando em voz alta:
- Que lindo anjo veio me recepcionar na entrada do céu. Parece meu adorável sobrinho!
Guto não se conteve de felicidade. Ela o chamou de anjo, de lindo e de adorável em uma única frase. Ele virou para sua mãe.
- Mãe, acho que ela morreu e acaba de chegar no céu.
- Deixa de bobagens, disse Jussara. Ela está super viva. Olhe como ela respira e mexe seus olhos.
- Titia, deixe de brincadeiras. Levante e vista uma roupa, pois Guto não precisa ficar vendo a senhora pelada e sem peruca.
Ao ouvir que estava sem peruca, tia Zita se sentou rapidamente na cama, pegou a peruca de cabelos castanhos que estava ao seu lado, colocou na cabeça. De tão acostumada a fazer isto, não foi preciso ajeitar a tal peruca, pois ficou no lugar certo. Ela voltou a se jogar na posição em que a encontraram na cama.
- Mas titia, o que significa isto? Que brincadeira é esta?
- Estou morrendo e não quero ser recebida no céu sem cabelo.
- Tia Zita, falou energicamente Jussara. É melhor a senhora se levantar imediatamente, colocar uma roupa e vir conosco para o restaurante, pois todos estão com fome. Se quiser morrer, deixe para quando voltarmos para casa, pois morrendo aqui a senhora vai dar um imenso trabalho e atrapalhar as férias de todos.
Guto, ainda em cima da cama, voltou a olhar para ela, já afeiçoado por aquela tia que, para ele, não era sua tia. As palavras de carinho que ela lhe dirigira lhe tocaram fundo. Ali começou um afeto pela velha que nunca sentira antes.
Tia Zita, como se fosse uma atleta, pulou da cama, colocou um belo vestido, foi ao banheiro para passar um pó no rosto, ficando mais corada, calçou um sapato, olhou para Guto, deu uma piscada de olhos para ele. Guto ficou maravilhado com o que acabara de ver. A velha tinha saído de um transe. Foram os três pelo corredor afora. Quando passaram pela recepção, a atendente perguntou se Guto tinha encontrado o quarto da tia. Ele apontou para a velha:
- Esta é a tia Zita. Guarde bem este nome, pois Zita é a minha tia.
Jussara não entendeu a mudança de comportamento de Guto. Será que ele ficou impressionado com a cena que presenciara no quarto?
Durante todo o período de férias, Zita e Guto ficaram como carne e unha, nunca se desgrudavam. Voltaram para casa felizes. Zita não morreu quando voltou para casa. Foram muitas e muitas férias junto com seu sobrinho Guto. Passados doze anos, ela ainda vive e adora pegar no colo a filhinha de Guto.
Noel,
ResponderExcluirBom ter sua literatura de volta.
beijos
Pek,
ResponderExcluirObrigado pela fiel leitura.
Bjs.