No último final de semana estava em Belo Horizonte para votar. Alguns amigos mineiros me convidaram para conhecer o Club Odeon recentemente inaugurado onde outrora funcionou o saudoso Cine Odeon, na Floresta. O prédio é tombado pelo patrimônio histórico da cidade, especialmente sua fachada em arquitetura art deco. Ao chegar no local, notei que os novos empreendedores mantiveram a cor verde nas paredes externas conforme era quado ali funcionava um cinema. Após a identificação necessária, constatei que tiveram a preocupação de manter certos elementos que lembram uma sala de cinema. Assim, estão presentes a cortina vermelha que era fechada quando a projeção começava, algumas poltronas de cinema usadas nas décadas de setenta e oitenta, o pé direito alto, a iluminação baixa, luminárias nas paredes com foco de luz voltado para o teto. No local onde se localizava a tela onde se projetavam os filmes, fizeram um bem montado bar, cujo fundo está revestido por azulejos brancos com grafismos pretos. Lembra, de longe, uma tela de cinema. Não me recordo de ter assistido filmes no Cine Odeon, mas ao entrar neste novo clube, minha memória me levou aos cinemas de rua que existiam em Belo Horizonte. Hoje, eles fazem parte apenas da história afetiva e escrita da cidade. Lembrei-me de vários cinemas que não existem mais:
01) Cine Paladium - no Centro, onde vi vários filmes. Cinema confortável e grande. Recordo-me das filas enormes para ver Platoon; Ghost; 9 1/2 Semanas de Amor; De Volta Para O Futuro; Jorge, Um Brasileiro. Está fechado há anos. A promessa é que será, em breve, um centro cultural.
02) Cine Jacques - no Centro. Sala enorme, com dois andares de plateia. Vi muitos filmes ali, como Alien, O Oitavo Passageiro; King Kong (o com Jessica Lange); Marcelino, Pão e Vinho; Fúria de Titãs; Flash Gordon; um curta da Lygia Pape que não me recordo o nome (em certa altura da década de oitenta, os curtas brasileiros eram obrigatórios antes das sessões dos filmes de longa metragem). Não existe mais, dando lugar à expansão do Shopping Cidade.
03) Cine Metrópole - no Centro. Também no estilo art deco. Houve protestos quando anunciaram seu fim. Um amigo recebeu uma bordoada na orelha ao entregar uma rosa para um dos guardas que tentavam reprimir a manifestação. Ali também enfrentei filas para ver Jornada nas Estrelas, o Filme; Guerra nas Estrelas; O Império Contra Ataca; Orca, A Baleia Assassina; Tess; O Homem Aranha (um fraco filme da década de oitenta). Cedeu lugar para o Bradesco.
04) Cine Guarani - no Centro. Era pequeno, sem proteção contra o ruído da barulhenta Rua da Bahia, mas sempre estava cheio. Nele vi o lacrimejante O Campeão e A Noviça Rebelde. Não existe mais. No prédio há uma unidade da Polícia Militar e o Museu Inimá de Paula.
05) Cine Acaiaca - no Centro. Pequeno, nos fundos do hall de entrada do famoso Edifício Acaiaca. Era mais barato que os outros cinemas do Centro. Recordo-me de ter assitido ali Batman, um tosco filme baseado no famoso seriado da televisão com Adam West e Burt Ward. Não existe mais. Acho que funciona um templo religioso no local.
06) Cine Royal - no Centro, próximo da rodoviária. Tinha sessões duplas de filmes B. Eram deliciosos os filmes de lutas marciais que ali passavam. Também foi no Royal que o polêmico Império dos Sentidos foi exibido, mas não tinha idade para entrar na época. Não existe mais. Hoje é sede de um templo religioso.
07) Cine Tamoio - no Centro. Vi vários filmes estrelados por Mazzaroppi nese cinema. Também foi nele que vi seis vezes a versão cinematográfica para Iracema, o clássico livro de José de Alencar. Nas telas virou Iracema, A Virgem dos Lábios de Mel, estrelada por Helena Ramos e Tony Correia. Tal cinema também não existe mais. Hoje é uma loja de roupas populares.
08) Cine Brasil - no Centro, na Praça Sete. Cinema enorme, com dois andares e salas de espera com sofás, que teve momentos áureos que não peguei. Ali vi alguns filmes dos Trapalhões. Recordo-me bem do filme Os Trapalhões no Planalto dos Macacos, com o cinema completamente lotado, quando eu, meus irmãos e primos vimos duas sessões seguidas. Não funciona mais como cinema. Está em reforma eterna para se tornar um centro cultural.
09) Cine Art Palácio - no Centro. Também em estilo art deco, com ampla sala de espera e dois andares. O épico A Missão vi neste cinema. Na época em que os cinemas se renderam aos filmes pornográficos, este foi um dos cinemas que primeiro aderiu à onda. Nele vi dois clássicos deste gênero: Garganta Profunda e O Diabo na Carne de Miss Jones. Também já acabou, cedendo lugar apra uma loja de eletrodomésticos.
10) Cine Pathé - na Savassi. Era o cinema onde passavam os filmes mais alternativos e as produções europeias. Na década de oitenta, meu final de semana sempre terminava dentro deste cinema nas noites de domingo. Alguns filmes memoráveis conheci no Pathé (o mesmo cine que ganhou uma citação em uma música do Skank), como Esposamante; Olhos Negros; O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Esposa e O Amante; A Era do Rádio; Zelig; E La Nave Va; Ensaio de Orquestra; Ata-Me; O Baile; O Grande Mentecapto; O Sol da Meia Noite. Perdeu público por dificuldades de estacionamento na região. Por ironia do destino, hoje funciona um estacionamento no local.
11) Cine Roxy - no Barro Preto. Especializado em passar filmes de arte. Havia um aguardado festival anual, chamado Paulo Arbex (em homenagem a um crítico de cinema da cidade), no qual eram exibidos os melhores filmes do ano anterior, escolhidos pelos críticos da cidade. Nele vi Querelle; Lawrence da Arábia; Ginger & Fred. Também não existe mais. Em seu local funciona uma espécie de feira de pequenas confecções, já que a especialidade do bairro é a pronta entrega de roupas.
12) Cine Nazaré - no Centro. Escondido no fundo do hall de um prédio residencial, não tinha muito público quando eu comecei a frequentar cinemas. Tinha uma ampla sala. Lembro-me de ter visto um filme sobre a Copa do Mundo de 1982 e um filme gay argentino chamado Outra História de Amor. Tentaram recuperar o cinema, transformando-o em espaço com três salas menores de projeção. Nesta fase, vi A Flor do Desejo, de Almódovar. Hoje está fechado.
13) Cine Candelária - no Centro, bem na Praça Raul Soares. Vi os 101 Dálmatas ainda na década de setenta. Sua programação, a partir dos anos oitenta, ficou toda voltada para os filmes pornográficos, de sexo explícito. Chegaram a reformá-lo para teatro com peças com sexo ao vivo, mas a tradicional família mineira impediu que este gênero teatral prosperasse na cidade. Foi vítima de um incêndio que o destruiu totalmente, somente a fachada ficando de pé (o prédio é tombado pelo patrimônio histórico da cidade), funcionando um estacionamento no local.
14) Cine Padre Eustáquio - no bairro Padre Eustáquio, na rua de mesmo nome. Cinema de bairro, como era chamado o cinema que não ficasse na região do Centro da cidade, passava só filmes já exibidos no circuito mais nobre. Era mais barato e as matinés de domingo sempre eram cheias. Vi os dois últimos filmes da tetralogia O Planeta dos Macacos neste cinema. Desde que fechou, há pelo menos duas décadas, funciona no local uma boate.
15) Cine São José - no Calafate. Também cinema de bairro, ficava na Rua Platina e passava apenas filmes B. Tinha um buraco no grande portão de ferro que era usado como saída. Neste buraco, várias crianças davam uma espiadinha no filme que estava passando. Embora perto de onde morava (dava para ir a pé), frequentei muito pouco este cinema. Recordo-me apenas de um filme que lá assisti: O Exército das Formigas Gigantes. O prédio foi demolido, cedendo lugar a um hipermercado.
16) Cine Santa Tereza - no bairro de mesmo nome. Não vi nenhum filme neste cinema. Quando fechou as portas, cedeu lugar a uma danceteria que ficou famosa na cidade na década de oitenta, a Santa Tereza Cine Show. Frequentava quase todas as semanas. Filas imensas se formavam a partir das dezenove horas nas noites de sexta-feira, pois havia a promoçao "O Porteiro Fugiu", quando, entre 20:45 e 21 horas, não se cobrava para entrar. Auge da new wave e do rock nacional, a pista de dança bombava até amanhecer o dia. Passada a moda, cedeu lugar a outra casa de dança, a Casablanca, com muita lambada e dança de salão. Hoje, abriga o Festival de Cinema de BH, que ocorre no último trimestre do ano. Voltou às origens, mesmo que por alguns dias ao ano.
17) Cine Amazonas - no bairro Barroca. Grande, sempre vazio. O barulho da Avenida Amazonas espantava o público. Também programava filmes que não estavam mais no circuito nobre do centro. Vi neste cinema Dio, Come Te Amo; Papillon e Candelabro Italiano. Como todos os cinemas de bairro, não exibe mais filmes. Não sei o que está no local, mas pelo tamanho, deve ser algum templo religioso.
16) Cine Santa Tereza - no bairro de mesmo nome. Não vi nenhum filme neste cinema. Quando fechou as portas, cedeu lugar a uma danceteria que ficou famosa na cidade na década de oitenta, a Santa Tereza Cine Show. Frequentava quase todas as semanas. Filas imensas se formavam a partir das dezenove horas nas noites de sexta-feira, pois havia a promoçao "O Porteiro Fugiu", quando, entre 20:45 e 21 horas, não se cobrava para entrar. Auge da new wave e do rock nacional, a pista de dança bombava até amanhecer o dia. Passada a moda, cedeu lugar a outra casa de dança, a Casablanca, com muita lambada e dança de salão. Hoje, abriga o Festival de Cinema de BH, que ocorre no último trimestre do ano. Voltou às origens, mesmo que por alguns dias ao ano.
17) Cine Amazonas - no bairro Barroca. Grande, sempre vazio. O barulho da Avenida Amazonas espantava o público. Também programava filmes que não estavam mais no circuito nobre do centro. Vi neste cinema Dio, Come Te Amo; Papillon e Candelabro Italiano. Como todos os cinemas de bairro, não exibe mais filmes. Não sei o que está no local, mas pelo tamanho, deve ser algum templo religioso.
Outros cinemas de rua nos quais não vi nenhum filme e que também não existem mais: Cine Regina, Cine São Cristóvão, Cine México e Cine Marabá.
No final da década de oitenta, os cinemas localizados em shoppings foram tomando o público destes cinemas de rua. Pouco a pouco, cada um deles agonizou ate fechar as portas. Para o circuito alternativo ou de filmes de arte, restava a Sala Humberto Mauro, vinculada à Fundação Clóvis Salgado (leia-se, ao Governo do Estado de Minas Gerais), até surgir o Savassi Cine Clube, uma sala de rua, que passou por várias fases e resiste até os dias de hoje, mas sem o público que tinha quando iniciou suas atividades. Nele vi filmes com a sala lotada, como Asas do Desejo e filmes com apenas eu de público, como Romance, de Sérgio Bianchi. Depois vieram outros cinemas de rua: o Belas Artes, o Usina, o Imaginário, o La Boca, entre outros que não mais existem. Destes citados, somente o Cine Savassi e o Belas Artes ainda funcionam.
Este post está longo, sinal de que a viagem ao tempo foi boa. Para quem leu até aqui, notei que não disse o que funciona no Club Odeon. Trata-se de um clube exclusivamente masculino, ou seja, um clube gay.
Nossa Noel, viajei completamente na sua viagem e adorei reviver todos eles.
ResponderExcluirAo contrário de você, frequentei o Cine Regina -que existia até pouco tempo como cinema pornô - aliás, nem tenho certeza se fechou mesmo. Foi lá que assisti a sensação daquele momento: Coisas Eróticas, em cinema lotado.
Algumas coisinhas:
- O Cine Roxy não era de reprise não, era cinema de arte, ainda mais alternativo que o Pathê. Era o meu preferido;
- o ator que faz Iracema com a Helena Ramos é Tony Correia - o eterno Machadinho de Locomotivas;
- um cinema que esqueceu de listar - e não sei se chegou a conhecer - foi o Imaginário, que era um espaço multi-uso maravilhoso.
Adorei sua viagem no tempo.
Bjs
Pek,
ResponderExcluirFiz o post sem consultar nada, por isso achei que teria algumas informações erradas. Já corrigi no texto o ator do filme Iracema e coloquei o Imaginário (no texto cito como o cinema em Santa Efigênia que não recordava o nome). Acrescentei também o Cine Amazonas, no Barroca. Obrigado pelas informações.
Bjs.
Léo, que memória, hein! Parabéns!
ResponderExcluirLaerte,
ResponderExcluirAté eu me surpreendi com tudo que lembrei.
Abraços.