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quinta-feira, 25 de março de 2010

UM CHORO NO CORREDOR

Quando saí do elevador no andar onde ficava o quarto do hotel onde estava hospedado, virei à direita em direção ao corredor que dá acesso ao apartamento 1623. Olhei para o relógio na parede. Os números 2, 3, 0 e 7 indicavam em um vermelho reluzente que já era tarde da noite. Estava muito cansado, pois o dia fora cheio de reuniões infrutíferas nas quais nada se decidiu. Longe de minha casa, só queria saber de um bom banho, deitar e dormir. Quando cheguei perto da porta do quarto, ouvi um choro. Talvez uma criança com fome ou com dor de barriga, pensei. Mas o choro parecia de uma pessoa adulta. Minha cabeça girava a mil, imaginando várias hipóteses para aquele choro. Parei no meio do corredor, tentando identificar de onde vinha. O hotel em que estava hospedado é muito grande. Cada andar tem dois grandes corredores, em dos quais estava meu quarto, que são interligados por quatro corredores menores. O choro vinha de um dos passadiços. A minha curiosidade falou mais alto. Caminhei em direção ao barulho. Quando virei no primeiro corredor, vi uma mulher, aparentando cinquenta anos, chorando em frente ao apartamento 1638. Ao perceber minha chegada, levantou a cabeça, que até então estava virada para o chão, me fitando nos olhos. Estava bem vestida e usava brincos com pequenos diamantes. Seu semblante era um transtorno só. Olhos inchados, maquiagem borrada, cabelo desgrenhado, mãos trêmulas. Não saiu do lugar. Cheguei perto, perguntando se podia ajudar. A senhora ficou estática, muda, apenas olhava para mim e chorava convulsivamente. Perguntei de novo se precisava de ajuda. Nenhuma resposta. Suas mãos procuravam algo nos bolsos do casaco que usava, sem sucesso. O mesmo ritual de procura foi feito em sua bolsa. Eu estava com minha chave, destas parecendo um cartão de crédito nas mãos. Subitamente, suas mãos vieram em minha direção, tocando na chave. Percebi que queria uma chave para abrir a porta. Recuei um pouco. Talvez tenha sentido medo. O choro era baixo, mas constante. Olhei em volta. Tudo calmo. Nenhum sinal de novos hóspedes. Ela insistia em pegar minha chave. Arrisquei falar em inglês. Seus olhos brilharam. Era estrangeira. Não esboçou nenhuma palavra. Conclui que era muda ou estava em choque. Estava inquieta, mas não se movia. Tentei me concentrar. Achei melhor chamar um empregado do hotel. Ao começar a voltar, na intenção de pegar o elevador, a senhora falou, em francês, que precisava abrir a porta de seu quarto, mas que não achava sua chave. Voltei, pois entendo a língua francesa, e disse que iria procurar ajuda na recepção. Bastou estas palavras para que entrasse em uma crise histérica. Tremia dos pés à cabeça. Balançava tanto, que achei que seu pescoço iria se quebrar. Parecia que estava em transe, recebendo um espírito. Achei que todos os hóspedes do andar sairiam de seus aposentos para ver o que acontecia. Fiquei temeroso de estar ali e alguém pensar que eu era o motivo para aquela cena. Em instantes, sem mais, nem menos, a crise cessou. Ela fixou o olhar no pé da porta. Olhei para o local e vi uma ponta do que parecia um cartão no vão da porta. Apontei, mostrando-lhe que poderia ser sua chave. Com um balanço da cabeça, assentiu. Pediu para que eu o pegasse. Num ímpeto abaixei-me, mas, agachado, não peguei a chave. E se tivesse acontecido alguma coisa dentro do apartamento? E se ela queria um álibi ou uma pessoa que pudesse ser um potencial culpado? Minhas impressões digitais poderiam ficar na chave. Logo imaginei alguém morto dentro do quarto ali em frente. Tenho uma imaginação fértil, sempre voltada para o nefasto. Era melhor não arriscar. Levantei-me e disse que só poderia ajudá-la chamando alguém do hotel. Ela se contorcia, dizendo para não falar nada para ninguém. Só queria minha ajuda. Percebi um cheiro de álcool no ar. Vinha da sua boca. Estava com alguns graus etílicos na cabeça. Percebendo que eu não pegaria o cartão, se abaixou, o puxou para fora e se levantou. Realmente era uma chave usada no hotel. Pediu-me para abrir a porta. Mostrei, com minha chave nas mãos, como se abria, mas ela não queria colocar o cartão na fenda da fechadura. Pedia para eu pegar sua chave, enfiá-la na fechadura e abrí-la. Querendo ajudar, mas com medo, preferi deixá-la no corredor parada em frente à porta. Em tom de súplica, apenas me disse para não ir à recepção. Voltei para meu apartamento. Olhei duas vezes para trás, mas ninguém me seguia. O choro voltou a ecoar no corredor. O incrível é que ninguém aparecia, não havia sinal de vida, além da minha, da senhora chorosa e das plantas que enfeitavam os corredores. Sabia que o hotel estava lotado, pois acontecia uma conferência mundial em suas dependências sobre novos métodos de implantes dentários. Onde estavam todos àquela hora? Entrei rapidamente no meu quarto, tranquei a porta com os ferrolhos internos, deixei as luzes apagadas. Em silêncio, tentava escutar todos os barulhos externos. A campainha do elevador anunciando o andar soou. Coloquei o ouvido na porta para tentar distinguir alguma possível conversa. Uma pessoa passou no corredor. O choro continuava. Os passos eram acelerados, mas logo cessaram. Uma conversa, certamente em francês, em tom baixo, dava para ser ouvida, mas não compreendia o que se falava. O choro parou. Fiquei com vontade de voltar ao corredor, mas não tive coragem. Só pensava em coisas ruins. Tirei a roupa e tomei uma boa chuveirada. Foi relaxante. Depois de enxuto, vesti meu pijama, preparando-me para deitar. Fiquei em silêncio, na esperança de ainda ouvir alguma coisa. Escutei uma porta se abrindo e, em seguida, se fechando. Nenhum passo no meu corredor. O elevador parou novamente no andar e logo seguiu seu destino. Nada mais se ouvia. Passava de uma hora da madrugada.

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