O telefone toca insistentemente. Edu tem preguiça de sair da cama. Quem seria? Olha o despertador ao lado e não acredita no que vê. O relógio marcava 6:15 horas. Levanta assustado, pensando que acontecera alguma coisa com alguém conhecido. Não tinha parentes, nem namorada, pois se achava muito superior a todas as mulheres que conhecia. O telefone continua tocando. Sai de seu quarto, passa em frente ao espelho e tem a impressão que viu um vulto atrás de si. Volta ao espelho e não vê mais nada. Deve ser efeito da sonolência, pensou. O telefone ainda toca. Edu chega na mesinha, que fica em um canto do pequeno corredor, e atende. Do outro lado da linha uma amistosa voz feminina lhe dá bom dia e diz que, consultando os arquivos da empresa, constatou que era hora de trocar o filtro do seu aparelho de água. Ele tem um sentimento de fúria inacreditável. Fica sem voz. A mulher continuou a falar e ele joga o telefone no chão, espatifando-o em mil pedacinhos. Vai até a cozinha e faz o mesmo com o aparelho de água. Seis horas da manhã! Que desrespeito, bravejou. Volta para o quarto e passa em frente ao espelho. O vulto está lá, rindo para ele. Se vira e nada enxerga no quarto. Volta-se para o espelho mais uma vez e só vê sua imagem. Percebe que seus cabelos estão atrapalhados, seus olhos estão inchados. Sente dores no corpo e fica querendo uma boa massagem. Procura seu celular e acha o telefone do massagista. Ainda é cedo para ligar para ele. Deita de novo, mas não para de pensar no vulto. Se levanta, arrasta o espelho para frente de sua cama e se posiciona de maneira a sempre mirar sua imagem. Nada de vulto. Adormece.
Edu dorme por mais de quatro horas. Acorda com a bexiga cheia. Precisa ir ao banheiro. O espelho na frente reflete a cama, os lençóis, o próprio Edu. Não há vulto. Vai ao banheiro. Após dar a descarga, sente um sopro em seu ombro direito. Põe a mão e sente outra mão. Fica assustado. Não há ninguém. De frente para a pia, se abaixa e lava o rosto. Ao erguer o olhar se depara com uma imagem distorcida no espelho acima da pia. Não é ele. Começa a ficar com medo. Acha que seu subconsciente ainda processa o filme de terror que vira na noite anterior. Sai do banheiro e volta para o quarto. Precisa se arrumar, ir trabalhar. Abre o guarda roupa, pega uma muda de roupa limpa. Retorna ao banheiro para tomar banho. Evita olhar para o espelho do quarto e para o do banheiro. Debaixo do chuveiro pensa no vulto, pensa na mão em seu ombro. Afasta estes pensamentos. Se enxuga e coloca a roupa para ir trabalhar. Resolve não comer nada. Precisa sair o mais rápido possível de casa. Pega a chave do carro. Do lado de fora, aguarda o elevador. Ao entrar, um grande espelho o espera e nele o vulto, desta vez chorando. Ele enche os pulmões de ar, expira longamente, fica de costas para o espelho e aperta o botão do térreo. São sete andares de aflição. O ar fica rarefeito. Edu sente muito calor. Ele encosta sem querer no painel do elevador e a luz interna se apaga. Pensa logo que o vulto saiu do espelho e está brincando com ele. O elevador chega ao térreo e Edu sai trôpego, sem ar. Anda em passos largos para seu carro, estacionado na área externa de seu prédio. Se lembra que há espelhos no carro. Resolve ir de ônibus. Mesmo havendo espelhos no ônibus, há outras pessoas. O ponto não era longe, apenas andou duas quadras, cerca de duzentos metros. Logo o coletivo apareceu e ele entrou. Estava lotado e só havia lugar em pé, próximo à porta de entrada. Edu ali se postou. Não percebeu que havia um grande espelho redondo que o motorista usava para ver se havia mais pessoas entrando. Ficou bem em frente ao espelho. Na primeira freada, se viu refletido e ao seu lado o vulto fazendo caretas. Começa a suar frio. Resolve perguntar a uma senhora o que ela via no espelho. Ela ficou assustada ao ser abordada por um sujeito suando em bicas, visivelmente transtornado. Olha para o espelho e vê o que deveria ser visto, ou seja, Edu e as pessoas que estavam em pé ao seu lado. Ela resolve virar o rosto, fingindo que não escutava direito. Edu foi ficando bambo e desfalece. Quando acorda está em uma enfermaria de um pronto socorro de um hospital público. Não sabe como foi parar lá. Chama pela enfermeira e fala que quer ir embora. Ela diz não poder deixá-lo ir, pois somente o médico plantonista poderia lhe dar alta. E completa dizendo que seu estado indicava que seria internado. Ele se desespera e levanta da maca, arrancando a agulha que lhe garantia soro na veia. A enfermeira aciona dois homens fortes, auxiliares de enfermagem que também estavam de plantão e Edu é controlado. Nova medicação na veia e ele dorme. Enquanto dormia, o médico verifica os resultados dos exames laboratorais que Edu fizera quando ainda estava desacordado. Não há nada de errado fisicamente com Edu. Stress é o diagnóstico. Quando Edu acorda, já está de alta. Sai do hospital e pega um táxi. Dá o endereço de casa e fica de cabeça baixa, pois não quer ver o retrovisor interno do carro. Tem medo de ver o vulto novamente. Em casa, evita o elevador, sobe os sete andares de escada e entra no apartamento. Pega um cobertor no armário do corredor e joga em cima do espelho do quarto. Não vai ao banheiro. Precisa descansar. Liga de seu celular para o trabalho e dá uma desculpa qualquer pela sua ausência. Escolhe ficar sentado no sofá da sala. Não quer ouvir música e nem ver televisão. Fica apenas olhando fixamente para a parede a sua frente. Não vê o tempo passar. Horas e horas ele fica na mesma posição com os olhos fixos em um único ponto. Fica tão compenetrado que o ponto fixo começa a se mover. A parede se abre. Ele se levanta e passa pelo buraco que acabara de se formar. Vê cores se movendo ao seu redor. São luzes azuis, vermelhas e alaranjadas. Elas o envolvem de tal forma que parecem cordas o impedindo de sair. Segue em frente. Apenas cores por todos os lados. De repente, um grande barulho se ouve. Ele perde a concentração e vê a porta de seu apartamento ser derrubada. Eram os bombeiros. Edu estava há cinco dias na mesma posição. Não escutou o celular tocando, a campainha tocando. Os colegas de trabalho ficaram preocupados e pediram ao síndico para tomar uma atitude. O síndico chamou os bombeiros e eles arrombaram a porta da frente. Ficaram espantados com o que viram. Edu sereno e calmo, com os dois olhos parecendo olhos de boneca. Ele se virou para os bombeiros, sorriu, se levantou, passou por eles, entrou no elevador, apertou o botão do térreo e mirou o espelho. Não via seu reflexo, apenas o vulto. Desta vez não estava com medo. Colocou a mão no espelho e sentiu que ele se tocava. Achou aquilo lindo e quis se beijar. O elevador chegou ao térreo. Ele não sai, aperta novamente o sétimo andar e começa a beijar o espelho. Entende que não havia vulto algum. Era ele mesmo, mas sendo visto de maneira diferente. Ele estava apaixonado por si mesmo, como Narciso. Quando as portas se abriram no sétimo andar, os bombeiros viram aquela cena estranha. Edu beijando a própria imagem. Ele sai do elevador e entra em seu apartamento, ignorando totalmente os que ali estavam. Vai até o quarto, retira o cobertor que cobria o seu espelho e fala alto, olhando para si mesmo: "espelho, espelho meu, existe alguém mais interessane do que eu?" As pessoas resolvem sair. Edu não se preocupa com a porta aberta. Quer apenas ouvir a resposta para sua pergunta. Ao ficar totalmente sozinho, sua imagem altera sua posição, fixa seus olhos em Edu e responde: "EU TE AMO". Edu finalmente encontrara sua cara metade e os espelhos nunca mais deixaram de ser sua companhia.
Noel,
ResponderExcluirVolto a dizer que adoro o clima que você cria no desenvolvimento das suas histórias.
Bjs
Pek,
ResponderExcluirObrigado mais uma vez.
Noel , volto a repetir: SENSACIONAL!
ResponderExcluirVoltei de férias. Estava com saudades de você, do seu blog e, principalmente das suas histórias, pois há muito você não escrevia.
Beijos,
Kitty
Kitty,
ResponderExcluirQue bom que tenha gostado. Welcome back!
bjs.