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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O ASTRO

O ônibus parou na rodoviária da cidade. Rodoviária simples, apenas com duas plataformas para os ônibus estacionarem. Desceram do veículo apenas três pessoas. Uma mulher idosa, cujo marido a esperava na plataforma e dois jovens totalmente cobertos de tatuagem, alargadores de lóbulos enormes nas orelhas, piercing nas sombrancelhas, unhas pintadas de negro e cabelo com muito gel. Chicão ficou espantado e sua mulher dizia que os dois vieram da capital, só conversando em uma língua estranha. O casal de idosos se benzeu e saiu da rodoviária. Os dois jovens esperaram as malas e Nick, o que parecia mais jovem, perguntou ao motorista do ônibus onde poderiam se hospedar. Miguel, o motorista, disse que naquela cidade minúscula não havia hotel. Apenas uma pensão do outro lado da linha de trem. Ele perguntou onde era a linha de trem. Miguel só apontou para frente. A linha férrea passava a poucos metros da rodoviária. Nick chamou Peter e atravessaram a linha. Do outro lado ficava a estação, aparentemente abandonada e, imediatamente atrás, a tal pensão indicada por Miguel. Algumas crianças que brincavam nas proximidades da estação pararam para ver os dois tatuados caminharem rumo à casa de Dona Quinha. Eles viram apenas uma pequena tabuleta com os dizeres "Pensão D. Quinha" escrito com uma letra bem infantil na cor vermelha. Procuraram a campainha e não encontraram. Bateram palmas e um cão latiu em seguida. Uma senhora com o rosto parecendo um maracujá maduro, bem enrugado, de lenço encardido na cabeça, os recebeu. Nick perguntou se havia quarto disponível. Ela perguntou para quantas noites. Eles disseram que ficariam cinco noites. Ela pediu pagamento adiantado. Cem reais. Eles riram e pagaram logo. Colocaram as malas no pequeno quarto sem banheiro e saíram. Ficaram procurando um local adequado para o que queriam. A cidade era pequena, apenas uma via principal, atrás da rodoviária, onde ficava a igreja, o templo evangélico, o mercadinho, a farmácia, o posto de saúde e a prefeitura, além de dois bares bem rústicos. Parecia que tudo na cidade acontecia naquela espaço. Nick e Peter percorreram toda a cidade e não gostaram do que viram. Não havia nenhum local para a chegada do astro. Voltaram para a pensão e pediram almoço. Dona Quinha os acomodou numa grande mesa de madeira que outrora servia refeições para os que desciam do trem a caminho da capital. O trem sempre parava na hora do almoço na estação da cidade. Da mesa, eles tinha uma visão parcial da linha férrea e de um túnel. Perguntaram a extensão do túnel e Dona Quinha respondeu que não sabia e que há mais de trinta anos o túnel estava desativado, pois o trem não passava mais ali. Eles acharam estranho e ela disse que um certo dia uns americanos desceram do trem com uns equipamentos engraçados e disseram que era perigoso o trem passar por ali. Tinha uma tal de radiação no túnel. As autoridades fecharam o túnel e o caminho do trem foi desviado para fora da cidade, bem longe dali. Realmente a impressão que eles tiveram de abandono da estação estava confirmada. Almoçaram e foram ver o túnel. Ficaram encantados com o que viram. No meio do túnel havia uma escada. Subiram e saíram no topo da construção. Um descampado incrível estava ali em cima. O local perfeito para construir a arena para a apresentação do astro. Foram até a pensão e tentaram fazer uma ligação do celular. Obviamente não conseguiram nenhum sinal. Procuraram um telefone público. O único disponível era na prefeitura. Foram para lá e por onde passavam eram a grande atração. Algumas crianças os seguiam. Ao telefone, conversaram alto, pois a ligação era ruim. Gritavam que o astro poderia se apresentar perfeitamente ali, que tinham encontrado o espaço. O pessoal que estava perto ouviu e logo se espalhou a notícia de que o astro se apresentaria na cidade. Eles gostaram do boato se alastrar rapidamente. À noite, o prefeito foi visitá-los na pensão e quis saber sobre o evento. Disseram que não podiam falar muito, mas o astro se apresentaria em cima do túnel. O prefeito se assustou e disse que era perigoso por causa da radiação. Eles não deram ouvidos. Em dois dias, vários caminhões chegaram na cidade e foram estacionando em cima da linha férrea, já que ela não servia para nada mesmo. Quando o prefeito exigiu explicações, lhe mostraram muitos dólares. Seus olhos brilharam e ofereceu a sua casa para o astro se hospedar. Nick e Peter disseram que era desnecessário. O astro não dormiria na cidade. Em mais três dias, uma verdadeira arena foi montada em cima do túnel, com uma longa escada para acesso às suas arquibancadas. Na cidade só se ouvia e falava da chegada do astro. As mulheres queriam ficar lindas para ver o astro. Algumas pediam aos maridos ou pais que comprassem uma máquina fotográfica na cidade mais próxima. A cidade vivia das transferências obrigatórias de fundos dos governos federal e estadual, além dos poucos servidores estaduais e municipais que ali trabalhavam. As famílias não tinham dinheiro para gastar com câmaras fotográficas. As mulheres tanto insistiram que o prefeito comprou duas máquinas para a prefeitura e fez um sorteio para que duas pessoas as usassem durante a passagem do astro no local. Passadas as cinco noites na pensão, Nick e Peter pagaram por mais três noites. Distribuíram cartazes na cidade chamando para a chegada do astro. Não havia nenhuma foto da grande atração nos cartazes, apenas grafismos e cores, além da chamada: "Terça-feira, 10 horas da manhã - Arena do Túnel". Alguns homens chegaram em outros caminhões e armaram vários instrumentos na arena: tripés para câmaras digitais, refletores, caixas de som, canhões de luz. Todos falavam na mesma língua de Peter e não se comunicavam com ninguém da cidade. Assim, a terça-feira chegou. Toda a cidade e mais algumas pessoas de lugarejos próximos foram para a arena. Os mais velhos estavam receosos por causa da radiação, mas a curiosidade falava mais alto. A arena ficou lotada. Os estrangeiros estavam todos acomodados perto da escada de acesso e os caminhões estavam estacionados bem embaixo, com os motores ligados. Um auto falante anunciou que o astro estava chegando e que todos ficassem de pé, colocassem os braços para cima e gritassem. A turba fazia exatamente o que o auto falante disseminava. Os estrangeiros estavam satisfeitos, miravam as câmaras digitais nas pessoas. Algumas mulheres estavam histéricas e foram focalizadas várias vezes. A multidão ficou de pé e começou a pular, a gritar: "Queremos o astro, queremos o astro". As estruturas da arena rangiam. Os estrangeiros se entreolhavam. Nick e Peter, ainda na pensão, pagaram o que ainda deviam e foram para a rodoviária. Não encontraram ninguém no caminho. O ônibus lá estava, pontual: 9:45 horas. Estava na hora do astro chegar. Nick e Peter entraram no ônibus e Miguel, o motorista, perguntou se não veriam o astro. Disseram que não havia nada para ver. Miguel olhou para eles e disse: "Vocês já estão acostumados, já viram o astro muitas vezes". Se sentou em sua cadeira, deu a partida e saiu conduzindo apenas os dois para a capital. Nick pensou em falar para Miguel que nunca tinha visto o astro, mas desistiu. Quando passaram no pórtico de entrada da cidade, viram um helicóptero no céu. O helicóptero sobrevoou a arena e o auto falante anunciou a chegada do astro. Ele chegara dos céus. A multidão olhou de uma só vez para cima. O helicóptero parado deixava cair uma chuva de papel prateado e pétalas de rosas amarelas e rosas. A multidão gritava cada vez mais. Não perceberam que os estrangeiros desceram as escadas, entraram nos caminhões e saíram dali. O auto falante continuava a anunciar o astro. Bolinhas de isopor começaram a cair e a multidão, em transe, gritava cada vez mais. Dentro dos caminhões, os estrangeiros riam e olhavam as cenas gravadas da multidão. Estavam satisfeitos com os resultados. Na arena, o helicóptero subiu um pouco mais. Uma corda com uma espécie de caixa começou a baixar. A multidão gritava pelo astro. A corda foi cortada, a caixa caiu no meio da arena. Nada saiu de dentro. O helicóptero se afastou e o auto falante se calou. A multidão esperava. O prefeito saiu correndo para dar as boas vindas para o astro e se aproximou da caixa. Nela estava escrito: "O ASTRO". Ele bateu e um barulho foi ouvido. Acenou para a multidão, que delira. Abriu a caixa e um porco com um balão a gás amarrado no pescoço saiu lá de dentro, guinchando muito. No balão, apenas a palavra "TROUXAS".

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