Chico Buarque tem uma vasta obra fonográfica, sendo difícil escolher qual a melhor, ou a essencial para um colecionador. Alguns vão afirmar que todos os seus discos devem estar presentes em uma discoteca básica, e com razão. No entanto, me propus a escolher um entre as dezenas de discos já lançados pelo cantor carioca. Minha escolha recai no disco Almanaque, lançado em 1981. Quando comprei, logo após a chegada do disco nas lojas especializadas, fiquei com a versão em vinil, pois não gostava de fita cassete, os dois únicos formatos de lançamentos da indústria fonográfica à época. A capa já me chamou a atenção, com os famosos olhos de Chico Buarque mirando quem quer que seja. O rosto do cantor, sem contorno, mas destacando olhos, nariz e boca, enfeita o centro de uma página de uma almanaque, destes que hoje temos a oportunidade de ler quando voamos de TAM. Como todo bom almanaque, a capa do disco traz jogos, charadas e frases de efeito, estimulando a sua leitura. A concepção desta bela apresentação de Almanaque coube ao artista plástico Elifas Andreato. Mas não é só seu invólucro que me chamou a atenção, mas também as canções, tanto do lado A, quanto do lado B. São apenas nove músicas, mas todas com forte presença nas rádios que tocavam música brasileira de verdade. Começa com As Vitrines, uma deliciosa canção que ainda guardo na memória. Segue Ela É Dançarina, uma divertida música que fala sobre a vida de uma profissional de cabaré casada com um funcionário, cujos horários nunca combinam. A terceira faixa é Meu Guri, com forte apelo social, de denúncia mesmo. Chico leva bem a canção, mas sua intérprete definitiva sempre será Elza Soares. A Voz do Dono e O Dono da Voz é uma canção que verbaliza a polêmica que o cantor viveu numa troca de gravadora à época. Tanto Amar, Amor Barato e Angélica são outras canções conhecidas que se fazem presentes no disco. Completam o set list a canção que empresta seu nome ao disco, Almanaque, e Moto Contínuo. Todas as canções são de autoria de Chico Buarque. Apenas em duas ele tem parceria. Em Moto Contínuo, com Edu Lobo e em Angélica, com Miltinho.
Reproduzo abaixo a canção do disco que mais gosto: Meu Guri.
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
ALMANAQUE (1981) - CHICO BUARQUE
música
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