Desde meados de outubro está acontecendo uma série de espetáculos nos equipamentos do Complexo Cultural da Funarte em Brasília. O projeto recebeu o apropriado nome de Ocupação Funarte 2011, pois o local estava com utilização aquém de sua capacidade. A sua concepção é de fazer com que o público frequente os espaços da Funarte, com espetáculos baratos e de qualidade. A produção é uma parceria do Instituto Zabilim de Arte e Cultura com a Matéria Prima e tem programação intensa até perto do Natal. Com localização de fácil acesso, amplo estacionamento, relativamente próximo à Rodoviária do Plano Piloto, com preços convidativos e programação de ótima qualidade, não tem como não sair de casa para um banho de cultura. Como estava em férias em outubro e um acúmulo de serviço sempre esperado na volta destas férias, perdi a programação inicial do projeto, mas tenho comparecido com mais frequência a partir da segunda quinzena de novembro. Um dos projetos dentro da Ocupação Funarte foi dedicado à música, fazendo uma ligação com o mês da Consciência Negra, cujo nome foi Conexão África-Brasília. Foram sete shows diferentes, sendo seis deles com intérpretes femininas. Todos os shows tiveram lugar na Sala Cássia Eller, um espaço que ainda não conhecia. Sala pequena, mais confortável do que o Teatro Plínio Marcos, no mesmo complexo, ideal para shows mais intimistas e sem muita produção requintada de palco. Os intérpretes foram Nei Lopes (RJ), Cris Pereira (DF), Camilla Faustino (GO), Joana Duah (DF), Ligiana Costa (DF), Renata Jambeiro (DF) e Zezé Motta (RJ). Consegui assistir a três cantoras das quais nunca havia visto um show exclusivo delas. Seguem as minhas impressões dos shows.
Ligiana Costa
Quando: 18 de novembro de 2011, quinta-feira, às 20horas.
Onde: Sala Cássia Eller, Complexo Cultural da Funarte - Brasília - DF
Quanto paguei: R$ 10,00 (inteira). Comprei o ingresso alguns minutos antes do show.
O show: palco seco, apenas um piano de calda à esquerda, e um banquinho/violão à direita. Ao fundo, um banner alusivo ao projeto. Ligiana preparou um show exclusivo para o Conexão África-Brasília tendo como base o repertório do clássico disco Afro-Sambas lançado em 1966 por Baden Powell e Vinícius de Moraes. Com apenas dois músicos no palco, um pianista e um violonista, ela fez um show com muita técnica, onde se destacou sua voz: afinadíssima, suave, gostosa de ouvir. Ela foi além do disco Afro-Sambas ao introduzir canções que Philippe Baden Powell, filho de Baden, encontrou nas gavetas do pai que eram da mesma série dos afro-sambas. Philippe lançou, inclusive, um disco chamado Afro-Samba Jazz com algumas destas canções inéditas. Ele já trabalhou com a cantora. Ligiana também deu oportunidade para que os dois músicos que a acompanharam no palco mostrassem um pouco do seus trabalhos, deixando-os sozinhos em cena. No bis, a belíssima Canto de Ossanha, um dos clássicos do cancioneiro nacional. Ao final, foram 75 minutos de show. Um belo repertório em uma voz linda. Merecia ser visto por mais pessoas.
O que gostei: do repertório, da bela voz de Ligiana e da interpretação da música Canto do Caboclo Pedra Preta (Banden Powell e Vinícius de Moraes), já gravada por ela em seu trabalho De Amor e Mar, lançado em 2009. Aliás, o disco estava à venda na saída do teatro, mas eu já o tinha comprado desde o ano passado. É um belo trabalho.
O que não gostei: da falta de direção do show. A cantora tem bela voz, sabe escolher repertório e músicos, falta apenas uma direção adequada para uma melhor apresentação. De qualquer forma, isto não atrapalhou a delícia de ouvir e ver o show de Ligiana.
Detalhes que vi: no início do show, o ar condicionado atrapalhou o pianista, pois o vento saía em direção às partituras que ficavam acima do teclado. O problema foi resolvido logo no início, quando desligaram o aparelho.
Renata Jambeiro
Quando: 24 de novembro de 2011, quinta-feira, às 20 horas.
Onde: Sala Cássia Eller, Complexo Cultural da Funarte - Brasília - DF
Quanto paguei: R$ 10,00 (inteira). Comprei o ingresso alguns minutos antes do show.
O show: o palco pequeno acomodou, ao fundo, os sete músicos que acompanham a cantora em sua agenda de shows. Na frente do palco, à direita, um altar alusivo aos terreiros, com duas imagens de preto velho e cabocla, com algumas oferendas. Uma performance teatral com o ator Edson Duavy interpretando um preto velho, deu início ao espetáculo já na entrada da sala, onde ele ficava sentado em um banquinho, recebendo apenas com o olhar as pessoas que foram ao show. Após os anúncios de praxe, ele entrou empunhando uma bengala, cachimbo, de pés descalços, se sentando no centro do palco, bem próximo à primeira fila. Era a deixa para Renata Jambeiro entrar em cena, passando no estreito corredor que separa a primeira fila do palco, reverenciando o preto velho, e entoando a primeira canção. Até pensei que ele ficaria ali o tempo todo, mas já na segunda música, se posicionou à esquerda, em frente aos músicos da percussão, para algumas músicas depois se sentar junto à plateia, recebendo os agradecimentos da cantora pela participação. Esta performance teatral mostra a origem da cantora, atriz e bailarina de formação. Jambeiro fez um show vibrante, para cima, fazendo um mix de canções que costuma apresentar em seus shows há quase dez anos (completará uma década de carreira no próximo mês de dezembro), além de alguns clássicos do samba. Também fez reverência à sua madrinha no ritmo, cantando Dona Ivone Lara. Mostrou na fonte em que bebeu, não se esquecendo de prestar homenagem à guerreira Clara Nunes, interpretando sambas que ficaram eternizados na voz desta sambista mineira, como O Mar Serenou (Candeia). Não faltou o repertório de seu mais novo trabalho, o dvd Sambaluayê, como o ótimo samba Se É Para Fazer Faz Direito. Ente um bloco de música e outro, ela contava um pouco da sua trajetória. Um momento bonito foi já no bis, quando ela erra a letra da música e pede ajuda para sua mãe, presente na plateia, que levanta e dá o tom da canção. Foram quase duas horas de um ótimo show.
O que gostei: da energia que Renata contagia o público, do repertório, da sinergia entre a cantora e seus músicos, dos arranjos para os sambas interpretados durante o show. Também gostei do charme da língua presa, dando um toque especial em sua interpretação.
O que não gostei: embora interessante a história, a interrupção do show em diversos momentos para que Jambeiro conte sua trajetória ou alguma particularidade sobre a música atrapalha a continuidade do show. Seria mais interessante separar duas oportunidades para os textos e histórias.
Detalhes que vi: um fã erguer uma faixa em pano, bem pintada, com os dizeres "Um Sonho. Sua Toalha". A cantora, com ótimo bom humor, passou a toalha pelo corpo, a mesma que utiliza durante o show para enxugar seu suor, beijou-a, entregando-a ao rapaz. Outro detalhe foi ver uma senhora sentada próximo a mim visivelmente emocionada, com lágrimas escorrendo pela face, quando Renata reverenciou Clara Nunes.
Zezé Motta
Quando: 25 de novembro de 2011, sexta-feira, às 20 horas.
Onde: Sala Cássia Eller, Complexo Cultural da Funarte - Brasília - DF
Quanto paguei: ganhei o ingresso da coordenadora de produção do Ocupação Funarte 2011. O valor na bilheteria era R$ 10,00 a inteira.
O show: sem adereços, o palco comportou apenas quatro músicos e a cantora Zezé Motta, que fez um show homenageando Jards Macalé e Luiz Melodia, senhores do repertório da noite. No set list do show estavam as músicas inseridas no mais novo trabalho da cantora, o cd Negra Melodia, com o acréscimo de canções destes compositores que ela já gravara antes ou que são clássicos de ambos. Foi um desfile de sucessos, como Mal Secreto; Vale Quanto Pesa; Anjo Exterminado; Estácio, Holly Estácio; entre tantas outras. Fiquei impressionado com a força de Zezé Motta no palco. Ela preenche todo o espaço, não só com sua potente voz, mas também com seu gestual, sua posição no tablado, suas caras e bocas. Uma maravilha. Também destaco a espontaneidade da atriz/cantora, que mesmo quando errava uma ou outra letra, se saía bem, não perdendo o pique. Colocou o público para cantar com ela alguns clássicos de Melodia. Impressionou-me também a carga dramática que colocou na interpretação uma canção de Jards Macalé da qual não me recordo o nome. Um pouco depois de transcorrido metade do show, ela sai de cena para trocar de roupa, quando ela tira o longo preto com motivos dourados, voltando com um também longo, mas todo negro, com uma fenda enorme deixando à mostra uma de suas coxas. Como estava quente o local, ela precisou enxugar o suor do rosto, tendo que pedir lenços de papel à produção, no que foi prontamente atendida. Belíssimo show, que durou cerca de 90 minutos.
O que gostei: do repertório, da interpretação de Zezé Motta. Vê-la cantando ao vivo foi ótimo.
O que não gostei: do calor insuportável que fazia dentro da sala, cujo ar condicionado ficou o tempo todo desligado. Sei que o ar prejudica o cantor e que na Sala Cássia Eller ele faz um barulho chato, mas que o calor estava demais, estava.
Parabéns à produção do Ocupação Funarte 2011 não só pela ideia, mas por proporcionar à Brasília espetáculos de qualidade e de reverenciar a cultura local. Vida longa às produtoras. Vida longa ao projeto. Que venham muitos outros projetos semelhantes.
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