Ainda na noite de terça-feira, extasiado com a excelente peça Rá! no CCBB, saí do centro cultural direto para o Teatro Nacional Cláudio Santoro, passando antes em casa para pegar Ric. O ingresso custou R$ 16,00 a inteira. Um bom público estava no saguão de acesso à Sala Martins Penna, local da peça do grupo Teatro Línea de Sombra, detentor de alguns prêmios no México, o seu país de origem. Um amigo nos esperava para entrar. Nossos lugares eram distantes do de nosso amigo. Eu e Ric estávamos na última fileira, à esquerda do palco. Quando a gravação que anuncia os patrocinadores desta edição do festival ecou nas caixas de som, resolvemos nos sentar em um dos muitos lugares vazios que havia em local mais próximo ao palco. Lembro-me de que, quando fui comprar os ingressos, tais lugares estavam reservados para os patrocinadores. Para variar, os convidados não compareceram. Melhor para quem comprou em lugar mais distante, que gosta de teatro e teve a oportunidade de trocar de lugar. Os atores mexicanos já estavam em cena e com as luzes ainda acesas a peça Amarillo teve seu início. Sem ler a sinopse da peça, associei o nome à cor amarelo, mas trata-se de cidade norte americana localizada no estado do Texas, próximo à fronteira entre Estados Unidos e México. A peça acompanha a tentativa de um imigrante mexicano em cruzar a fronteira ilegalmente, enfrentando as agruras de um árido deserto para alcançar o "sonho americano". Os personagens que transitam na história não tem nome. Raúl Mendoza faz o imigrante, enquanto as atrizes Alicia Laguna, María Luna, Vianey Salinas, Antígona Gonzalez e o ator Jesus Cuevas participam dos sonhos e delírios do imigrante. Jesus Cuevas também é o responsável por entoar uma canção, ou melhor, uma espécie de mantra, na primeira parte da peça, que incomoda. Lembrei do filme de Herzog, Onde Sonham As Formigas Verdes, quando um cântico aborígene tomava conta da trilha sonora, chegando a irritar a quem o assistia. Foi a mesma sensação que senti ao ouvir Cuevas com seu vocalize. No entanto, entendo que tal atmosfera era necessária para sentirmos a aflição que o imigrante vivia ao cruzar, sozinho, o deserto. O texto de Gabriel Contreras é engolido pelo excesso de informações visuais presentes durante os 70 minutos da peça. Para caracterizar os delírios, a desidratação, a fome, a solidão, a saudade dos familiares do imigrante, o grupo utilizou-se de muitos recursos cênicos, como vídeo, instalações, areia caindo de sacos pendurados no teto, a interação entre o que se passava no palco com as imagens projetadas no muro colocado ao fundo, mostrando duas possibilidades de visão da mesma cena. Estes efeitos foram muito bem utilizados. Gostei muito quando Raúl fica no chão do palco, se contorcendo e se arrastando, como se estivesse tendo espasmos. Esta cena era filmada e projetada na parede no mesmo momento. Quem se fixava na projeção, os mesmos movimentos que o ator fazia no chão pareciam uma escalada difícil para alcançar o cume do muro. Muito interessante. O texto era falado em espanhol, enquanto uma legenda passava no alto do muro. A legenda não conseguiu acompanhar todas as falas, que algumas vezes ficavam abafadas pela trilha sonora ou pelo mantra entoado por Cuevas. Algumas pessoas do público não aguentaram esperar o final do espetáculo, saindo antes. Uma cena me chamou a atenção: enquanto Raúl interpretava uma conversa ao celular com sua mulher, para cada frase que ele dizia, uma mulher da plateia respondia. Inicialmente pensei que era parte da peça, mas ao finalizar a conversa ao celular, o ator dirige uma breve frase a quem lhe retrucava, dizendo que lha daria um papel na peça. Não sei se ficou irritado (o que me pareceu) ou quis tirar uma onda. Como atrativo visual, a peça é interessantíssima, mas o texto é muito específico, para uma realidade forte no México que não vivemos de forma tão intensa no Brasil (temos exemplos de brasileiros que tentaram entrar nos Estados Unidos cruzando a fronteira via México, mas em número infinitamente inferior ao que ainda acontece com os mexicanos). O texto não me bateu. E como disse um pouco acima, as informações visuais são muito intensas e excessivas, o que sufocou o texto. E lembro que ainda estava na memória a performance de Ricardo Guilherme em Rá!, onde a força do texto e da interpretação dispensaram qualquer recurso cênico. Digo que gostei de ver Amarillo, mas não morri de amores.
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