Na noite de sexta-feira fui conferir mais um espetáculo do festival Cena Contemporânea. Sessão de 21 horas com o teatro bem cheio. Mais uma vez o cheiro de mofo e poeira da Sala Martins Penna do Teatro Nacional Cláudio Santoro se fez muito presente, potencializando as tosses na plateia, comuns nesta época do ano, com a secura de Brasília. La Beauté du Diable é solo de dança, concebido, coreografado e interpretado pelo artista Koffi Kôkô, africano do Benim. Em cinquenta minutos de espetáculo, ele dança em um palco seco, apenas com um objeto vestido com uma roupa colorida colocado no canto esquerdo e uma bacia com tinta branca. A música é executada ao vivo por um trio de percussionistas. Cânticos africanos são entoados em alguns momentos do espetáculo. O bailarino começa com passos suaves, sem música, em movimentos marcados e precisos, mas muito leves. Kôkô parecia flutuar. Os passos vão se modificando, se acelerando, depois que há um "diálogo" entre o bailarino com o tal objeto colorido, que me pareceu representar uma divindade/entidade. O palco, então, faz as vezes de uma espécie de terreiro, onde o dançarino vai entrando em um transe, pintando seu rosto, seus braços e seu tronco com a tinta branca que estava na bacia. Sua expressão facial demonstra que ele está incorporado e serve de elo entre duas entidades, uma espécie de mensageiro entre deus e o diabo, como está na sinopse escrita no catálogo do festival. Depois que se pinta, ele veste um paletó branco, completando o figurino, pois já estava com uma calça também na cor branca. Uma dança frenética ocorre em todos os espaços do palco, marcada pelo ritmo crescente da percussão. Então, o dançarino se posta no lado oposto do objeto colorido e transmite a mensagem que lhe foi confiada. Sua tarefa estava cumprida. Era chegada a hora de voltar e festejar. Para tal festejo, um recurso cênico simples, mas de grande impacto visual, pois ele tirava dos bolsos de seu paletó bocados de pó branco e o jogava por cima de seu corpo. Com a iluminação, o efeito ficou bonito e permitiu algumas leituras, como a já citada comemoração ou a purificação do mensageiro. Kôkô utiliza elementos da dança clássica, da dança moderna, de gestos próprios do flamenco (braços erguidos com os dedos apontando para algum lugar, na pose clássica de um toureiro antes de abater o touro) e de passos dos rituais religiosos africanos. Ao final, ele foi muito aplaudido pelo público presente. Gostei de ter visto um espetáculo de um país que jamais imaginaria ver.
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