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sábado, 21 de julho de 2012

VILLA Y DISCURSO - CENA CONTEMPORÂNEA

Mais uma noite de Cena Contemporânea. Mais uma peça a conferir. Escolhi a minha primeira atração estrangeira da programação, o programa dois em um chileno Villa Y Discurso, cuja dramaturgia e direção coube a Guillermo Calderón. Tive que sair correndo do trabalho para conseguir chegar a tempo no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, pois a sessão estava prevista para começar às 20 horas, mesmo sabendo que o costumeiro atraso mínimo de quinze minutos iria ocorrer. Mesmo com lugar marcado, havia uma fila na porta do teatro. Conversas animadas sobre as peças já assistidas eram a tônica nesta fila. Estamira era uma unanimidade, todos falando muito bem. Permitiram a entrada exatamente às 20 horas. Fiquei na primeira fila, poltrona centralizada, com ótima visão do palco. O cenário era simples, com uma mesa de madeira ao meio sobre a qual estava uma maquete, três cadeiras ao redor da mesa e mais três em posições diferentes no tablado. Em cada uma destas cadeiras longe da mesa estava pendurado um casaquinho branco. Ainda havia uma mesa na lateral esquerda cheia de copos de vidro com água. No alto, uma projeção de legendas, já que a peça é falada em espanhol. Antes de entrar, a produção entregou uma folha com uma nota introdutória contextualizando a história chilena, especialmente a longa ditadura militar e a eleição da primeira presidenta da história daquele país, Michelle Bachelet. Antes do início, informaram que a primeira parte duraria setenta minutos e que todos deveriam sair da sala para o rearranjo do cenário, retornando em exatos dez minutos para a segunda parte, que duraria quarenta minutos. O teatro tinha muitos lugares vazios. Com vinte e cinco minutos de atraso, as atrizes Francisca Lewin, Macarena Zamudio e Carla Romero entraram em cena. Elas interpretam três Alejandras, integrantes de uma comissão que tem a função de decidir o que fazer com a Villa Grimaldi, local onde presos políticos eram torturados durante a ditadura Pinochet. A peça começa chata, mas vai melhorando e, a partir de sua metade, prende a atenção da gente. Mérito das atrizes, que tem uma forte sintonia em cena e interpretação certa, sem exageros, mostrando que Calderón tem uma direção precisa. A conversa das três gira em torno do que fazer em Villa, com defesas emotivas de cada proposta, de mudanças de opinião, de traços de uma esquerda que não existe mais. Diga-se, de passagem, que as três não sofreram diretamente os horrores do período Pinochet, mas tem uma relação com esta época. Além de temas conhecidos como alguns métodos de tortura utilizados, as discussões das três Alejandras nos permite fazer outras leituras. Uma delas é o método de discussão sem fim que entidades da sociedade civil utilizam para definir determinados assuntos, quando as pessoas defendem coisas que não necessariamente acreditam, que trazem à tona resquícios de uma época que não mais existe, além dos conchavos e intrigas que fazem entre si. Também se discute a existência de Deus. Outra leitura interessante, e mesmo jocosa, é a crítica que se faz à arte contemporânea, pois uma das propostas para a Villa é a construção de um museu. Ao final, as três vestem os casaquinhos brancos, deixando à vista de todos uma faixa presidencial. Ali elas fazem menção aos rumos que muitos do presos políticos tomaram na vida, entre eles uma que virou Presidenta da República. O texto é forte, mas o que me impressionou mais foi a interpretação fantástica das três chilenas, sem nenhuma se sobrepor à outra. Cada uma teve seu momento solo e o fizeram muito bem. Durante esta parte, o calor era quase insuportável dentro do teatro. Assim que terminou esta parte, saímos da sala. Muita gente procurava alguém da produção do festival para reclamar do calor, incluindo eu. Disseram que foi um pedido das atrizes para desligar o ar condicionado para não prejudicar a garganta, já que os diálogos eram muitos na peça (como elas tomam água durante a encenação!). Garantiram que daria para ligar o ar da plateia e deixar o do palco desligado, e assim o fizeram. Com exatos dez minutos de espera, abriram a sala novamente. Havia menos gente do que na primeira parte. As três atrizes já estavam em cena, sentadas em cadeiras à esquerda do palco. A mesma mesa da primeira parte foi deslocada para a direita e os muitos copos que estavam espalhados em Villa foram colocados em cima desta mesa ao redor da maquete. Quando houve o sinal para começar, as atrizes se posicionaram no centro do palco, postadas como em um jogral. Cada atriz tinha uma faixa presidencial, sendo uma na cor vermelha, outra azul e outra branca, cores da bandeira chilena. Elas interpretavam a mesma personagem, ou melhor, a Presidenta Michelle Bachelet em seu discurso de despedida do mandato presidencial. Obviamente que o discurso não é o verdadeiro. O texto reflete o pensamento de uma parte da população chilena que votou em Bachelet quando ela tentava a reeleição e não obteve êxito. Assim, o discurso tem questionamentos sobre o que não foi feito, sobre o sistema econômico, sobre a realidade de um país que vinha de anos de submissão ao poderio dos ianques, sobre frustrações, sobre futuro do país com novas forças o governando. O final é impactante, pois rememora o forte terremoto que o país sofreu justamente no final do mandato de Bachelet. Fica até uma reflexão: mesmo com toda a discussão em torno da existência de Deus, presente em ambas as partes da peça, o terremoto seria um sinal divino? Mais um bom espetáculo!

teatro

4 comentários:

  1. Rola alguma dificuldade com a língua? Tenho curiosidade em assistir a peça, mas tenho medo de que meu portuñol não seja suficiente.

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  2. Thays,

    Não senti dificuldades, mesmo com muito diálogo. De qualquer forma há legendas que é possível acompanhar, principalmente para quem senta mais atrás.

    Um abraço e obrigado pela visita.

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  3. Acabei de voltar da peça, achei realmente muito boa (Villa, muito mais que Discurso). A peça não é só política, mas demonstra nitidamente uma inclinação quase apológica à Bachelet .Preferi Villa porque acho que se pode fazer uma leitura mais ampla.

    Minha leitura de Villa foi sob a ótica do determinismo de Hippolyte Taine. Essa teoria, sinteticamente, afirma que o homem é produto do meio e poderia ser compreendido à luz do seu meio ambiente, raça e momento histórico. Todas as Alejandras (não por acaso o mesmo nome)são resultantes do mesmo momento histórico,são resultantes da ditadura de Pinochet. Entretanto, a indução sobre cada uma delas se dá de uma maneira diferente. Elas se sucedem em ideias diversas sobre o que fazer com os restos de Villa Grimaldi, mais amplo que isso, qual interpretação deve ser dada ao fato histórico ali presenciado, o qual elas sentem efeitos (parte na qual relata a dificuldade de relacionamento com as mães, pois as respectivas mães enxergam o homem que as estupraram toda vez que olha para as filhas). Achei cada uma das sugestões feitas extremamente coerentes (pelo menos durante peça quase me convenci por várias, pelo menos até que a seguinte se iniciava).

    Depois de 90 minutos de debate, elas concluem pela liberdade daquele que sofreu tal indução reagir intimamente( a "Alejandra loira" desde o começo da peça ressalta a questão do pessoal/privado). A melhor maneira seria então deixar uma grama simples. As pessoas poderiam ouvir rock, brincar, chorar, deitar sobre a grama ou sofrer, expressando-se livremente. Finaliza ressaltando que a Bachelet foi fruto dessa indução histórica, tornou-se presidente. Acho que o mais importante na peça foi ressaltar que não há reações melhores ou piores à determinadas induções históricas, é fato que elas influenciam o individuo, mas é o indivíduo que canaliza e determina a maneira isso acontece.

    Parabéns pelo blog.

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  4. Não gostei da peça. Achei muita chata e maçante do início ao fim. Nenhuma das atrizes me impressionou. Muito texto (chato) e pouca interpretação. Obs: Realmente a peça "Estamira" foi sensacional.

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