Amor, Sublime Amor (West Side Story), 2021, 156 minutos.
Steven Spielberg é um cineasta fantástico, que costuma se dar bem em todos os gêneros em que se propõe a fazer filmes. Faltava-lhe um musical no currículo. Não falta mais, pois dirigiu, sessenta anos depois, sua versão do clássico Amor, Sublime Amor (West Side Story), de 1961, dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins.
As canções, escritas por Leonard Bernstein e Stephen Sondeheim para a versão de 1961 são mantidas na atual versão, embora haja algumas trocas de ordem de execução e de quem as cantam.
Na história central, pouco mexeu, mantendo-se a versão hollywoodiana (que era adaptada dos palcos novaiorquinos) de Romeu e Julieta. Spielberg fez algumas correções em relação às derrapadas do clássico. Na primeira versão, os Sharks, grupo de porto-riquenhos, foram interpretados por atores brancos que tiveram o rosto escurecido com maquiagem para ter o tom de pele dos latinos, assim como a própria protagonista Natalie Wood, uma branca interpretando Maria, latina de Porto Rico. Na versão de Spielberg, os atores que interpretam porto-riquenhos ou são latinos, muitos deles de Porto Rico, ou têm ascendência latino-americana, incluindo a protagonista Rachel Zegler (Maria).
Outro ponto diferente da versão mais recente foi levar parte das danças, cujas coreografias foram atualizadas, mantendo-se o romantismo do clássico de 1961, para as ruas, com tomadas de câmaras mais próximas dos dançarinos, fazendo com que o espectador se sinta dentro da cena. A performance de Anita (Ariana DeBose) cantando e dançando America com um vestido amarelo esvoaçante é sensacional (no original, Anita dança com um vestido rosa, cuja performance também é ótima). Esta cena sai do telhado da primeira versão para ganhar as ruas de Nova York. O uso das cores por Spielberg também é muito mais forte, marcando esta característica de nós, latino-americanos, gostarmos de cores vibrantes.
Mesmo que de forma mais sutil, sem aprofundar muito no tema, Spielberg expõe a gentrificação da época em que se passa o filme (anos 1950), pois o bairro onde acontecem os conflitos e amores de Amor, Sublime Amor estava sendo destruído pela prefeitura para dar lugar ao Lincoln Center, famoso centro cultural consagrado às artes de Nova York. Os moradores da região, tanto os de origem polaca (personificados nos Jets), quanto os de origem latina (personificados nos Sharks), lutavam por se manter na região.
No filme, pode parecer que, mesmo sendo grupos rivais, com brigas, ferimentos e mortes entre eles, Jets e Sharks sofrem os mesmos problemas. Esta é uma questão que Spielberg não corrige o escorregão da primeira versão. Os Sharks, além de lutarem pelo lugar onde moravam, também lutavam contra o preconceito, especialmente aquele vindo dos brancos que moravam no bairro. Os Jets não sofriam preconceito de etnia, como os Sharks. Isto não é muito explorado no filme. Existem diálogos que mostram esse preconceito, mas sem aprofundar muito. O foco é a história de amor a la Romeu e Julieta.
Quanto ao casal protagonista, tem uma melhor química do que Natalie Wood (Maria) e Richard Beymer (Tony) da primeira versão. Não que seja uma química perfeita, mas Rachel Zegler (Maria) e Ansel Elgort (Tony) estão melhores como um casal apaixonado, sendo os próprios atores que cantam as músicas, enquanto na primeira versão, os atores principais foram dublados na execução de suas canções. Rachel Zegler é afinadíssima e tem futuro em Hollywood. Já Ansel Elgort, para mim, lhe faltou um aspecto físico para dar consistência ao personagem Tony (faltou o chamado physique du rôle).
Temos que louvar a presença iluminada de Rita Moreno nesta versão de Spielberg. Ela causou furor quando interpretou Anita na primeira versão, levando, inclusive, o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Para a nova versão, foi criado um papel exclusivo para ela, a viúva de Doc, dono de uma mercearia na qual todas as pessoas do bairro frequentavam. Um olhar para fora dos conflitos, um ponto de paz dentro da confusão reinante no bairro.
Ariana DeBose entrega uma Anita linda, glamourosa, forte, amiga, divertida, sorridente, passional. Grande performance merecedora de todas as premiações que tem conquistado até aqui. Que venha o Oscar, que se acontecer, a mesma personagem terá dado a estatueta para duas atrizes de origem latina que a interpretaram.
Na versão de 1961, a personagem Anybodys é classificada em um dos diálogos como tomboy (algo como menina masculina). Spielberg também mexeu aqui, colocando Anybodys como uma personagem trans, interpretada pela trans não binária Iris Menas.
Uma curiosidade pessoal: em 2008, eu vi o ator David Alvarez (Bernardo), agora com 27 anos, que interpreta o irmão de Maria e líder dos Sharks, ainda adolescente, quando fez o papel de Billy Elliot em peça na Broadway.
Disponível na Disney+ (há um documentário de 40 minutos também disponível na plataforma sobre o filme).
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