Filme brasileiro falado em japonês? Esta foi minha pergunta antes de resolver comprar um ingresso para conferir Corações Sujos no cinema. Produção brasileira de 2012, o filme é dirigido por Vicente Amorim, contando no elenco com a maior parte de atores japoneses. A narração e maioria dos diálogos são em japonês, com legendas em português. Os personagens brasileiros são poucos e tem rápida aparição na película, como André Frateschi (cabo Garcia) e Eduardo Moscovis (subdelegado de polícia, cujo ator não convence como tal). Os personagens principais, imigrantes japoneses no Brasil ao final da Segunda Guerra, são interpretados por Tsuoyshi Ihara (Takahashi), Takako Tokiwa (Miyuki) e Eiji Okuda (coronel Watanabe). O roteiro é adaptado de livro-reportagem homônimo de Fernando Morais, narrando a pouco conhecida história de uma pequena guerra instalada na comunidade japonesa radicada no Brasil ao final da Segunda Guerra, quando a maioria não acreditou na rendição do Japão e na declaração do Imperador Hirohito de que ele não era um deus, mas simples mortal. Os imigrantes japoneses acreditavam que o Japão saíra vitorioso da guerra e aquelas notícias faziam parte de uma propaganda americana. A história é verdadeira, mas os personagens de Corações Sujos são fictícios. Em um período onde a escrita, o culto aos símbolos japoneses e a língua foram proibidos no Brasil, um grupo de imigrantes, sob a liderança do coronel Watanabe, do Exército Imperial Japonês, se reunia para cantar o hino japonês enquanto a bandeira do Japão era hasteada. Este grupo de imigrantes fazia parte de uma cooperativa de trabalhadores da cultura do algodão em uma cidade do interior do Brasil. Vendo aquela reunião, um integrante da polícia local, cabo Garcia, acaba com a festa, insultando os japoneses e provocando a ira dos mais velhos. Watanabe conclama todos os homens japoneses para irem à delegacia onde pretendiam matar o cabo, em nome da honra japonesa. No grupo estava Takahashi, um fotógrafo casado com Miyuki, a professora que ensinava, clandestinamente, a língua japonesa na comunidade. É claro que eles acabam presos e no interrogatório o subdelegado precisou de um intérprete, Aoki, que acabou considerado traidor pelos demais imigrantes. Ninguém dizia nada, apenas insultado o tradutor. Conseguiram ser libertados por ação de um advogado. Neste momento uma das mais interessantes frases, em português, do filme, mostrando toda a xenofobia e o racismo que existiam no Brasil (e ainda existe!), quando o subdelegado olha para Watanabe e diz que um bando de amarelos quer matar um branco e é solto por um preto. Assim que ficaram livres, uma guerra se instala no seio dos imigrantes. O inimigo deixa de ser o cabo e passa a ser todo e qualquer japonês que acredita na rendição do Japão. Watanabe, um autêntico manipulador, consegue transformar o pacato jovem fotógrafo Takahashi em um assassino. Ao mesmo tempo que vemos esta transformação, presenciamos também a derrocada do seu casamento com a professora. Cenas visivelmente inspiradas em filmes dirigidos pelos maiores nomes do cinema japonês, como Yasujiro Ozu e Akira Kurosawa, são uma constante durante os pouco mais de noventa minutos da projeção. Os planos sem diálogo, mostrando o cotidiano de família japonesa, marca de Ozu, estão presentes em Corações Sujos, assim como as cenas de luta de espadas debaixo de chuva e música instrumental pontuando o clímax, marcas de Kurosawa, também se fazem presentes. Até mesmo a estética dos faroestes americanos está em algumas cenas, como a em que o bando marcha até a delegacia para fazer justiça com as próprias mãos. Até galinhas correndo desorientadas, a la Cidade de Deus, o diretor coloca no filme. No início, estava achando ruim, lento, arrastado, mas o filme melhora a partir de metade da projeção. Um detalhe curioso é que a atriz que interpreta Miyuki não diz uma só palavra durante todo o filme. Sua performance é toda pontuada por olhares e postura corporal, num belo trabalho de interpretação. O final é piegas ao extremo. O filme superou as minhas expectativas, que eram quase nenhuma, mas não me agradou muito.
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