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quarta-feira, 10 de junho de 2009

ENTREVISTA PARA NOVO EMPREGO

Um fio de luz entrava pelo único buraquinho que havia na janela de madeira. Isto indicava que o sol já ia alto, pois logo cedo, devido aos prédios vizinhos, a luz solar não entrava diretamente no quarto de Heleno. Ele abre o olho direito incomodado com a tênua claridade e tenta ver as horas em seu rádio relógio.
11:27 em vermelho reluzia.
Dá um pulo da cama, sentindo uma fisgada na coluna, lembrando da entrevista para o novo emprego que aconteceria às 13 horas. Tinha uma hora e meia para se levantar, fazer a barba, tomar um banho, colocar uma roupa adequada, comer qualquer coisa, pegar o metrô e ser pontual na chegada à empresa. Pensou rapidamente que teria que eliminar alguns destes passos. Lera tudo nos manuais de como se comportar em uma entrevista, especialmente quando se almeja um emprego. Desistiu de fazer a barba e de comer alguma coisa. Escovou os dentes, jogou uma água no rosto e penteou os cabelos cacheados. Colocou uma calça social, um sapatênis preto, meias pretas, uma camisa listrada de azul e branco com mangas compridas e um casaco de veludo. Saiu correndo para a estação do metrô, a duas quadras de onde morava. Como já tinha bilhete, passou na roleta, desceu correndo as escada rolantes que o levava a plataforma de embarque. Não esperou nem três minutos. O trem se aproximou, parou, abriu as portas. Ele entrou e se sentou, ensaiando em voz baixa as respostas que iria dar. Sete estações depois, sem necessidade de baldeação, desceu e se dirigiu para o prédio da empresa, que se situa bem em frente à saída do metrô. Errou a saída, pegou a da direita e teve que voltar. Chegou transpirando de nervosia e se apresentou para uma recepcionista. Explicou quem era e o que fazia ali. Ela o identificou, entregou um crachá de visitante e o indicou a sala onde aconteceria a entrevista.
Seis pessoas, todos homens, aguardavam sentados. Ele era o sétimo e isto não o agradou, pois odiava este número. Se sentou em um canto e ficou espreitando os demais candidatos. Todos os seis concorrentes estavam de terno escuro, sapato social e gravata. Todos tinham relógios bonitos, alguns com anéis de prata nos dedos. Todos faziam questão de ostentar os aparelhos celulares. Heleno não tinha celular, por questões de princípios. Heleno não usava relógio e nem anel. Heleno se sentiu um estranho no ninho. A entrevista seria cronometrada. Não mais que quinze minutos para cada um, já haviam avisado a todos enquanto estavam na sala de espera.
Aquiles é chamado. Um porte de cavalheiro. Entra sem gingar o corpo. Esbelto, esguio. 15 minutos. Aquiles sai com um semblante resplandecente. Estava confiante.
Jonas é o segundo da lista. Baixinho, usava um corte de terno e cores corretas de camisa e gravata para aumentar sua silhueta. Entrou sem errar o passo. Firme. 15 minutos. Face radiante de alegria. Estava confiante.
Gregório se levanta ao ouvir seu nome. Este é gordinho e usa um terno perfeito, feito sob medida para seu corpo. Passos pequenos, calmos, serenos. Sorri para a recepcionista e para os demais concorrentes. 15 minutos. A respiração está arfante. Adrenalina decorrente da alegria total. Estava confiante.
Heleno começa a se apavorar. Não teria chances. Os três que o antecederam estavam muito centrados. Mostravam que estavam preparados.
Carlos José é o quarto e levanta apressado, olhos esbugalhados, rosto cheio de cortes de uma barba feita às pressas. A roupa era visivelmente de um tamanho maior do que ele usava. Cambaleou muito para entrar, parecia bêbado. 15 minutos. Saiu olhando para baixo, arrasado. Não esboçou nenhum sorriso. Estava descrente.
Uilio foi chamado. Todos olharam para ele. Que nome estranho. Acostumado desde a infância, olhou para todos e disse que era para ser William, mas seu pai não sabia falar direito. O escrivão, não entendendo o nome, pediu para soletrar. Ele, sem pestanejar, soletrou: U I L I O. Parecia que esperava este momento, pois esta sua fala lhe deu uma força visível nos seu olhos que brilhavam. Entrou de cabeça erguida, com passos contados, roupa impecável. 15 minutos. Sucesso era a palavra que se podia ler em sua testa. Estava confiante.
É a vez de Sales. Terno Ermenegildo Zegna, gravata listrada em tons sóbrios. Camisa com punho de abotoadura, de madrepérola. Sapatos pretos, lustrados e perfeitos. Cabelo com corte moderno, mas bem arrumado. Rosto barbeado, perfeito. Tinha uma tristeza marcante nos olhos. Entrou lentamente, como se estudasse cada metro quadrado do ambiente. 15 minutos. Certeza total de que seria o escolhido.
Por fim, Heleno é chamado. Levanta sem saber se rumava para a sala da entrevista ou se rumava para a saída. Resolve escolher a saída, mas a recepcionista o pega pelo braço e o muda de direção. Está nervoso. Está muito nervoso. Suas pernas bambeiam. Suas mãos estão trêmulas. Consegue, com muito esforço, chegar à sala da entrevista. Não há ninguém. Apenas uma tela de plasma na parede. Todo o ambiente é claro. Ele se senta e a porta se fecha. Uma música começa a tocar. Reconhece a melodia. Tem certeza que é uma música que ouvia em sua adolescência, mas era cantada na época e agora apenas instrumental. A música fica mais alta e ele se concentra. Ele sabe que música é, mas não se recorda da letra. Começa a acompanhar a melodia fazendo alguns sons pela boca. A letra é em espanhol, ele se lembra, mas qual, se pergunta. Ninguém fala nada. De repente, a tela de plasma mostra um contador, como os números de seu rádio relógio. O contador indica sete minutos. Novamente o número sete. Ninguém entra, não há nenhum som de vozes, apenas a música, cada vez mais alta. Tem vontade de explodir. Se levanta. Vai até a porta e tenta abrir. Está trancada. Bate na porta. A recepcionista abre e diz que a entrevista acabou. 8 minutos. Heleno sai da sala com cara de espanto. Não entendeu nada. A recepcionista pede para ele se sentar. O resultado da entrevista sairá logo. Ninguém comenta nada sobre sua experiência na sala com a tela de plasma. Com exceção de Heleno e Carlos José, os demais sorriam. Nenhum celular tocava. Passaram-se alguns minutos. A recepcionista entra com o resultado parcial, pois dois deveriam repetir a entrevista. Ela avisa que Carlos José, Aquiles, Jonas, Gregório e Sales estão dispensados. Não passaram na entrevista. Eles não acreditaram no que ouviram e muito menos Heleno. Uilio era só alegria. Os cinco eliminados quiseram questionar, mas a recepcionista, muito firme, disse que não cabia nenhum tipo de argumentação. Eles estavam eliminados e ponto final. Não se tratava de um concurso público, com possibilidades de recursos. Foram convidados a se retirar.
Heleno, ainda incrédulo, se questiona porque fora selecionado para nova rodada de entrevista. Afinal, foi o único que não ficou quinze minutos sozinho naquela sala fechada ouvindo aquela música com o som cada vez mais alto e cada vez mais irritante. A recepcionista sai. Mais alguns instantes e um senhor super bem vestido entra e informa que a mesma entrevista será repetida. Uilio se anima e Heleno resolve desistir. O senhor o ignora. Se dirige a Uilio e pergunta se já está pronto. Ele responde afirmativamente e volta para a sala fechada. 15 minutos, sai mais exultante do que da primeira vez. A palavra sucesso era mais visível em sua testa. Parecia um luminoso de neon. A recepcionista chama Heleno, que não teve coragem de se retirar e ele diz para ela que não aguentaria novamente a experiência com aquela música. Era melhor não tentar de novo. Ela pergunta se era uma posição fechada e ele diz que sim. Ela pede para aguardarem, pois iriam compilar o resultado das duas entrevistas. Heleno diz que não precisava, pois já tinham a primeira e única nota. Ela se virou e entrou. Cinco longos minutos para Uilio e Heleno na sala de espera.
A recepcionista volta e diz que o aprovado era Heleno. Uilio quer saber porque. Ela diz que não tinha autorização para explicar a escolha dos diretores. Era Heleno e ponto final. Heleno não entende. Fica sentado com múltiplas sensações: entusiasmo, espanto, felicidade, curiosidade, surpresa, enfim, um turbilhão de coisas se passavam em seu cérebro e reverberavam em seu corpo. Uilio é convidado a se retirar. Três homens e duas mulheres, todos vestidos bem informais, surgem na sala de espera e se apresentam como os diretores da empresa. Parabenizam Heleno pela entrevista. Mas ele pergunta qual seria a entrevista sobre a qual falavam. Eles disseram que a entrevista nada mais era do que uma observação desde o momento em que se sentaram na sala de espera, feita pela recepcionista e o comportamento na sala com a tela de plasma. O crucial na escolha foi o tempo que cada um ficou na sala. Tiveram uma dúvida com relação a Uilio porque, na primeira vez, ele tampara os ouvidos quando a música aumentou. Na segunda, dançou e cantou a letra da música toda, fator que levou os diretores a não o escolherem. Dançar aquela música era o fim. Heleno foi o melhor. Não aguentou a música, pediu para sair logo e não quis repetir a mesma experiência. Ele era o que a empresa precisava. Informaram que poderia começar no dia seguinte. Ele perguntou se podia saber se a experiência foi a mesma para os sete candidatos e qual era a música tocada. Sim, responderam que a experiência e, portanto, a música, foi a mesma para todos. Ele ficou parado, esperando o nome da música. Os cinco deram meia volta e saíram.
A recepcionista o indicou a saída falando: "Não queira saber a música".
Heleno saiu. A música voltou a martelar na sua cabeça. Que música é esta? Que música é esta? Não vinha a resposta. Resolveu passar em uma loja de discos. Cantarolou a melodia, mas ninguém sabia. Disse que era uma música que ouvia quando adolescente. Como já tinha 43 anos, um vendedor disse que talvez uma visita a um sebo de discos o ajudaria. Sabia onde ir.
Mundo dos Vinis era o nome do sebo. Entrou e cantarolou a música para o vendedor. Na hora o vendedor não só a identificou, como mostrou a capa do vinil. Perguntou se queria comprar. Heleno se assustou e riu muito. Como poderia ter esquecido. Festinhas da adolescência, todos dançavam e rebolavam aquela música. Agradeceu pensando que era melhor não comprar, seguiria o conselho que recebera ao sair da empresa.
Saiu da loja, caminhou um pouco, lembrou que nada comera até aquela hora. Parou em um café e lanchou. Entrou no metrô e voltou para casa, afinal o dia seguinte seria um novo dia para ele.

Tinha uma certeza: "melhor não saber a música".

4 comentários:

  1. Kitty e Pek,

    Obrigado pelas palavras de carinho. Isto só me incentiva a escrever mais textos.

    Bjs.

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  2. Uilio Oliveira Silva11 de abril de 2010 às 10:56

    Li hoje. Conto muito gostoso de se ler.
    Motivo: protagonista meu homônimo.

    Uilio

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