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quinta-feira, 7 de junho de 2012

BORBOLETAS DE SOL DE ASAS MAGOADAS

Durante um mês, alguns teatros em Brasília cederam seus palcos para as peças do Festival do Teatro Brasileiro em sua décima terceira edição. Nas etapas de Goiás e Distrito Federal, o festival apresentou a Cena Gaúcha. Infelizmente com agenda cheia de viagens a trabalho, só consegui ver uma peça das muitas que integravam o festival. Consegui ingresso para o disputadíssimo monólogo Borboletas de Sol de Asas Magoadas, que esteve em cartaz no último final de semana do Cena Gaúcha. Vi muita gente indo embora porque os ingressos estavam esgotados. O Espaço Cena foi o local escolhido, acertadamente, para a encenação, uma vez que a peça se desenvolve em um clima intimista, como se o público estivesse na sala da casa da personagem Betty. A peça completa 10 anos de encenação em 2012, e sua idealizadora, pesquisadora, diretora e protagonista, a atriz Evelyn Lingocki, ganhou prêmio de interpretação no Rio Grande do Sul, além de indicação em São Paulo. O texto tem cerca de uma hora, contando o tempo da conversa de Betty, uma travesti, com o público que faz fila para entrar no teatro. É como se a anfitriã fosse recepcionar seus convidados na porta de sua casa. Ela brinca com algumas pessoas, pega o chapéu de uma jovem da plateia, perguntando se pode usá-lo, para, em seguida, oferecer emprestado algum de seus pertences à dona do chapéu. Em um bate papo informal, Betty vai expondo sua vida, seus anseios, seus temores. No início, faz a linha comédia, com explicações hilárias sobre o comportamento e gírias usadas pelas travestis. Sua imitação de Débora Secco é impagável. Sua performance é tão perfeita que algumas pessoas chegam a duvidar se tratar de uma mulher em cena (ouvi comentários neste sentido de quem estava sentado perto de mim). Durante o bate papo, ela saca sacos de salgadinhos e oferece ao público. O saco passa de mão em mão. Ri muito desta primeira parte, uma espécie de mostra da vida de Betty durante o dia. Quando ela começa a se arrumar para a lida noturna, quando vai rodar bolsinha no calçadão, a peça fica mais pesada. O texto desaparece. Apenas música, luz baixa e muita tensão no ar. A violência, tanto física, quanto verbal, é mostrada sem que a atriz use uma palavra sequer. Ousada, ela expõe os seios por mais de uma vez, mostrando que sua pesquisa de campo foi muito rica. Ao final da madrugada, uma Betty desfigurada, com a maquiagem borrada no rosto, mostra aos seus visitantes que a vida de uma travesti não tem nenhum glamour. Elas tem que conviver com a porrada, com o preconceito, noite após noite. O final vem em forma de uma performance, de uma dublagem, muito comum entre as travestis que fazem shows noturnos, quando a atriz demonstra que mesmo arrebentada, a vida segue em frente. A música termina, Betty sai de cena. Final abrupto. O público só entende que a visita acabou porque uma gravação sobre o festival começa a sair das caixas de som. A atriz volta sem a peruca e é muito aplaudida. Alguns saem sem falar nada, ainda sob o impacto das fortes cenas finais. Um belo trabalho de interpretação, embora o texto não seja aquilo que possamos definir como definitivo. Com dez anos em cena, talvez fosse melhor para Lingocki se desfazer desta personagem logo, pois pode ficar estigmatizada e não conseguir mais que Betty saia de sua vida.



teatro

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