Tive consciência de minha homossexualidade muito cedo, ainda adolescente. Convivi com o medo de ser descoberto durante muito tempo. Era fim dos anos setenta. Namorei mulheres, mas não era o que me chamava atenção. Lembro-me até hoje da minha descoberta. Foi em uma barbearia. Algo me excitou naquele dia em que cortava meu cabelo. Demorou pelo menos quinze anos para que eu pudesse realmente começar a relaxar. Neste tempo, passei por colégio católico, participei de movimento de jovens da Igreja Católica, convivi com vários amigos heteros. Comecei a trabalhar e lia muito sobre a homossexualidade. Em casa, havia uma cobrança por noivado, casamento, estas coisas de família cristã. Não frequentava o meio gay. A primeira mudança foi com o filme Outra História de Amor, de produção argentina, mas não recordo o diretor. Poucas pessoas assistiam ao filme, era no primeiro horário da tarde, em um cinema no centro de Belo Horizonte, hoje já fechado. Saí do filme com um turbilhão na cabeça. Queria ter amigos com quem pudesse conversar. Depois de alguns dias, por instinto talvez, cheguei a uma sauna gay, também em BH. Mesmo assim, não conseguia fazer amigos. O medo imperava. Já no início da década de noventa, a partir de um convite para um jantar com dois colegas de trabalho, as coisas mudaram da água para o vinho. O convite era uma desculpa para revelações de ambos e tentativa de que eu também me revelasse homossexual. Levei um choque, não consegui responder e fui embora, quase batendo o carro. A noite foi de reflexão e no dia seguinte, me revelei também. Enfim, tinha amigos gays com os quais poderia compartilhar ideias, pensamentos e baladas noturnas. Assumir para amigos foi ficando cada vez mais fácil, embora para a família ainda demoraria alguns anos. Em 1995, em viagem a Paris com um colega de trabalho, ao sair de uma estação do metrô, damos de cara com uma parada gay. Achei que as pessoas eram muito tranquilas e naturais, tanto os que participavam como aqueles que assistiam ou aplaudiam. Foi um impacto positivo em minha vida. Constatei que a visibilidade do movimento e a aceitação da sociedade se devia à união e luta pelos direitos homossexuais. Não tive nenhuma intenção de engajar em alguma militância neste sentido, mas procurei informações sobre grupos existentes no Brasil. Grupos de São Paulo e Rio começavam a ser notícia, embora já existissem associações há muitos anos. Todos sabem que as paradas no Brasil começaram a se multiplicar nos últimos tempos. São Paulo ostenta o título de a maior parada gay do mundo e o Brasil deve ter o maior número de paradas deste tipo. Cidades de todos os portes possuem a sua parada, muitas fazendo parte do calendário oficial do município. A televisão começou a mostrar o homossexual sem caricaturas, como um ser humano normal. A novela A Próxima Vítima, de Sílvio de Abreu, em horário nobre da Globo, tinha um casal gay e houve uma torcida muito grande pelo final feliz de ambos com um beijo na boca. Como sabem, o casal formado pelos atores André Gonçalves e Lui Farias teve um final feliz, mas o beijo na boca não saiu (um beijo entre dois homens ainda não rolou em nenhuma novela da Globo, ainda esperamos). Filmes, peças de teatro, festival de cinema, como o Mix Brasil, e canções abordam o tema e são consumidos por um público além do homossexual. Ídolos do pop nacional, como Cazuza, Renato Russo e Cássia Eller não escondem sua orientação sexual. Além disto tudo, ainda há toda a informação sobre a AIDS e o pioneirismo do governo brasileiro no tratamento da questão (tanto em matéria de saúde pública, como de campanhas publicitárias, parcerias com organizações não governamentais e conscientização da população).
Descrevo isto tudo para ilustrar o clima favorável que a nova geração homossexual encontrou no momento da descoberta de sua orientação sexual. A aceitação da sociedade, embora ainda longe da ideal, é muito mais favorável do que há vinte anos. Assumir publicamente não parece ser mais um problema tão grande e esta nova geração faz isto muito cedo. Já vinha observando este "fenômeno" antes, mas nesta viagem de férias a Fortaleza, especialmente, ficou muito claro para mim que desde doze, treze anos já há uma necessidade de se mostrar homossexual. E, como em todo choque de gerações, há uma necessidade desta nova geração em se mostrar de peito aberto, especialmente em aspectos físicos e de como se vestir para se contrapor a gerações mais velhas. Não vou falar da geração que passou dos cinquenta anos. Fico na que pertenço, quarentões e os imediatamente anteriores, aqueles que se situam na casa dos trinta anos. Em sua maioria, muito preocupados com as roupas, grifes, assessórios e a forma física. Abro um parentêses para explicar que forma física não significa apenas os que malham horas e horas na academia e depois vestem roupas com numeração menor para realçar os músculos ou que tiram as camisas em boates para mostrar o corpo esculpido. Também aqui vale os que se "associam" a um tipo físico específico e se curtem, divertindo muito. O exemplo maior talvez sejam os homossexuais acima do peso e com pelos, se identificando com um grupo chamado de ursos. Voltemos para a nova geração. Estes jovens de doze (sim, doze anos) até vinte e cinco anos negam, em sua maioria, esta necessidade de malhar, de ir a academia, de ostentar grifes, mas também não querem se associar desde cedo aos ursos (mesmo que muitos gostem de paquerar pessoas mais velhas que ostentam uma barriguinha). Também devido à idade, são mais dinâmicos, o que provoca uma sensação em mim de que todos são magérrimos e usam roupa bem básica, algo como tênis detonado, calça jeans e camiseta. Os cabelos sempre desalinhados, mas com uma diferenciação incrível de penteados. Os assessórios estão presentes, mas não na linha óculos e relógios de grifes, mas brincos, colares de sementes, e muito piercing pelo corpo. Tautagem parece ser a única coisa que todas as gerações adotaram. Mas a tatuagem virou mania nacional, uma enorme quantidade de pessoas, independentemente de sua orientação sexual, ostentam ou querem ostentar uma.
A nova geração resolveu também qual seria o diferencial dela: maquiagem e sombrancelha pinçada. É algo incrível. Em uma balada noturna, pode-se observar a enorme quantidade de jovens maquiados e com a sombrancelha feita. E por fim, a nova geração de gays está mais solta, mais desinibida, com muito mais trejeitos, sem nenhum medo de receber a alcunha de bicha ou viado (creio que até gostam de assim serem chamados, pois comprovam que foram identificados). É claro que estou fazendo uma análise a partir de minhas observações, mas tais constatações eu as fiz em viagens pelo país, como Brasília, Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Obviamente não estou relatando isto como aversão ou condenação. Acho salutar esta mudança de paradigmas. E só posso terminar com uma saudação à nova geração de gays: Viva os new bambis!!
Pois é Noel, já estava esperando esse post, prometido dois antes.
ResponderExcluirOutro dia dizia isso também para um amigo, como hoje os gays estão se revelando ainda em tenra idade. Tem o lado da erotização precoce que não gosto muito, mas por outro lado tem essa disponibilidade em assumir-se que me agrada demais.
Só não sabia que com você foi somentos nos 90. Comigo foi em meados dos 80, na primeira faculdade.
ABs
Pek,
ResponderExcluirAchei que ia escrever mais sobre a nova geração, mas a inspiração me levou para um momento meu, por isso a introdução se referir a minhas vivências. Realmente só nos noventa eu consegui me assumir. Eterna culpa cristã....