Quinta-feira, dia 23 de fevereiro. Ushuaia amanheceu branca. Tudo estava coberto de neve. Desci para tomar café da manhã mais cedo, antes de 8 horas. Assim que terminei, fui para o lado de fora tirar fotos na paisagem branca. O céu já começava a ficar azul, anunciando um dia frio, mas com sol. Depois da sessão de fotos, voltei ao apartamento do Hotel Las Hayas. Precisava me aprontar, pois nosso passeio em uma Land Rover 4X4 estava previsto para começar às 9 horas, quando o guia nos pegaria na porta do hotel. Este passeio estava incluído no pacote que fizemos para Punta Arenas-Cruceros Australis-Ushuaia. Foi uma sugestão de nosso agente de viagens, pois seria diferente do que já havíamos visto e feito até então nesta viagem. Contratamos um passeio privativo. Às 9:10 horas o motorista/guia Walter chegou. Muito simpático, foi explicando sobre a região, sua fauna e sua flora durante todo o trajeto de ida. Assim que deixamos a cidade de Ushuaia, pegamos uma estrada onde vários altares foram erguidos por fieis que alcançaram alguma graça. Tinha altar de todos os tamanhos e tipos, para vários santos e beatos, com muitas oferendas. Desta estrada, entramos na Ruta 3, que liga o fim do mundo à Buenos Aires. Nesta rodovia, paramos em um mirante para admirar o Lago Escondido, um dos vários da região. O mirante estava coberto de neve, o que o fazia bastante escorregadio. Alguma fotos e partimos, passando em frente a um imenso canil de criação de husky siberiano. A segunda parada foi em um centro de visitantes, onde havia um restaurante que preparava o carneiro fueguino e também havia um canil onde cães eram treinados para andar na neve, a maioria da raça husky siberiano, mas tinha também um são bernardo. Ao lado deste centro, estava o teleférico que conduz praticantes de ski para o Cerro Castor no inverno. Havia dois outros Land Rover 4X4 parados neste local. Eles iriam nos acompanhar em comboio assim que saíssemos da Ruta 3. Passados quinze minutos, voltamos para o carro, seguindo viagem, margeando o belo Lago Escondido, ora visto de cima, ora visto no mesmo nível da estrada. Logo após uma usina, entramos em uma apertada estrada de terra. Era o início do off-road. No início, achei interessante, mas logo me cansei de tanto sacolejar. O carro passava por pedras, poças de água, subia e descia barrancos, atravessava troncos de árvores tombados no chão, e balançava muito. Neste caminho, cenários de destruição da floresta nativa pela ação dos castores, realmente uma praga introduzida pelo homem naquela região. Ainda nem tínhamos chegado ao segundo lago e já tinha tirado uma conclusão: turismo de aventura não faz parte do meu ser. Os dois carros atrás de nós repetiam todas as manobras de nosso guia. Quando passamos pela maior poça de água, cheia de lama, o guia nos pediu uma câmara que filmasse. David entregou a dele. Walter começou a filmar cada um de nós, dizendo que seria uma recordação de Ushuaia para o Brasil. Mexeu em alguns mecanismos no carro, alertou para nós não mexermos em nada e saiu do carro, deixando-o subir uma ladeira apenas na tração 4X4. Foi filmando, fazendo piadas, se divertindo e nos divertindo. Olhei para trás e os motoristas dos outros carros faziam a mesma coisa. Ainda do lado de fora, Walter colocou a cabeça para dentro do carro pela janela do motorista e perguntou: "Maradona ou Pelé?" Respondemos em uníssono: "Pelé!". Se eu já não estava gostando, o pior ainda estava por vir. Walter começou a cantar a irritante música do onipresente Michel Teló. Nem no fim do mundo a gente escapa dele. Walter voltou para o carro e disse que já estávamos chegando onde seria nosso almoço, um autêntico churrasco gaúcho. David e Roberto olharam imediatamente para mim. Estava atônito, pois não sou fã de churrasco. Outra conclusão que tirei neste passeio: tour com almoço incluído não me pega jamais. Já que estava ali, o jeito foi relaxar. Chegamos em uma propriedade privada, com algumas casas de madeira, chamadas de cabanas pelos guias. Antes de pararmos, os três guias conduziram os carros para o Lago Fagnano, muito maior do que o primeiro do tour, com muitas marolas. Walter virou para trás e ficou conversando conosco, tentando nos assustar, pois o carro foi entrando na água, percorrendo alguns metros. Parece que fazem isto não só para colocar mais adrenalina no passeio, mas também para lavar os carros da lama do caminho. Algumas fotos e voltamos para perto das cabanas, onde os guias armaram a grelha onde assaram o nosso almoço. Perguntado por uma israelense onde ficava o banheiro, o guia não titubeou em responder: "na natureza!". Desci para a beira do lago para apreciar a paisagem, bem como fazer algumas fotos, voltando em seguida. Todos se sentaram em bancos feitos de troncos de árvores ao redor do fogo. A fumaça insistia em ir na nossa direção. Mudávamos de lugar, ela também mudava de direção, sempre para o nosso lado. Na grelha, Walter colocou linguiças e pimentões vermelhos para assar. Embrulhadas em papel alumínio, algumas batatas foram colocadas no chão de terra, próximas às cinzas embaixo da grelha. Todos estavam com fome (havia 22 pessoas no local, oito em cada um dos outros dois carros, os três guias e nós três). Enquanto a linguiça assava, duas tábuas de frios, com muito queijo e embutidos fatiados, foram servidas com pão. Para beber um vinho bem simples chamado Colón, servido em copos de plástico nas cores laranja e azul. Quando as linguiças ficaram prontas, foram servidas dentro de um pão. Os pimentões foram recheados com milho, maionese, cogumelos paris em conserva e azeitonas, com um naco de queijo por cima. Eram o almoço de duas turistas vegetarianas que estavam no grupo. Enquanto comíamos o sanduíche, Walter colocou vários pedaços de carne para assar, todas com muita gordura e sem nenhum tempero. Ele perguntou a cada turista, a maioria brasileiro, qual o ponto que preferiam para a carne e, na medida em que ficavam prontas, as fatias de carne eram servidas em pratos de madeira, acompanhadas pela batata assada. Nada tinha tempero. Todos se valeram de um saleiro e de um pote com o molho chimichurri para temperar o prato. Assim que terminamos, os guias começaram a arrumar tudo para nossa volta para a cidade. Nosso carro foi o primeiro a sair. Ainda bem que a volta foi por uma estrada de terra muito bem conservada. Ainda paramos no caminho em frente a uma castoreira, onde, enfim, conseguimos ver um castor nesta viagem. Ele estava nadando, com parte do corpo do lado de fora da água. Foi o suficiente para tirarmos algumas fotos. Pegamos novamente a Ruta 3. A volta foi bem silenciosa. Walter parecia outra pessoa. Chegamos ao hotel já perto de cinco horas da tarde. Passeio off-road dificilmente me pega novamente, e se tiver almoço incluído, não pega nunca mais. Cheguei todo defumado, tendo que colocar o casaco e a calça pendurados do lado de fora da janela para tomar um vento para sair o cheiro de fumaça impregnado na roupa.
Terminamos o dia em um pizzaria na principal rua da cidade.
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