Terra em Transe, 1967, 111 minutos.
Mais um filme assistido, ou melhor, revisto, para o curso sobre o Cinema Novo que estou fazendo no Cinema com Teoria, ministrado pelo Prof. Alisson Gutemberg.
Terra em Transe faz parte da segunda fase do Cinema Novo. Dirigido por Glauber Rocha, conta com elenco primoroso, todos em performances fantásticas: Jardel Filho (Paulo Martins), Paulo Autran (Porfírio Diaz), José Lewgoy (Felipe Vieira), Glauce Rocha (Sara), Paulo Gracindo (Don Julio Fuentes), Hugo Carvana (Álvaro), Joffre Soares (Padre Gil), Danuza Leão (Sílvia), Mário Lago (Capitão), Flávio Migliaccio (homem do povo), Francisco Milani (Aldo).
Para driblar a censura, que ainda não era tão incisiva como após o AI-5, Rocha colocou a trama em Eldorado, um país fictício localizado na América Latina. Porfírio Diaz, não por acaso é o nome de ditador mexicano que ficou no poder por mais de três décadas, com tema de campanha que une religião católica e conservadorismo, irá concorrer à reeleição como presidente de Eldorado com Felipe Vieira, um político populista. Paulo Martins é poeta que assessorava Porfírio, mas muda de lado ao perceber que ele se distancia das pautas populares. Sara é sua mulher e seu ponto de equilíbrio. É neste contexto político que a história se desenvolve.
Glauber usa de muita alegoria para desenvolver um enredo que era espelho da situação vivida pelo Brasil, alguns anos após o golpe militar de 1964. E como alegoria, irá explorar situações que lembram o desfile de uma escola de samba: passistas e bateria em comício de Felipe Vieira, fantasias luxuosas que retratam o passado de Eldorado, com a chegada do homem branco à costa do país (aqui tem participação luxuosa de Clóvis Bornay, ícone dos desfiles de fantasia no Rio de Janeiro), muita percussão na trilha sonora, em contraste com a música clássica, que faz bem uma distinção entre o popular e o erudito, o porta bandeira (no caso, Glauber subverte a ordem e coloca um homem, Porfírio, para carregar uma bandeira negra - sinal de luto pela situação do Brasil?, mais uma alegoria) e o desfile propriamente dito com as caminhadas do candidato Fellipe com o povo.
O filme ainda traz, diretamente, fortes mensagens como a cena em que Jerônimo, um representante do povo, começa a falar para Felipe, mas é interrompido com a mão de Paulo Martins em sua boca, dizendo que o povo não tem voz. A violência contra quem manifestava também é mostrada, e ainda nem tinha começado o período mais violenta da ditadura brasileira, na cena em que o personagem de Flávio Migliaccio, propositalmente sem nome, é atacado com socos pelo segurança (Maurício do Valle) do candidato.
Outro contraste interessante é entre o Carnaval, como já exposto aqui, e a Ópera, outrora ligada às camadas mais pobres da população, para depois se tornar sinônimo de elite, de gosto apurado e diferenciado. A cena em que Porfírio cai com sua bandeira na escadaria de um palácio é um verdadeiro ato de uma ópera.
Os diálogos e monólogos, especialmente os de Paulo Martins, são difíceis de compreender, com muita erudição. E depois Glauber não entendia porque seus filmes não tinham público...
Revendo o filme, percebi sua atualidade, especialmente quanto ao contexto político em que o Brasil mergulhou com o resultado da eleição de 2018.
Apesar de todas estas considerações acima, que acho muito apropriadas, não gosto do filme, muito por seu áudio. O tempo inteiro o ruído incomoda, com sobreposição de vozes, de trilha sonora e de som ambiente, em volume acima do normal. Várias vezes é difícil entender o que os atores falam, além da compreensão dos diálogos requerer reflexão a todo o momento. Para mim, foi muita alegoria inserida no contexto político, que chegou a ficar caricato. De qualquer forma, reconheço a importância do filme para a história do cinema brasileiro e latino-americano.
Vi, em 10/02/2022, no Telecine Play.
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