Pesquisar este blog

sábado, 4 de janeiro de 2014

SYLVIA

Para Kitty


Um leve aroma doce invadiu o restaurante. O coração de Samuel acelerou, bateu mais forte. Seria Sylvia? A ansiedade gritava. Ele começou a suar. Suas mãos molharam rapidamente. Aquela era a primeira vez que veria Sylvia. Tinha fotos dela, pois se conheceram virtualmente pelo aplicativo Tinder. O aplicativo, a partir das informações prestadas por seus usuários, cruza os dados e indica quem melhor se encaixa no perfil do outro. Samuel tentou várias das indicações, mas nunca era correspondido. Parecia que suas fotos não agradavam as mulheres. Após dois meses de uso constante do aplicativo, uma mensagem sua foi finalmente respondida. Sylvia, uma morena deslumbrante, com muitas fotos em praias desertas, era a dona da resposta. Samuel nem acreditou que aquela sereia tinha caído na sua rede. Trocaram mensagens via Tinder por alguns dias, passando, em seguida, para o Whatsapp. Finalmente, combinaram de se encontrar. Ela escolhera o local. Fusion Co, um restaurante de comida fusion, muito badalado, sempre cheio, com necessidade de fazer reserva, mesmo para o almoço durante a semana. Sylvia propôs 04 de janeiro de 2014, uma quarta-feira, 13:30 horas. Samuel se encarregou de fazer a reserva. No ato da reserva, ele pediu uma mesa para duas pessoas, em local próximo à parede de vidro, pois queria desfrutar da bela vista para o mar. No dia do encontro, acordou muito cedo. Na verdade, mal conseguira dormir. Fez a barba, tomou um longo banho de banheira, com muitos sais relaxantes, escolheu uma roupa moderna, sem muita cor. Colocou seus óculos com hastes vermelhas e esperou dar a hora de sair para o restaurante. O tempo passava devagar. Chamou um táxi, já que não dirigia, resolvendo ir mais cedo para o Fusion Co. Chegou antes mesmo de o restaurante abrir. Enquanto esperava, sentou em uma mesinha de plástico em um quiosque da praia, protegido do sol, e tomou uma água de coco. Às 12:30 horas já estava sentado em sua mesa com vista para o mar, no oitavo andar do hotel onde o restaurante ficava. Pediu uma água com gás San Pellegrino para matar a sede e aguardou. Aguardou muito. Na hora marcada, ninguém apareceu. Naquela altura, o restaurante estava completamente lotado. Os garçons já estavam incomodados com a falta de pedido de Samuel. Apenas a mesma garrafa de água mineral. No centro do restaurante, uma mesa animada comemorava o aniversário de uma jovem. Todos que chegavam abraçavam apertadamente a aniversariante, chamando-a por Kitty. Era uma turma animada, falando alto, rindo muito e contando histórias. Samuel estava absorto em seus pensamentos. O maitre veio até ele e, delicadamente, perguntou se gostaria de uma entrada. Samuel pediu uma sugestão. Iscas de polvo em molho pesto. Aceitou. De cinco em cinco minutos olhava para o relógio. 14 horas e nada. Levara um bolo, pensou. Mal conseguia comer o polvo. Seu estômago embrulhava, em um misto de ansiedade e decepção. Fixou o olhar no horizonte, como quem não vê nada. E assim ficou por alguns minutos. Quando desceu os olhos para a rua, notou um aglomerado de pessoas ao redor de um carro prateado que estacionara em frente ao hotel. Muita gente com celulares nas mãos tirando fotos do carro, um iX35. Ele apurou a visão, ajeitou os óculos no rosto e viu um carro customizado com barras laterais, para-lamas, para-choque e retrovisores com um adesivo imitando pele de onça. Por um momento sorriu, esquecendo-se de Sylvia. Foi quando o aroma doce invadiu o restaurante e seu coração disparou. Ao mirar para a entrada, uma estonteante mulher apareceu. Era alta, morena, com pernas esculpidas no samba, sandália de salto alto, unhas pintadas de vermelho, andar elegante, cabelos negros e longos batendo no meio das costas. Sorriso largo no rosto, lábios com um intenso carmim, óculos escuros gigantes, brincos de argola. Um discreto anel no dedo anular na mão esquerda, lembrando uma aliança. Era tão marcante a sua presença que o restaurante parou por um instante. Era como se o tempo tivesse paralisado por segundos, as respirações ficaram suspensas, apenas a morena se movia. E se movia em direção a Samuel. Seu pensamento estava a mil. Era ela, com certeza, era Sylvia. Muito diferente das fotos. Mais sensual. Aliás, toda boa. “Samuel?, sou Sylvia, desculpe-me o atraso, posso me sentar?”. Sem fôlego, ele apenas assentiu com a cabeça. E ela começou a fazer perguntas e mais perguntas. Ele não conseguia responder nenhuma. Ela emendava uma na outra, como se as respostas não lhe interessassem. Os olhos de Samuel percorriam todo o corpo de Sylvia. Cada detalhe era devidamente escaneado. Ele estava hipnotizado. Sem cerimônias, ela pediu um pratinho e, entre uma pergunta e outra, apreciou o polvo que Samuel mal mexera. Sugeriu um brinde com champanhe, já dizendo que não aceitava que nenhum homem pagasse suas contas e que os gastos no restaurante seriam divididos meio a meio. Veuve Clicquot foi a sua escolha. Brindaram o presente, de olho no futuro, como ela propôs. Samuel continuava mudo. Quase 15 horas e eles ainda não tinham pedido o prato principal. Os garçons informaram que a cozinha fecharia dali a meia hora. Sylvia escolheu o que comer e ainda sugeriu a Samuel um prato, prontamente aceito, também com um balançar de cabeça. Em vinte minutos, os pedidos chegaram à mesa. Neste tempo, Sylvia continuou seu monólogo. Parecia que ela não se incomodava com aquela situação onde Samuel apenas a admirava, sem palavras, sem um grunhido sequer. Os que estavam em mesas mais próximas do casal, incluindo a mesa da aniversariante, notaram a situação e rapidamente aquele fato tornou-se o assunto entre eles. Com duas horas de conversa, ou melhor, de monólogo, Sylvia disse que precisava ir embora, mexendo o dedo anular da mão esquerda, como se quisesse mostrar para Samuel seu anel. Seria uma dica de que era comprometida? Ela pediu a conta, abriu um escancarado sorriso para o garçom, solicitou a máquina para pagar com cartão de crédito, dizendo o valor que caberia a cada um. Pegou sua bolsa Birkin, remexeu para lá e para cá até encontrar o cartão. Samuel ainda mudo, com seu cartão de crédito nas mãos, entregou-o para o garçom tão logo a máquina chegou. Enfim, desde que Sylvia chegara, Samuel conseguiu dizer alguma coisa. “Passa o valor total da conta, no débito”. A mulher fechou o sorriso na hora. Levantou-se, virou de costas e saiu, sem olhar para trás, deixando seu perfume como um rastro. Samuel ficou de queixo caído, mas sem reação. Apenas sorriu para o garçom, recebendo seu comprovante de pagamento. O coração amainou, suas mãos secaram, sua cabeça ficou leve. Olhou para baixo e notou que o tumulto em torno do carro aumentara. Era Sylvia. Ela posou para algumas fotos, entrou no seu carro-onça, fechou a porta, deu a partida e arrancou. Samuel levantou da sua mesa, despediu dos garçons e saiu. No elevador tirou seu celular, abriu o Whatsapp, escreveu uma mensagem: “foi muito bom te conhecer, conversar com você. Quando poderemos nos encontrar novamente?”, clicou em enviar, guardando o aparelho no bolso. Um sorriso discreto surgiu em seu rosto. Não esperava resposta. Nunca a recebeu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário